7:31Antes e depois do jogo

por Sérgio Brandão

 

Não tem uma rua nos arredores de qualquer estádio de futebol em Curitiba (só tem dois) que a gente não seja abordado por um cuidador de carros. Está oficializado o comércio do estacionamento e não sai por menos de 5 reais. Tenho três casos vividos recentemente.

 

O primeiro nem tanto, foi na rodada entre Coritiba e Londrina. Como fui com a Helena, optei por um que me pareceu mais seguro e mais próximo do que se pode chamar de oficial. O pagamento é antecipado, custa 15 reais. O local não parece ser de propriedade do rapaz que me atendeu, tinha mais jeito de ser posse temporária, território ocupado por poucas horas, mas era uma propriedade particular. Na saída ouvi o relato de um arranhão na porta do carro ao lado do meu. O proprietário ficou bem feliz com a surpresa.

 

A segunda história foi no Atletiba final. Na 7 de abril, sentido Couto Pereira, tem uma equipe que oferece cuidados especiais ao seu carro. São pelo menos três cuidadores. Um te ajuda na manobra, o segundo já vai colando um papelzinho (controle deles) no limpador do para-brisa, e um terceiro vai indicando os locais ainda vagos aos que vão chegando. Como ainda não conhecia esta forma de trabalho, fiz algumas perguntas e o cara justificou o trabalho como se fosse algo normal por ali, autorizado pelos vizinhos e comércio (tudo fechado num domingo à tarde).

 

Na quinta –feira, na partida contra o Nacional, achei uma outra rua, uma daquelas transversais da Augusto Stresser. O cara estava sozinho. Muito sério, com uma apresentação pra lá de convincente. Disse que tinha negociado o lugar com um tal de Darcy, ex-dono da rua e agora ele era o“proprietário do local”. Um negócio como arrendamento ilícito, quem sabe. Naquele dia ele estava estreando no local adquirido do Darcy. Também me pede pagamento adiantado, como se eu fosse fugir. Perguntei se ele ficava até o final, se ia fazer como muitos de pegar o dinheiro e ir embora. Disse que não. E de fato, depois de jogo, volto e lá estava o rapaz ainda muito sério, um pouco mais simpático. Esta impressão foi a que ficou e me passou confiança. Saí dali convencido que tinha achado um lugar seguro pro carro em dias de jogo no Couto.

 

No jogo do Coritiba  com o Atlético Mineiro eu volto ao mesmo lugar, claro. Exatamente onde deixei o carro na quinta, tinha ainda uma vaga. Manobro e com algumas orientações do rapaz, estaciono. Ainda de dentro do carro faço um aceno. Ele me olha sério, percebo que não me reconheceu. Saio do carro e, aí sim, me cumprimenta. Trocamos umas palavras e encho a bola dele dizendo que voltei porque tinha gostado do serviço.

 

Termina o jogo e quando volto encontro o rapaz encostado no meu carro, com uma garrafa pet vazia, jogada no chão. A uma distância mais ou menos de uns três metros já era possível sentir o cheiro de álcool. O Ademir, como se apresentou quando nos conhecemos, parecia dormir em pé. Antes de desarmar o alarme imaginei que qualquer movimento ali por perto derrubaria o cara. Ligar o motor, colocar o carro em movimento… nem pensar. O Ademir com certeza iria pro chão. Resolvi ajudar o cidadão, achei que seria mais prudente tirar ele dali. Quem sabe a calçada fosse mais segura, pensei. Pra minha surpresa o Ademir me trata com violência, até tentando me acertar uns socos. Berro com ele que acorda e parece finalmente me reconhecer. Ainda se apoiando no carro, me diz: “Tá bem cuidado, capitão”. Pego um dos braços do Ademir e coloco no meu ombro e começo o resgate tentando a remoção até a calçada. Ademir senta no meio fio e lembra da garrafa pet. Era uma daquelas de 2 litros de Coca-Cola. Resgato a garrafa e entrego na mão dele, imaginando que o rapaz ainda guardasse alguma lucidez, pensando na garrafa como produto reciclável. Mas não, ele olha para a garrafa atrás do último gole que não tinha mais. Ademir volta a ficar agressivo. A situação rapidamente perde a sua graça para ficar triste e dolorosa. Me olha pedindo mais dinheiro. Diz que é para ir embora pra casa. Digo que não, já tinha lhe dado e que não tinha mais. Aos poucos, lentamente, se aproxima um menino de uns 10 anos. Vai chegando de mansinho. Percebo que os dois carregam alguma cumplicidade. Pergunto se ele conhecia o Ademir. Diz que sim. “É meu pai”, diz ele.

– Onde moram?

– Almirante Tamandaré.

– Como vocês voltam pra casa?

– De ônibus!

– Seu pai não gastou a grana do trabalho bebendo?

– Não, antes ele me entrega quase tudo. Fica com um pouquinho para beber.

Pensei, ainda restava um pouco de lucidez ao Ademir. O álcool ainda não tinha lhe tirado todo o juízo.

O menino ainda me pergunta: “Quanto foi o jogo?

– O Coxa ganhou -2×1.

 

Ele sorri com o cantinho da boca e senta ao lado do pai. Provavelmente para esperar mais que o porre passe para, finalmente, seguir pra casa.

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4 ideias sobre “Antes e depois do jogo

  1. jose maria correia

    Curitiba padece de ausência de exercício de autoridade , não somente ruas mas quarteirões e bairros foram e estão sendo apropriados e vendidos como pontos por marginais que de intitulam os xerifes e donos dos pedaços. Vendem ruas por mais de cinco mil reais , na atividade de extorsão mediante ameaça velada participam centenas de homens saudáveis e vadios.
    Enquanto em São Paulo a polícia recolhe os marginais em dias de eventos ,aqui em Curitiba agem impunemente.
    Solução : basta a polīcia , guarda municipal, promotoria e judiciário estabelecerem um plano de ação conjunta com proposta de recolhimento ,multa e prestação de serviços à comunidade pela ação ilícita.
    Para não resolver nada é só ficar no preciosismo jurídico e contemplativo.

  2. Otario

    Eh o que sempre repito, meu mantra aqui na Pindorama…No Brasil nao ha cidadoes..somente Otarios e Canalhas…lamento pela Helena, que paisinho ela vai ter que encarar daqui uns poucos anos,

    Otario.

  3. Otario

    Claro, lamento pelo garoto de 10 anos, filho do Dono da rua…tristes tropicos…

    Otario

  4. Leitor de Veja

    Isso é culpa do PT.
    Quando FHC governava este país nada disso ocorria…

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