11:40O prédio da Santa Casa de Misericórdia

Da Assessoria de Comunicação Social da Câmara Municipal de Curitiba, em reportagem de João Cândido Martins de Oliveira Santos:

 

Quando o engenheiro inglês Bigg-Wither passou por Curitiba, avistou um prédio ainda em construção, situado a uma certa distância do núcleo da cidade. Em seus registros de viagem, revelou que ficou surpreso ao saber que se tratava de um hospital. Sua impressão, pela aparência do edifício, era a de que ele guardava mais semelhanças com os modernos hotéis ingleses daquele período. Para Wither, nem no Rio de Janeiro haveria prédios similares. O historiador Marcelo Sutil entende que o comentário de Bigg-Wither (um engenheiro atualizado em relação às novidades construtivas europeias) demonstra o arrojo empregado na edificação da nova sede da Santa Casa de Misericórdia.

 

Não poderia ser diferente: o engenheiro responsável pela obra era o alemão Gottlieb Wieland, radicado em Curitiba há alguns anos e autor da igreja gótica luterana, templo que por vinte anos marcou a paisagem da cidade, até ser atingido por um raio. Wieland distribuiu as tarefas referentes ao prédio da Santa Casa (ou Hospital de Caridade, como também era chamado) entre profissionais igualmente oriundos da Alemanha, como Frederico Warnecke, responsável pelos trabalhos em alvenaria, e Christian Strobel, incumbido das partes em madeira. Um pouco antes do término do prédio, Wieland contratou Henrique Henning, mestre-de-obras alemão recém-instalado em Curitiba. Posteriormente, Henning teria papel fundamental na construção da Catedral de Curitiba.

 

Para Sutil, a arquitetura do prédio da Santa Casa se enquadra na chamada Escola Eclética, que com sua mistura de elementos arquitetônicos de etnias diversas se tornou a referência para todos os construtores que, naquele momento desejassem se distanciar do estilo colonial (luso-brasileiro). A característica essencial do prédio é a monumentalidade. “Numa época em que o local era um descampado com algumas esparsas e pequenas casas, o prédio dominava a paisagem. (…) Wieland utilizou-se de platibandas em relevo, aproveitou o sótão – como fica visível pelas mansardas -, dotou a fachada de frisos decorativos na passagem do térreo ao piso superior e anexou ao conjunto torreões, semelhantes a pequenos minaretes”, esclarece o pesquisador em seu livro “O Espelho e a Miragem”.

 

Dr. Murici
O processo de construção foi gradual e se estendeu de 1868 a 1880, mas a necessidade de uma nova sede para as atividades da Irmandade da Misericórdia era mais antiga. Sua sede anterior, localizada na rua Direita (hoje chamada de Rua 13 de Maio) desde 1855, já não era suficiente para comportar as demandas da cidade. A doação do terreno para a construção do prédio foi feita pela Câmara Municipal e datava de 1861. O documento cedia o terreno “por trás da Rua da Entrada (Emiliano Perneta) entre as casas de Dona Carlota Franco e Antônio de Paula na extensão de 400 palmos de frente e os fundos correspondentes, fazendo frente a um largo”.

Segundo o texto do Boletim Informativo da Casa Romário Martins referente à Praça Rui Barbosa, o local “apresentava todas as condições favoráveis para abrigar um hospital: pelo acesso facilitado por novas vias que estavam sendo definidas, ou mesmo por questões sanitárias, uma vez que, longe da aglomeração dos prédios existentes na Rua Direita, garantia-se a ventilação necessária a um estabelecimento de saúde”.

Ary de Christan (1930-2010), membro fundador da Academia Paranaense de Medicina e provedor da Santa Casa, relatou o esforço de muitos em prol da conclusão da obra, mas deu destaque à atuação do então provedor da Irmandade da Misericórdia, José Cândido de Andrade Murici, que com sólidos argumentos conseguiu impedir a edição de uma lei que pretendia transferir os bens da Irmandade para o tesouro da Província  “situação que dificultaria a finalização do hospital”. Dr Murici (cujo nome passou a ser grafado equivocadamente com “y” a partir do século XX) morreu um ano antes do fim das obras.

A inauguração do prédio da Santa Casa foi também a primeira cerimônia realizada no largo que depois viria a ser a Praça Rui Barbosa. David Carneiro relata que “foram montados dois coretos e uma alameda de pinheiros e outras árvores, ligadas por arcos de flâmulas e vistosos ramalhetes de flores, levantados a espaços intercalados, que acompanhavam o percurso que o imperador seguiria”. Acredita-se que mais de duas mil pessoas tenham acompanhado a chegada do casal imperial (Dom Pedro II e Dona Teresa Cristina). Ao lado do Passeio Público, o prédio da Santa Casa impactou os curitibanos que gradualmente passaram a adotar as técnicas construtivas alemãs.

Misericórdia

As Santas Casas de Misericórdia têm origens portuguesas e sempre primaram pela prática da caridade. No Brasil, as primeiras unidades surgiram logo após o descobrimento, como a de Olinda em Pernambuco, inaugurada em 1539 ou as de São Vicente e Santos em 1543. No Paraná a ideia da instituição surgiu em 1843, mas seu surgimento apenas se concretizou em 1852, com a criação de um grupo denominado Fraternidade Curitibana (que depois se tornaria a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba). A primeira sede, inaugurada na Rua 13 de maio, em 1855, servia de apoio à Santa Casa de Misericórdia de Paranaguá (que permanecia lotada em razão da epidemia de cólera).

Além de ter sido o único hospital de Curitiba durante muitos anos, a Santa Casa de Misericórdia também foi pioneira na adoção de técnicas médicas ao longo de toda a sua história. Atualmente o hospital atua em convênio com a Pontifícia Universidade Católica. O Dr. Muricy hoje é nome de uma alameda, que vai da Praça Garibaldi (Largo da Ordem) até a Avenida Visconde de Guarapuava.

Referências Bibliográficas

“Rui Barbosa, a Praça na Trilha do Tempo”. Texto de Antonio Paulo Benatti e Marcelo Saldanha Sutil, publicado no Boletim Informativo da Casa Romário Martins. Editado pela Fundação Cultural de Curitiba (v. 23, n. 119), dezembro de 1996.

“O Espelho e a Miragem”, de Marcelo Sutil. Dissertação de Mestrado apresentada na Pós Graduação em História da Universidade Federal do Paraná, em 1996 (citação nas páginas 30 e 31).

“O cuidar na atuação das Irmãs de São José de Moutiers na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (1896-1937)”, de Maria Angélica Pinto Nunes Pizani. Tese de Doutorado apresentada na Pós Graduação em História da Universidade Federal do Paraná, em 2005.

“Santa Casa de Misericórdia de Curitiba”, de Ary de Christan. Texto publicado no jornal digital Paraná Online, no dia 13/08/2006. Link aqui.

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