6:46O VIZINHO

por Sérgio Brandão

 

O domingo amanhece cinza, como quase todos os outros dias, em Curitiba, nesta época do ano. No outro lado da calçada vejo o filho do vizinho, um rapaz de uns 25, 27 anos. Fala aflito ao telefone. Anda de um lado a outro, impaciente. Do lado de cá, no portão da casa onde mora, seu pai, também aflito, olha para os dois lados da rua, como quem espera por alguém ou alguma coisa. Somos vizinhos há quase um ano e nem sei o nome de ninguém da casa à esquerda. Eles nos olham como se não fossemos boas pessoas.

 

Estes dias, saindo de casa, uma senhora que também sei que mora ali, vence a timidez e me cumprimenta. Respondi, comemorando, com um bom dia bem longo. Ela sorri como se também comemorasse finalmente o nosso primeiro “bom dia” – depois de quase um ano. Ela olha para todos em volta, como quem deu o primeiro passo, vencendo uma barreira social. Nunca mais os vi. Ainda não foi desta vez que conseguimos desenferrujar de vez os nossos cumprimentos.

 

O menino, do lado de lá da calçada, veste preto. Seu pai, também. Lembro que na casa ainda tem uma pessoa doente. Uma outra senhora que tem câncer. A constatação está nas suas idas e vindas, as vezes de ambulância, e na cabeça sem nenhum cabelo. Deduzo que resultado da quimioterapia. Ela esconde a cabeça com um lenço. Às vezes, quando o dia permite e Curitiba abre uma brecha para o sol entrar, ela aproveita para se bronzear no quintal. Lembro que estava mais magra na última vez que a vi,

 

Começam a chegar alguns carros. Daqui de casa vejo as pessoas se abraçando na calçada. Os abraços são longos e demorados. Quase todos vestem preto. Vejo outros moradores que conversam na garagem, mas não vejo a vizinha doente.

 

Mais carros acabam de chegar. Já são uns 7.  Coincidentemente também quase todos de preto. O dia cinza contribui para a paisagem que vai se formando no semblante daquela gente.

 

A vida segue e faço as minhas coisas em casa, mas continuo atento ao movimento do vizinho. Em certos momentos esqueço. Eles fazem um silêncio sepulcral. Horas depois preciso sair e neste momento chega outro carro. Descem duas pessoas com muitas flores na mão. O menino os recebe também com outro abraço afetuoso e demorado.

 

Volto muitas horas depois e a frota de carros, que era de sete, é bem maior. Eram muitos. Ocupavam quase todo o quarteirão.  Me aproximo e aos poucos ouço gritos… gente na varanda, na calçada, na garagem. Todos de copo na mão. Lá de dentro ouço a cantoria de “Parabéns pra você, nesta data querida”… era aniversário do vizinho ou da vizinha.

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2 ideias sobre “O VIZINHO

  1. Cesar setti

    Zé, literalmete pensei que alguém tinha falecido! Abs, saúde e longa vida ao Sergio e seus vizinhos. Ufa!

  2. Mr.Scrooge

    Pois é, curitibano da gema é assim mesmo, travado até em dia de aniversario. E se alguém estiver soltando foguetes, desconfie, pode ser um aviso para a tigrada de que a coisa chegou.

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