15:00Maior que o estereótipo

por Leão Serva*

 

‘Dr. Ruy’ era maior que o estereótipo que dele faziam

 

Logo depois da Revolução Cubana (1959), o líder guerrilheiro Fidel Castro discursa em Havana para milhares de simpatizantes e agradece o apoio de um jornalista estrangeiro, a seu lado. Com um abraço, apresenta à multidão o brasileiro Ruy Mesquita.

O herdeiro do conservador “O Estado de S. Paulo” não coube jamais nos figurinos rígidos com que simpatizantes e adversários queriam vesti-lo.
Vinte anos depois, coube a Mesquita projetar à fama, com as primeiras reportagens, o ainda jovem líder sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva. Em seguida, ele e o irmão mais velho, Júlio, estiveram presentes a eventos que marcaram a formação do PT.

Ele achava fundamental para o país um genuíno partido de trabalhadores, ainda que para combatê-lo. Cansou de dizer que o PT era a única agremiação de verdade em nossa salada de siglas.

Estudou, sem se formar, direito e filosofia na USP. Mas ao longo da vida madura se convenceu de que o destino das nações é determinado pelas finanças. Se pudesse, teria reescrito sua história: “Meu pai quis que eu comandasse um jornal. Como meu irmão mais velho dirigiria o ‘Estado’, criamos o ‘Jornal da Tarde’. Hoje, eu teria feito um diário econômico”.

Ruy Mesquita tinha opiniões firmes sobre tudo. Uma delas, sobre jornalismo, se choca com um princípio que hoje é senso comum da profissão: o de que o jornal deve publicar as diversas versões dos fatos sem optar por uma.

Acreditava que o jornalista deve dar a notícia e explicá-la; que, retratando os embates sobre ideias e notícias, deve afirmar a versão que entende ser mais verdadeira. Do contrário, repassa ao leitor parte da missão do editor.

Por isso buscava grandes especialistas, mesmo que discordasse deles: nos anos 50, escolheu como colunista sobre a União Soviética o socialista Isaac Deutscher (biógrafo entusiasta de Leon Trótski), o mais lúcido estudioso sobre aquele país. Em meio à Guerra Fria, a última palavra do “Estado” sobre a Rússia era de um esquerdista.

Fui diretor do “Jornal da Tarde” nos anos 1990, apresentado ao “dr. Ruy” por seu filho Fernão, durante a campanha presidencial de 1994.
Quando Fernando Henrique venceu Lula, propus que convidássemos o derrotado para escrever. Ele topou, e o petista, que o jornal tanto criticava, virou colunista.

Ruy combateu a censura prévia da ditadura e, por isso, não gostava de se ver nem vagamente em papel semelhante. Preferia ler no jornal, já publicados, até os textos mais delicados. Isso dava aos editores grande autonomia –e imensa responsabilidade.

Assim, na campanha para as eleições municipais de 1996, um repórter investigativo do jornal produziu um grande furo: provava como a gestão do prefeito Paulo Maluf fraudava negócios com títulos públicos para enriquecer corretoras privadas.

Foi a revelação do que viria a ser chamado de “escândalo dos precatórios”, trama montada na Secretaria de Finanças, a cargo do então candidato a prefeito Celso Pitta.

Levei o caso a Ruy Mesquita. Queria a autorização do dono do jornal para publicar um texto que podia influenciar o resultado da eleição.
Ele me perguntou se estava seguro da qualidade da apuração: “Sim”, eu disse. “Então verei o material na edição de amanhã e depois comentarei com você”, foi sua resposta.

*Leão Serva, 53, ex-secretário de Redação da Folha, foi diretor do “Jornal da Tarde” entre 1994 e 1997.

 

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Uma ideia sobre “Maior que o estereótipo

  1. Mr.Scrooge

    Ruy Mesquita? Estadão? O que são isto? Se perguntarem até para o cara da banquinha ele não sabe quem são. Jornal no Brasil é coisa de rico, rico em cultura, em educação, em preocupação com este Brasil. O ditado popular se confirma mais uma vez, gente ruim não morre.

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