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Ilustração de Theo Szczepanski

por Rogério Pereira

1.

Estamos os três deitados na cama. A tevê espalha uma luz fria pelo quarto. Meu filho está no meio. Eu e minha filha nas laterais. Barrigas para cima, pernas bem esticadas. Na tevê, um desenho colorido nos distrai.

— Desde quando você usa óculos, pai? — pergunta minha filha.

— Desde os vinte anos.

— Por quê, pai?

— Tenho um problema que não me deixa enxergar direito. Chama miopia.

— Você vê tudo embaçado?

— Sem óculos, sim.

— E por que será, pai?

— Deus fez ele assim — explica meu filho.

2.

No shopping, passa um chinês com várias crianças barulhentas.

— Uma turma de chineses felizes — digo a minha filha.

— Os chineses são do Japão.

— Não, filha. Os chineses são da China.

— Não. Eles são do Japão. O olho deles também é puxadinho.

3.

Leio para meu filho um livro sobre animais.

— O filhote do porco se chama leitão, filho.

— Não, pai. Se chama leitinho. Ele é bem pequenininho.

4.

No restaurante japonês, meu filho está agarrado a um sashimi de salmão.

— Pai, a comida japonesa é feita na China. Tudo é feito na China.

5.

No semáforo, os carros formam fila. No banco de trás, meus filhos e um sobrinho.

— O Japão é muito longe, pai? — pergunta minha filha.

— Do outro lado do mundo.

— Quando aqui é dia, lá é noite?

— Sim. Isso mesmo.

— Vou morar no Japão. Quando lá for noite, venho pra cá. Quando aqui for noite, vou pra lá. Vou viver sempre de dia.

6.

Tomo café da manhã com meu filho.

— Pai, a vida é um desespero.

7.

Minha filha sabe que sou daltônico.

— Pai, quando você vai aprender as cores?

8.

— O infinito nunca acaba, mãe?

— Não, filho, o infinito nunca acaba.

— E onde ele começa?

9.

Meu filho se aproxima lentamente do sofá e senta-se ao meu lado.

— Você vai morrer, pai?

— Sim, filho. Um dia vou morrer.

— Eu vou ser grande quando você morrer?

— Sim, você vai ser grande, adulto.

— Você vai ser bem velhinho.

— Bem velhinho.

— Pai.

— O quê?

— Quando a gente morre, a gente vai pra terra dos mortos.

10.

Levo meu filho à Praça da Espanha. Ele carrega um balde amarelo e várias pazinhas. Brinca na areia suja. Outras crianças o cercam. Estão todos felizes. Sentado na escada de pedra, observo a tropa. Ele vem em minha direção e me abraça.

— Eu te amo Deus, pai.

— Como assim, filho?

— Deus é maior que infinito. Então, eu te amo Deus.

•••

Tenho quarenta anos; minha filha, sete; meu filho, quatro. Conversamos sobre assuntos banais o tempo todo. Quase sempre, temos a mesma idade.

*Publicado no site Vida Breve (http://www.vidabreve.com)

 

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