18:22O excêntrico sr. Normal

por Álvaro Costa e Siva

Quem conhece Aldir Blanc de perto acha que ele é um cara absolutamente normal. Tem aquela barba e os cabelos longos de careca rebelde, a pele branca de leite, a voz grave com sotaque inconfundível da Zona Norte carioca, sujeito alto e emotivo, claudica da perna esquerda, seus olhos ternos às vezes se perdem na contemplação do vazio… Absolutamente normal.

Aliás, um de seus melhores amigos, o escritor Ivan Lessa -na medida em que duas pessoas podiam ser amigas, uma delas morando em Londres, a outra no Rio- insistia que ele deveria virar personagem de quadrinhos: Aldir, o Normal, de preferência desenhado por Robert Crumb ou Jaguar.

Anda meio esquecido, é verdade. Suas crônicas não são mais publicadas com a regularidade e a repercussão dos tempos do “Pasquim”. Subir aos palcos para cantar suas próprias composições tornou-se impossível por causa de fobias e da necessidade de reclusão. Há também o fato de que, com a queda vertiginosa da venda de discos e do pagamento de direitos autorais, os compositores estão acuados.

Mesmo um que mereça o reconhecimento de Chico Buarque -“Aldir Blanc é uma glória das letras cariocas, bom de ler e de ouvir, bom de se esbaldar de rir”-, a preferência de Elis Regina, que o elegeu seu letrista predileto, autor de algumas das mais importantes peças da música brasileira: “O Mestre-Sala dos Mares”, “O Bêbado e a Equilibrista”, “Catavento e Girassol”, “Resposta ao Tempo”.

“O Brasil precisa conhecer melhor o Aldir”, diz o jornalista Luiz Fernando Vianna, autor do livro “Aldir Blanc: Resposta ao Tempo” [Casa da Palavra, 352 págs., R$ 55], que chega às livrarias nesta semana. -“Com o tempo, ele foi se fechando em casa e em si mesmo. Além do trauma que representou a morte das filhas gêmeas e da mãe, ainda sofreu um grave acidente de carro em 1991, que deixou sua perna esquerda quase sem movimento. Andar na rua passou a ser perigoso. Some-se a isso a diabetes 2, diagnosticada às vésperas da Copa do Mundo de 2010, cuja dieta necessária exigiu o fim do consumo de álcool, e você vai entender por que ele prefere, aos 66 anos, viver cada dia de uma vez, recebendo em sua biblioteca as pessoas que realmente ama e, sempre que possível, fazendo música”.

Aldir estudou sete anos de medicina, com especialização em psiquiatria, e depois largou tudo para se tornar compositor. A história remonta aos tempos em que andava de calças curtas. Num dia de entrega de boletim, o pai comentou: “Você sempre tira dez em biologia. Quem sabe você não vai ser médico…”.

Ingressou em 1965 na Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, de onde saiu em 1971. Trabalhou no Hospital Gustavo Riedel, dentro do Centro Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de Dentro – o manicômio citado na música “Que Loucura”, de Sérgio Sampaio: “Fui internado ontem/Na cabine 103/do Hospício do Engenho de Dentro/Só comigo tinham dez”.

Eram 40 leitos para mais de 80 pacientes. Todos eram dopados com uma mesma droga. O uso de eletrochoques, rotineiro -Aldir se negou a adotá-lo. Não aguentou a barra e, após um ano, saiu para abrir consultório próprio na rua da Assembleia, no Centro do Rio. Às vezes, chamava o paciente para conversar na rua ou num bar. Assim foi até 1973.

A ideia de viver só de música vinha ficando cada vez mais forte. Na época, Aldir já era um compositor gravado por Elis Regina, letrista do sucesso “Amigo É Pra Essas Coisas”, e a parceria com João Bosco andava a mil.

A gota d’água foi a morte, em 1974, de Maria e Alexandra, gêmeas que seriam as primeiras filhas de seu casamento com a professora Ana Lúcia. Nasceram prematuras de sete meses. Maria morreu logo, Alexandra ainda resistiu na incubadora enquanto deu: “Ela morreu sangrando por todos os orifícios: ouvidos, nariz, boca. Aí o seguinte: se não salvo as minhas filhas, não salvo ninguém. Tô fora, não é isso que eu quero fazer”.

O drama está contado em “Aldir Blanc: Resposta ao Tempo”. Rica em detalhes conhecidos apenas dos mais íntimos, a obra privilegia a trajetória do compositor Aldir, como explica o outro subtítulo: “Vida e Letras”. Estão reproduzidas mais de 450 delas (de quase 600 já compostas), e é incrível como elas sobrevivem bem na página fria, sem a música.

“Praticamente a seleção foi do próprio Aldir, que preferiu deixar algumas de fora, por julgamento estético ou de foro íntimo, e incluir cerca de 100 inéditas”, conta Luiz Fernando Vianna, que elege entre as suas canções prediletas “Gol Anulado” e “Transversal do Tempo”, ambas do disco “Galo de Briga”, de 1976.

Na “Introdução Pessoal” que abre o volume, o jornalista rememora seu deslumbramento ao ouvir pela primeira vez, aos seis anos, as 12 faixas do LP da dupla Bosco-Blanc: “Aldir era um barbudo sem vocação para galã, que fazia letras estranhas, aparecia no encarte jogando sinuca e andando em uma rua deserta e suja, além de morar na Zona Norte, como eu. Para um menino meio ‘esquizoide’, era o ídolo perfeito de tão torto”.

O livro é farto em fotos do galã torto: no colo dos pais, fantasiado de chinês no Carnaval, com seu inseparável cavalo de madeira, na Pedra da Moreninha em Paquetá, nos tempos de estudante de medicina (a cara esculpida de um personagem de Dostoiévski), com as filhas, os netos, a mulher, com os amigos e os parceiros de longa data, com as cantoras. Há também partituras, manuscritos de letras e poemas, cartazes, capas de disco.

E uma reprodução impagável do “Álbum das Punhetas”, caderno artesanal com mulheres que saíam em trajes menores em revistas e jornais, e que era alugado por dia para adolescentes amigos.

As muitas imagens da infância e juventude não estão ali à toa. Até porque, como observa Vianna, um bom começo para entender a arte do letrista é revisitar suas origens, os tempos alegres de criança em Vila Isabel, as incertezas com a mudança para o Estácio -onde sofreu “bullying” dos valentões do pedaço-, as marcas e os porres com a entrada na vida adulta.

Aldir Blanc Mendes nasceu no dia 2 de setembro de 1946, no Estácio, mesmo berço dos compositores que, 17 anos antes, haviam formatado o samba como gênero urbano carioca. Mas quase não nasce: Helena precisou entrar no décimo mês de gravidez e gritar por quase 24 horas para que o rebento surgisse com a força de seus mais de quatro quilos. Sua mãe desenvolveu uma espécie de depressão pós-parto -quase não saía de casa, comportamento que o filho adotaria mais tarde- da qual jamais se livraria até morrer, em 2002, com 80 anos.

Na véspera da morte, chamado à casa dos pais, na rua Maia de Lacerda, Aldir previu o desenlace. Começou a beber e bolou um ardil. Pediu a um amigo dentista para se passar por neurocirurgião. Quando ele chegou, todo vestido de branco, Aldir pediu: “É só um alento. Passa a mão nos joelhos dela e diz que está tudo bem”.

Alceu, ainda sacudido aos 90 anos, aparece nas crônicas do filho como Ceceu Rico (apelido de infância porque, ao contrário de outros meninos do Estácio, costumava brincar na rua de sapato fechado, e não descalço). Funcionário do antigo Iapetec, asmático, fumava Lincoln sem filtro e jogava sinuca e nos cavalinhos.

De poucas palavras, com o tempo tornou-se o maior amigo de Aldir, a única pessoa com quem ele, hoje, arrisca uma saída rápida, de seu apartamento na Muda até um bar escondido nas redondezas.

A Muda é uma espécie de bairro não oficial dentro da chamada grande Tijuca. É onde ele mora. Rua Garibaldi. Depois do Maracanã e antes da Usina e do Alto da Boa Vista. Ao contrário dos boêmios mais famosos do Rio, que sempre aprontaram na Zona Sul e perto da praia, Aldir escolheu essa parte da cidade e os botequins mais vagabundos para suas aventuras etílico-esportivas (era um bom jogador de sinuca).

“Um bar perfeito como ainda são uns poucos da Tijuca precisa de algumas vomitadas no canto, uma briga histórica em seu currículo e um pequeno contingente de loucas fixas”, explica o compositor. “Um boteco só merece nota 10 se uma morena bonita olhar de forma desafiadora enquanto abre um grampo nos dentes para afastar o cabelo da nuca suada”.

QUINTAL
Na infância, a presença mais afetuosa era a do avô materno, o português Antônio Aguiar que, a partir dos três anos, praticamente criou o neto na casa de Vila Isabel. Ali estavam o cenário -quarador, caramanchão, goiabeira, quintal- e os tipos que Aldir reteve na memória e repassou para textos e letras.

Proust escrachado dos subúrbios, voltou-se para aquele endereço, na rua dos Artistas, 257, quando começou a escrever crônicas passadas nos anos 1950, narradas por uma criança, para os jornais “Última Hora”, “Tribuna da Imprensa” e a revista “Homem”, até fixar-se no “Pasquim”, em 1975. Logo passou aos livros: “Rua dos Artistas e Arredores”, de 1978, e “Porta de Tinturaria”, de 1981.

Antes de serem reunidos num único volume -“Rua dos Artistas e Transversais”, em 2006, pela editora Agir- eram edições disputadas a empurrões. Daniel Chomksky, da Berinjela, tradicional sebo da avenida Rio Branco, no Centro do Rio, conta que teve de apartar dois fregueses que já iam às vias de fato na disputa por um exemplar do mais raro “Porta de Tinturaria”: um rapaz de óculos fundo de garrafa e pasta 007 e uma senhora um tanto gorda e bigoduda. A contenda foi resolvida em favor desta, que apresentou argumentos insuperáveis: dizia-se tijucana de quatro costados, “bruaca” e, mais importante, estava citada no livro alvo do litígio.

São personagens, garante Aldir, que de fato existiram (à exceção de Penteado, o gozador que arremata o deboche com frases de efeito): o primo Esmeraldo, conhecido pelas domésticas da Penha como “Simpatia-É-Quase-Amor”, cognome que inspirou a criação do famoso bloco carnavalesco de Ipanema; Lindauro, notório boçal, mas que tinha um coração do tamanho de um bonde; Belizário, que bebia para não esquecer; Tatinha (melhor calar sobre ela); Pelópidas, a tranquilidade em pessoa; e mais Gogó de Ouro, Paulo Amarelo, Waldir Iapetec, Tuninho Sorvete.

Entre tais cascudos, o chope nunca era pedido do mesmo jeito: “Garçom, mais 18 sepulturas da memória!”; “Solta mais 20 canarinhos da gaiola!”; “Uma rodada de Alfavacas ao Luar para todos!”.

Aldir orgulha-se de ter realizado uma aspiração de garoto ao escrever essas crônicas. Sempre nutriu admiração pelos compositores que exerceram ao mesmo tempo uma atividade jornalística ou literária. Não importa se um cronista da importância de Antônio Maria, um letrista pioneiro como Orestes Barbosa ou um humorista e turfista como Haroldo Barbosa.

O que conta é a embocadura. Daí que seu estilo personalíssimo e hiperbólico tem muito a ver com letra de música. Um ritmo, uma síncope, uma levada, um batuque de quem está ouvindo um samba ou um choro -uma segunda parte de Bide, um solo de flauta de Benedito Lacerda- enquanto escreve.

A mesma pegada emprestou ao projeto coletivo (com André Sant’Anna, Veronica Stigger, Carlito Azevedo, entre outros) para encerrar um folhetim de que Nelson Rodrigues só deixou escrito o primeiro capítulo -o livro sai neste ano.

A experiência o animou a retomar um romance policial que já lhe custa duas décadas de fabulação e experimentação. Segredo total: sabe-se apenas que uma das chaves da história é “O Mistério da Cruz Egípcia”, de Ellery Queen.

A fascinação -quase obsessão- pela leitura ele herdou do avô Antônio. Dos gibis -Fantasma, Príncipe Namor, Hapalong Cassidy- pulou para os livros, primeiro os das coleções Paratodos e Terramarear, depois de todos os tipos: a Bíblia, um grosso volume de “História de Portugal”, ficção, ensaios, biografias, compêndios sobre a Segunda Guerra, tratados de psiquiatria.

Seu amplo apartamento na rua Garibaldi abriga mais de 15 mil volumes. Até uma mesa “profissa” de sinuca, que ocupava inteiramente a sala, antes de ser vendida, tinha livros empilhados no feltro verde. Se um amigo perguntar se ele “já leu tanta coisa”, corre o risco de ser posto para fora. O que não entra mesmo lá é Paulo Coelho.

“Sou vidrado em alguns autores. Anthony Burgess é uma de minhas taras. Cheguei a fazer umas investidas, com meu inglês da praça Mauá, nos originais. Há livros dele que li várias vezes, e é sempre a primeira vez. Cultura assustadora, excelente copo e um boa-praça gozador. Dizem até que foi grande músico, mas nunca ouvi nada. Quando morre um desses é uma cacetada. Perco um amigo. Foi assim com o Kurt Vonnegut, o John Updike, o Norman Mailer”, revela.

Mais intensamente sentiu as perdas, no ano passado, de Ivan Lessa e Millôr Fernandes: “Uma bomba de fragmentação”, define. Também se deprimiu com a morte, em outubro, de Batuque, labrador homenageado pelo dono com a música “Constelação Maior”. Aldir confessa não ter sofrido tanto desde a morte das gêmeas.

Nessas horas, melhor mesmo é ficar em casa, ao da mulher Mary Sá Freire, com quem é casado desde 1988, e as filhas Mariana, Isabel (do primeiro casamento de Aldir), Patrícia e Tatiana (do primeiro casamento de Mary). Além de cinco netos. Todos são tratados como um “grande time de futebol”, sem distinção, e ai de que disser o contrário.

DUPLA
Um nome desconhecido -Pedro Lourenço Gomes- merece virar verbete nas enciclopédias de música brasileira como “inventor” da dupla João Bosco-Aldir Blanc. Foi ele quem, de passagem por Ouro Preto em 1970, impressionou-se com um jovem que tocava violão num barzinho (temas próprios, ainda sem letra).

Apresentou-se e disse que tinha um amigo no Rio, com quem participava de um grupo de estudos sobre antipsiquiatria, que adoraria ouvir aquelas melodias. Mais ainda, tinha certeza de que ele iria botar letras nelas.

Meses depois, Aldir chegou a Ponte Nova (MG), terra natal de João, numa Kombi na qual ainda estavam Pedro, o compositor Paulo Emílio e o músico Darcy de Paulo. Comeram o espaguete à bolonhesa preparado por dona Lilá, mãe do violonista, e abriram os trabalhos. Do lote inicial de mais de 30 músicas, três ganharam letra imediatamente: “Agnus Sei”, “Bala com Bala” e “Angra”.

Começava um casamento perfeito, um choque cultural entre Minas e Rio, um encontro que pertence ao mundo do imponderável, a começar pelo fato de um torcer pelo Flamengo e o outro pelo Vasco. E que ainda teve na voz da gaúcha Elis Regina um poderoso terceiro vértice (as músicas da parceria sempre eram mostradas a ela em primeiro lugar).

“Conversávamos todo dia por telefone, ele mandava o texto ou eu a música, e dava tudo certo. Metemos fundo o pé no acelerador porque sabíamos que a máquina estava quente e azeitada”, lembra João Bosco, e desfia a sequência incrível de obras-primas: “Mestre-Sala dos Mares”, “Dois Pra Lá, Dois Pra Cá”, “Latin Lover”, “Caça à Raposa”, “Rancho da Goiabada”, “Falso Brilhante” e “O Bêbado e a Equilibrista”, a mais famosa.

Aldir é capaz de fazer letra dormindo: “Escadas da Penha” é literalmente um sonho que teve com João. “Posso ter duas táticas totalmente distintas”, explica. “A que chamo de embrenhar pelo ouvido consiste em ouvir a música direto, com fones no ouvido, geralmente de madrugada, até me levar a um estado de loucura. De repente, você se descobre alucinado correndo atrás de lápis e papel. Porque a letra começou e eu não posso perder. Foi assim com ‘Dois Pra Lá, Dois Pra Cá’. Fiz com tanta velocidade que só depois fui ouvir a fita para ver se tinha uma frase a mais ou a menos”.

“Ou pode ser o contrário”, continua ele: “Assim que você começa a ouvir a música, a letra vem imediatamente. Aí disfarço, faço igual à cobra do desenho Mowgli, pego o papel e pronto, a letra está mortinha”.

Em meados da década de 1980, a dupla deu um tempo. Sem brigas nem traumas, embora na época ninguém acreditasse: “Nossos interesses ficaram divergentes. O João se internacionalizou, eu fiquei mais suburbano. Costumo dizer que todas as versões para o rompimento, por mais estapafúrdias e escrotas, são corretas”.

“Não saímos na pernada. Tanto que, quando voltamos, foi como se tivéssemos nos visto na noite anterior”, conta o parceiro, que em 2009 gravou o CD “Não Vou Pro Céu, Mas Já Não Vivo no Chão”. O título é um verso do “Samba de Caramujo”, no qual Aldir, em primeira pessoa, fala como se fosse João Bosco. Nunca antes tão afinados.

O letrista se abriu a parcerias com Moacyr Luz, ampliando a vertente do samba sincrético (“Medalha de São Jorge”), e o violonista Guinga, com o qual levou ao paroxismo o trabalho de letrar nota por nota de uma melodia (“Catavento e Girassol”). Atualmente tem trocado figurinhas com o cantor e compositor Moyseis Marques -já nasceu um baião.

Em 1996 um CD com 20 músicas lembrou os 50 anos do artista (na foto da capa, ele aparece fumando cigarrilha e mirando as pernas de Monique Evans). Foi mesmo uma festa, com participação de Edu Lobo, Paulinho da Viola, Nei Lopes.

Na abertura, Dorival Caymmi cravou: “Estamos falando do ourives do palavreado. Estamos falando de poesia verdadeira. Todo mundo é carioca, mas Aldir Blanc é carioca mesmo”.

No pesado e pessoal “Vida Noturna”, de 2005, Aldir interpreta as 12 faixas de sua autoria. É um CD certeiro em capturar o universo do anacoreta da Muda. Mary, sua mulher, saiu-se com a melhor crítica: “É um disco para ouvir no térreo”.

Ao lado de Carlos Lyra, com quem nunca havia composto, fez a trilha do musical “Era no Tempo do Rei”, baseado no romance de Ruy Castro e com adaptação de Heloisa Seixas e Julia Romeu. Para canções, valsas, polcas, viras, choros, toadas, tangos, marchas, Aldir criou letras de absurda riqueza verbal -numa delas há nada menos que dez sinônimos para vagabundo: bilontra, escroque, sarnento, lapuz, tuna, labrosta, mamparra, mucufa, groma, labrego.

A estreia, em 2010, registrou a última aparição pública de Aldir Blanc; a íntima foi ano passado, no aniversário da neta Cecília, quando se fez acompanhar, ou “escoltar”, como ele próprio definiu, por dois amigos: o artista plástico Mello Menezes e o advogado Edu Goldenberg. Tudo correu bem.

“Trabalhar com o Aldir foi uma delícia”, lembra Heloisa. “Mas uma espécie de montanha-russa: ficávamos meses sem ter notícia, aí de repente chegava uma enxurrada de letras espetaculares, cinco ou seis numa semana. Ele é uma flor de delicadeza. E aquela voz… Quando o Aldir deixava recado na minha secretária eletrônica, minha gata Colette se assanhava toda: era eu botar para ouvir a mensagem e ela começava se esfregar no telefone…”.

Um malandro inteiramente normal, como se vê.

*Publicado na Folha de São Paulo

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