12:22Cotas

Para discussão, do artigo de João Pereira Coutinho, publicado no caderno “ilustrada”, da Folha de São Paulo, sobre cotas raciais nas universidades (ler íntegra abaixo):

… a igualdade de oportunidades deve ser uma igualdade de base na formação de qualquer indivíduo. Pretender corrigir no fim o que vem torto desde o início é destruir vidas adultas com ilusões politicamente corretas.

Desembarques na Normandia

Chegar a universidades de elite apenas pela cor da pele é um desembarque pedagógico na Normandia

COTAS RACIAIS nas universidades: os argumentos são conhecidos.

Para o pensamento progressista, as cotas são uma forma de corrigir injustiças passadas, abrindo as portas das melhores universidades a candidatos negros, ou hispânicos, ou nativos-americanos etc.

Para temperamentos mais conservadores, as cotas são uma nova forma de racismo, ainda que invertido, ao reduzir a singular individualidade de cada um à mera pigmentação da pele.

E são, claro, um atentado às mais elementares noções de mérito.

Os argumentos são conhecidos, repito. Mas o que dizer quando duas bíblias do progressismo americano -o “New York Times” e a revista “Atlantic”- publicam matérias altamente críticas sobre as políticas afirmativas no país?

Aconteceu. Nenhuma delas repete argumentos gastos porque a discussão deixou de ser ideológica. Passou a ser empírica: estarão as políticas afirmativas a produzir efeitos contrários aos pretendidos?

Ambas respondem que sim e dão nome ao descalabro: “mismatch”. Ou, traduzindo o conceito, alunos impreparados que entram em universidades de elite através de preferências raciais têm desempenhos acadêmicos sofríveis.

E esse “mismatch” não se limita aos anos de formação. Ele acompanha os indivíduos para o resto das suas vidas profissionais.

O problema é particularmente pronunciado nas ciências, nas engenharias e nas matemáticas, o que não admira: o conhecimento nas “ciências exatas”, relembra o “New York Times”, é um conhecimento contínuo, onde é necessária uma forte preparação de base para haver progressos contínuos também.

Sem essa preparação, chegar a universidades de elite apenas pela cor da pele é uma espécie de desembarque pedagógico nas praias da Normandia.

A “Atlantic” quantifica essa carnificina: os alunos negros continuam a preferir mais cursos de ciências ou de engenharia do que os brancos; mas o “mismatch” faz com que a desistência entre negros seja o dobro da verificada entre os brancos.

O mesmo acontece depois da universidade: em direito, por exemplo, os alunos negros são reprovados no exame de acesso à profissão quatro vez mais do que os alunos brancos; o “mismatch” explica metade desses fracassos. O que fazer perante os números aterradores das políticas afirmativas?

Escondê-los tem sido uma opção, o que significa arruinar silenciosamente a vida de milhares de pessoas para que as consciências progressistas possam dormir com as suas vaidades intactas.

Outra opção, sugerida sem um pingo de vergonha pelo “New York Times”, é “convidar” as instituições de elite a serem um pouco menos de elite. No fundo, “convidar” Harvard a não ser Harvard -uma forma de corrupção intelectual e um caminho para o atraso científico do país.

Mas existe uma terceira via: defender a velha ideia de que competências médias devem frequentar universidades médias.

A “Atlantic”, aliás, revela uma curiosa experiência: em 1998, a prestigiada UCLA deixou de usar critérios raciais nas suas admissões. Resultado imediato: queda acentuada de alunos negros (menos 50%) e hispânicos (menos 25%). Escândalo e protestos.

Porém, o mais espantoso é que, nos anos seguintes à abolição dos critérios raciais e, apesar da queda, o número total de negros e hispânicos graduados pela UCLA era semelhante ao número de negros e hispânicos que terminaram os seus cursos antes da abolição. Por quê?

Razões várias. Cito duas. Primeiro, porque a UCLA acabou por atrair os melhores alunos negros e hispânicos que assim puderam frequentar uma universidade sem o “estigma” das políticas afirmativas.

E, mais importante ainda, porque aumentou o número de alunos negros e hispânicos que iniciaram a sua formação em universidades mais modestas -e só depois se transferiram para a UCLA.

Sim, ideologicamente, sou contra discriminações positivas (ou negativas) porque sou incapaz de reduzir qualquer ser humano a um “grupo” ou uma “raça”. E não creio que seja função da universidade prosseguir agendas igualitárias. Apenas científicas.

Mas existem evidências empíricas que reforçam as ideológicas: a igualdade de oportunidades deve ser uma igualdade de base na formação de qualquer indivíduo.

Pretender corrigir no fim o que vem torto desde o início é destruir vidas adultas com ilusões politicamente corretas.

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8 ideias sobre “Cotas

  1. Petrukio

    O sujeito aí defende que diante de uma doença se espere a construção do hospital para o tratamento: nada de remédios, mesmo que isso acarrete a morte do paciente.
    Ora, faça-me o favor. Que raciocínio mais lugar comum…
    No fim das contas, alguém é contra o ensino básico de qualidade? Obviamente que não.
    Então o texto do senhor aí, com todo o respeito, é chover no molhado.

  2. Didi Mocó

    O único problema é que o autor do artigo esqueceu dos 513 anos de história do Brasil, pequeno detalhe é verdade !!!!

  3. Palhares

    (…)Os argumentos são conhecidos, repito. Mas o que dizer quando duas bíblias do progressismo americano -o “New York Times” e a revista “Atlantic”- publicam matérias altamente críticas sobre as políticas afirmativas no país?

    A Folha de de São Paulo e a Revista Veja deles, os falcões republicanos ultra direitista liberais. Zé é mole ou quer o meu?

  4. zebeto

    hihihihihihihihihihihihihihihihihihihihihihiihihihihihihihihihihihihihihihihihihihihihihihihihihihi

  5. Brevilheri Jr. Jornalista

    É impressionante como as elites dominantes conseguem destilar sua hipocrisia e ódio com refinado senso de bossalidade e hipocrisia. Sofismas e ponderações lógicas para quem diz ser contra qualquer tipo de discriminação que reduza qualquer ser humano a um grupo ou raça. E o que é usual na grande mídia liberal e de direita desse país, o autor se vale de interpretações de segmentos norte-americanos para aspectos que só cabem aos Estados Unidos e nunca ao Brasil.
    Se ele é contra a essa redução, pergunto, por que então não vem ocupar esse espaço da grande e velha imprensa com propostas concretas e pertinentes para combater as autênticas reduções que existem de verdade e que produzem , há mais de 500 anos em nosso país, imensas parcelas de pessoas excluídas em nossa sociedade?
    É o blá blá típico dos insensíveis que não aceitam ou admitem que enquanto não houver amor, afeto e dignidade para todos continuaremos tendo redutos étnicos e outras qualificações para o ser humano.
    Pretender corrigir o fim está errado? E qual sua contribuição para acertar o início? Seria demais um país que garanta comida, casa, saúde e educação para todos? Ou isso é comunismo que dizem não deu certo e que a queda do muro só confirmou isso. Ditadura não presta nem de esquerda e nem de direita, é preciso começar a ver o outro, a se colocar no lugar do outro. Se Havard fosse tudo isso que se fala, ela já teria salvo a sociedade americana que também tem doenças incuráveis e cruéis. Vamos parar de olhar pros gringos e olhar para os nossos brasileirinhos. Tá aí o desespero dos que não vêm ou não querem ver que um país é o resultado do amor ao próximo e, que já sabem que teremos mais 8 anos com Dilma e Lula.

  6. Carlos A

    As pesquisas apresentadas no texto, pelo leviano autor, são completamente incompatíveis com a realidade brasileira, onde os alunos cotistas têm igual ou melhor desempenho do que os não cotistas. Este fato é pacificado, de acordo com recentes pesquisas, para o pranto da ultra-direita dos filhos de Ali Kamel.

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