16:04Falta de critério jornalístico prejudica médica

por Dirceu Martins Pio*

Há indícios a cada dia mais claros de que pode estar em curso em Curitiba, no Paraná, mais um daqueles casos em que uma mídia despreparada e negligente torna-se cúmplice de uma polícia açodada e venal para pré-condenar e execrar pessoas por crimes que não cometeram. Refiro-me aos episódios que culminaram com a prisão da médica-chefe da UTI – Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Evangélico, a doutora Virgínia Helena Soares de Souza, com base em denúncias difusas de que ela apressava a morte de pacientes do SUS – Sistema Único de Saúde para abrir vagas para pacientes atendidos pelos convênios particulares.

A médica deveria ser posta imediatamente em liberdade. Sua prisão, na prática, significa apenas um ato de violência contra ela e contra o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, que garante aos cidadãos brasileiros o princípio da presunção da inocência, estabelecendo que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

A polícia civil do Paraná passou um ano investigando o caso a partir de denúncias de ex-funcionários do Evangélico. Foi, portanto, mais de um ano de gravação de todos os telefonemas da médica Virgínia Helena e de sua equipe. Nada mais natural, portanto, que a polícia se encontre na obrigação de achar culpados a qualquer preço. Foi muito trabalho para resultar em nada. Para acelerar o passo na busca desse objetivo, a polícia troca palavras de telefonemas da médica em gravações propositadamente reveladas à imprensa. Num dos telefonemas a um membro da equipe, a médica disse: “Com a cabeça bem tranquila para raciocinar.” No texto revelado à mídia, a frase foi transformada em “com a cabeça bem tranquila para assassinar”. Seria hilário se não fosse trágico.

Tudo dentro da legislação

O conjunto das gravações telefônicas liberadas para a imprensa ajuda a depreciar a imagem da acusada. A linguagem entre “intensivistas” (médicos especializados no atendimento a pacientes internados em UTIs) mostra-se absolutamente informal, embora os conteúdos refiram-se a óbitos, a desligamento de aparelhos, à movimentação sempre dramática de uma unidade intensiva. A mídia explora as gravações pelo seu lado sensacionalista. Não raciocina: a morte está na rotina dos médicos intensivistas. Enlouqueceriam se ficassem consternados a cada óbito que presenciam. A informalidade é defesa, portanto

No domingo (10/03), o Fantástico põe no ar respostas da médica Virgínia Helena a perguntas que lhe foram encaminhadas. Ela aceitou responder desde que sua imagem na prisão não fosse gravada. O programa perdeu a grande oportunidade de colocar o assunto em seus aspectos científicos. As perguntas ficaram sobre o “barulho” que a polícia tem provocado em torno do caso. A médica, por exemplo, é acusada de haver ministrado a um paciente algumas drogas de efeito letal. Antes de divulgar a resposta da médica, o programa exibe a declaração de um outro médico intensivista dizendo que não é nada comum a prescrição desses medicamentos numa unidade de terapia intensiva. Em seguida, é divulgada a declaração de Virgínia, segundo a qual o uso desses medicamentos é bastante comum nas UTIs. Pareceu uma “Pegadinha do Faustão”. Se não tivesse se juntado aos interesses da polícia pela condenação de Virgínia, o Fantástico teria apurado, com vários outros intensivistas, qual das duas versões é a correta. É falta de critério jornalístico do Fantástico ter ficado apenas com uma segunda versão.

Na verdade, toda a mídia tem passado ao largo das implicações científicas que o caso transporta. Visto pela complexidade do fenômeno da morte, pode-se dizer que é praticamente impossível à polícia conseguir comprovar, através da pequena coleção de depoimentos de pacientes e enfermeiros, que a médica Virgínia Helena praticou eutanásia ou tirou de algum paciente a possibilidade de sobrevivência. As certidões de óbitos exaradas pelo hospital durante esse longo período de investigação certamente vão revelar que ela – e os membros de sua equipe – fizeram tudo certo e dentro da legislação brasileira que regula prazos e critérios para a identificação da morte encefálica, a última fase do paciente terminal e que estabelece a irreversibilidade do que os especialistas chamam de “complexo pessoal”.

Atitude  mercenária

O médico e professor de Medicina Legal Genival Veloso de França afirma em seu famoso artigo “Um Conceito Ético de Morte”, de 2000: “É difícil precisar o exato momento da morte porque ela não é um fato instantâneo, e sim uma sequência de fe­nômenos gradativamente processados nos vários órgãos e sistemas de manutenção da vida. Hoje, com os novos meios semiológicos e instrumentais disponíveis, pode-se determiná-la mais precocemente.”

Os médicos intensivistas, com a experiência da doutora Virgínia Helena, têm por obrigação saber identificar se a morte irreversível ocorreu ou não apesar de o coração continuar em funcionamento. Devem conhecer as já antigas advertências de Genival Veloso quando diz “… pode-se determinar a morte desde que se possa confirmar a ausência de sinais de vida organizada. Esta determinação também não pode estar na morte de um órgão, mesmo sendo ele indispensável, senão na evidência de sinais claros que indiquem a privação da atividade vital como um todo e, se possível, registrados em instrumentos confiáveis”. Como será que a polícia poderá descobrir se esses critérios técnico-científicos foram ou não obedecido nos casos de óbitos registrados na UTI do Evangélico no período de investigações?

É nesse ponto em que se estabelece uma questão ético-científica de alta relevância. Se já foram produzidas lesões cerebrais irreversíveis, de modo que aquele paciente não tem a menor chance de escapar da vida apenas vegetativa, desligar os aparelhos, fazer cessar o sofrimento e as esperanças de familiares é uma decisão humanitária. O contrário dela – manter o paciente ligado ao respiradouro após ficar constatado que ele sofreu morte encefálica – poder ser uma atitude mercenária, que servirá apenas para elevar o valor da fatura que a família terá de pagar ao hospital.

Bom senso

Internada numa clínica do Rio de Janeiro, a cantora Clara Nunes foi mantida ligada aos aparelhos por semanas a fio quando os boletins médicos que informavam sobre seu estado de saúde já identificavam que ela sofrera morte encefálica. Foi o que denunciaram na época (março de 1983) médicos do Hospital das Clínicas de Curitiba, que haviam passado vários anos na Itália estudando o fenômeno da morte e como identificar a ocorrência em pacientes em coma profundo.

Policiais e jornalistas têm de ser chamados ao bom senso em relação a esses episódios do Evangélico que, pelo menos por enquanto, têm a fisionomia daqueles outros, da Escola Base, de São Paulo, que tanto envergonharam as duas categorias.

*Dirceu Martins Pio é jornalista e consultor em comunicação corporativa

(Publicado no Observatório da Imprensa)

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16 ideias sobre “Falta de critério jornalístico prejudica médica

  1. Conde Edmundo Dantas

    Este cidadão não conhece os autos, como tantos outros, portanto deveria ficar calado, como tantos outros. A médica e seus comparsas serão, irremediavelmente, condenados pelo Tribunal do Júri e suas penas passarão de 30 anos. Além de, na sequência das investigações que continuam a pleno vapor, surpresas ainda estão por vir.

  2. Palhares

    O jornalismo de esgoto e seus apêndices.

    O esgoto burgues vai muito além do jornalismo de classe. As instituiçoes contidas neste artigo fazem parte de um mesmo saco de maldades ideologico. Vejamos, só neste artigo do Dirceu Piol: MP, Judiciário, Polícia Civil….

    Percebam, estou falando (de regra) e (não de exceção). De cada 10(quarteis) digo instituições, 9 pelo menos, dos seus (soldados), são ideologicamente controlados, por quais ideias mesmo? Isto, quando os atores que fazem as leis, não são os próprios donos dos meios de produção com roupagens diferentes e, em lugares também diferentes.

    Fragmentar, confundir, dominar para explorar.

    Oras, o que é o Estado constituído, senão um covil de instituições dominadas pelos donos do capital e seus soldados, para agirem segundo preceitos ideologicos da burguesia capitalista? Com certeza, o “Estado de Direito”, no sentido burgues da palavra, nada mais é que, um aglomerado de quarteis (instituições) para tramoias e normas juridicas que agem “democraticamente” de forma legalista e invisivel da classe socialmente dominante, para dominação e exploração sobre o todo social.

    Enfim, são organizações e mecanismos que controlam e manipulam o funcionamento da sociedade e os indivíduos. São produtos do interesse social que refletem os interesses economicos opostos (antagonicos), de uma sociedade de luta de classes, na luta pelo poder governamental ( executivos, parlamentos, poder judiciário, MP, polícia…), que se dá através da HEGEMONIA, da classe socialmente dominante sobre a dominada.

    Esta é a tática do capital, tempo inteiro. Ou seja, na cabeça do povo: o STF é um, a rede globo é outra, o MP é outro, o congresso é outro, enfim as massas não sabem que são atores diferentes e ‘independentes’ (MAS), com o mesmo manuscrito, digo ideologia.

    Só está faltando avisar o povo, não é mesmo partidos das esquerdas?

    Por mais que tentem esconder, esta é a luta do CAPITAL X TRABALHO, estupidos!

    A quem interessa esse crime comentido contra a médica intensivista do Hospital Evangélico? Respondam-me que for capaz!!!!!!!!! ou então calem-$$$$$$$$&&&&&&.

  3. josé romão

    e pelo jeitão você conhece os autos né ô Conde Edmundo Dantas?
    então aproveite e explique porque ao arrepio da lei a polícia conseguiu a autorização judicial para as escutas telefônicas com o juiz errado? a lei que trata do assunto é bem clara ao dizer que o juiz que autoriza a escuta deve ser aquele que seja competente para julgar o processo (artigo 1º da lei 9296/96). a polícia deveria ter solicitado a um juiz do tribunal do juri, por se tratar de investigação de supostos crimes dolosos contra a vida, mas ao contrário pediu a autorização para o juiz da vara de inquéritos policiais. você que conhece os autos responda: burrice da polícia? prática de um péssimo costume de não seguir a legislação? incompetência da polícia? desonestidade da investigação?
    em recente artigo publicado na revista brasileira de anestesiologia (jul/ago 2102, disponível em : http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-70942012000400012&script=sci_arttext)
    trata-se da questão da sedação em pacientes terminais. quem não for preguiçoso, acessa o artigo e lê o que é que se discute atualmente na medicina sobre o assunto e se chega à conclusão irrefutável que os tais especialistas ouvidos pelo fantástico falaram merda.
    a imprensinha nativa parece ter sido hipnotizada pela palavra pavulon. dizem aos 4 cantos do mundo que é uma droga que serve para paralisar os músculos do paciente. para quem é minimamente inteligente, basta uma pesquisa no google para descobrir que o pavulon, além de ser medicamento comum e usual em uti’s, é um relaxante muscular e utilizado largamente como pré-anestésico.
    somente estas pequenas informações já são o suficiente para por uma pulga atrás da orelha de qualquer pessoa com no mínimo 2 neurônios, mas… tem gente que conhece os autos né Conde?
    Por fim, confiar no trabalho de uma polícia que consegue solucionar apenas 10% dos casos de homicídios, como o caso da nossa “grandiosa” polícia civil, é no mínimo temerário.

  4. Conde Edmundo Dantas

    José romaõ, tu és uma anta, cara! Poucas vezes eu vi tanto desconhecimento em tão poucas palavras. Para ficar só no juízo competente para decidir sobre a escuta, vá ler um pouquinho mais e descobrirá que a Vara competente para esta medida é a Vara de Inquéritos.

  5. Paulo

    Comentario corajoso do Pio. Temos que bradar alto pelas garantias constitucionais, venham de onde venham.

  6. antonio próspero

    Caríssimos explica-se 1. a policia civil do Paraná recebeu solicitação do Ministério Público em virtude de denuncia anônima que na UTI do HE estavam ocorrendo crimes – ou seja não foi a policia que inventou e como denúncia anônima tem valor jurídico desde que hajam provas foi feita uma investigação de altissimo nível. 2. comprovou-se através de um inquérito faltas graves que não foi a PC que fez – ela apenas documentou através de depoimentos e gravações que também tem valor jurídico. 3. completado o inquérito – sugiro que leiam o blog da Joyce que ela expõe por completo – o mesmo foi entregue ao ministério público que confirmou toda a investigação e enviou para o judiciário. 4. se a imprensa ficou “em cima” é porque é um assunto de altissima relevancia e que nunca foi investigado por haver um corporativismo entre médicos – e também porque o advogado da referida médica ao ver a situação gravissima aproveitou para fazer seu marketing pessoal e apareceu mais do que devia. 5. Sr. Pio se a sua mãe estivesse entre os que lá faleceram o Sr. iria escrever esta matéria? 6. o Sr. percebe que os próprios médicos não intervieram? que quando foi reinaugurada a UTI com nova equipe o diretor clínico do hospital mencionou que já estavam prontos para despedir a médica mesmo antes dos acontecimentos por má conduta? o Sr. sabia que o CRM desde o início acompanhou par a passo as investigações!!!!!!!! a sua abordagem é bastante leviana e permite que beócios comentem sem fundamento.Sugiro que o Sr. refaça a matéria com mais consistência e o inquérito completo mais as gravações estarrecedoras o Sr. consegue na própria policia ou no ministerio público ou na maioria dos órgãos de imprensa ou no blog da Joyce; tenho certeza que o Sr. estará prestando um beneficio à população. 7. saiba que o estado de S. Paulo e S. Catarina estão em vários momentos sendo dominados pelo poder paralelo comandado das penitenciárias, com centenas de atentados e mortes de policiais e aqui no Paraná nada ocorreu? o Sr. imagina o porque? pense bem……….lógico que o Sr. sabe do serviço de inteligência e do perfeito comando da nossa secretaria de segurança que nos dá tranquilidade. 8. Vieram prender os judeus e como eu não sou judeu não me importei, vieram prender os sindicalistas, e como não sou não me importei, vieram prender os católicos e como sou protestante não me importei, só que agora vieram me prender e nenhuma voz me defendeu. Próspero.

  7. Carlos

    Acho q aqui deve-se perguntar qual o interesse deste blogueiro e de alguns outros poucos criticarem o trabalho da policia e do ministério público. Há algum interesse por trás sr blogueiro??? Pq todos sabem dos crimes absurdos q eram cometidos, e que claro errar assassinar por raciocinar é lamentável, mas tudo é um conjunto grande de provas e não apenas esta frase. A Policia Civil do Paraná é séria, e sabemos q os dirigentes do HE não são, e pelo jeito alguns blogueiros se colocam de forma suspeita tb.

  8. Parreiras Rodrigues

    Tô com Pio. E contra todas aqui em casa: muié, fia e uma gata fidumaégua que só me vê quando a cuia de ração tá vazia.

  9. mauricio cavalcanti

    Estou com o Pio. Sempre achei que existe muita ficção e holofotes neste caso. Não se pode condenar previamente quem quer que seja. Neste país monstros são criados a todo momento de maneira irresponsável e truculenta.

  10. Ênio

    Por favor meu caro… Não desmereça o trabalho da Polícia. Verse sobre a sua seara, atenha-se ao que lhe compete. Propalar impropérios sem conhecimento de causa é, no mínimo temerário, insano. Em tempo: Espero que você e nenhum familiar seu, passe por algo similar ao que passaram as vítimas dessa catrefa de falsos médicos, (para falar o mínimo). Prudência ao se falar daquilo que não se tem conhecimento. Coerência e bom senso passam à margem da fala desse cidadão.

  11. zebeto

    está escrevendo para quem? consegue enxergar a assinatura do artigo? discorda? argumente e escreva. obrigado. abraço. saúde.

  12. Jeremias, o bom

    Tem gente que deveria se limitar aos seus chinelos e não emitir um pio sobre assuntos que desconhece…

    Como dizia aquele personagem de TV:
    – Ah, esse bamerindus…

  13. josé romão

    Caro Conde Edmundo Dantas: acho que deve ter faltado às aulas de direito processual penal e esquecido de continuar lendo, estudando. Além de ter esquecido de acompanhar as decisões do STJ e do STF. Também deve ser um daqueles rábulas que aprendem no empirismo e acha que podem existir dois direitos penais e dois direitos processuais penais: o dos cidadãos “de bem” e do inimigo.
    Informe-se, faça uma breve pesquisa doutrinária, jurisprudencial (fique só no STJ para não te complicar muito) e leia o artigo 1º da Lei 9296/96. Por acaso o texto da lei está lá só para enfeite??? As polícias civis dos estados em sua grande maioria comete essa burrice de solicitar autorização de interceptação telefônica para o juiz da vara de inquéritos. Tal atitude alegra os advogados criminalistas, pois via de regra conseguem desentranhar dos autos estas provas maculadas pela ilicitude.
    Após sua pequena incursão de pesquisa, me diga quem é que é anta. Aliás xingar quem o contrapõe num debate só demonstra o quão rasa é sua capacidade crítica e o quão pequena é sua inteligência. Afinal é bem menos trabalhoso engolir com farinha o que a grobo apresenta né?

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