14:29Gigolôs da miséria

por Augusto Nunes

Como todos os chefes de seita que infestam o subcontinente, o bolívar-de-hospício logo será apenas uma má lembrança

Ditador da Argentina no começo dos anos 80, o general Leopoldo Galtieri apreciava uísque e cinema. Viu o filme que conta a história do general George Patton e, embalado por algumas doses de bom tamanho, achou-se muito parecido com o impetuoso militar americano. Meio litro depois, resolveu retomar da Inglaterra, à bala, as Ilhas que os ingleses chamam de Falkland e os argentinos de Malvinas. Galtieri descobriu tarde demais que não tinha nada em comum com Patton. Era fisicamente parecido com o ator George C. Scott, que encarnou no cinema o general de verdade.
Quem acreditou que venceria os exércitos ingleses, portanto, não foi um sargentão argentino. Foi um herói da Segunda Guerra. Essa divertida teoria do jornalista Elio Gaspari é a melhor explicação para a Guerra das Malvinas. Pode ser útil aos interessados em decifrar outras maluquices sul-americanas. O venezuelano Hugo Chávez, por exemplo, nomeou-se “herdeiro político de Simón Bolívar” tão logo chegou ao poder em 1999. Mais um pouco e pôs na cabeça que era uma cópia melhorada do original.
Bolívar prezava a liberdade e a democracia. Chávez foi mais um tiranete obcecado pelo mando ilimitado e perpétuo. El Libertador exibia um refinamento cultural que contrasta penosamente com a indigência intelectual do coronel com alma de sargentão. Bolivar liderou guerras de libertação que expulsaram os colonizadores de boa parte do subcontinente. Chávez passou a vida travando combates imaginários com o imperialismo ianque. Na segunda década do século 21, continuava alistado na Guerra Fria.
Recorrendo a chuvas de petrodólares, domesticou milhões de eleitores sempre dispostos a reverenciar gigolôs da miséria, e transformou em parceiros obedientes o Brasil de Lula e Dilma, a Argentina de Cristina Kirchner, a Bolívia de Evo Morales, o Equador de Rafael Correa, a Cuba dos Irmãos Castro e outras esquisitices cucarachas. Foi por ordem de Chávez, como registra o post de agosto de 2009 reproduzido na seção Vale Reprise, que as Farc acabaram promovidas a “organização beligerante” por um Lincoln de galinheiro, uma Doutora em Nada, uma Viúva Profissional, um Lhama-de-Franja e um Ditador-de-Adidas.
Coerentemente, o personagem de Garcia Márquez que se materializou num mundo surreal morreu jurando implantar ─ primeiro na América do Sul, depois no restante do planeta ─ o “socialismo do século 21″. Nem o criador soube explicar que criatura era essa. “O socialismo do século 21 é a grande arma para evitar a contaminação do imperialismo e do neoliberalismo”, recitava. Algum parentesco com o pesadelo soterrado pelos escombros do Muro de Berlim? “Não tem nada a ver com o socialismo adotado pela antiga União Soviética”, despistava.
A expressão grandiloquente, vista de perto, é um codinome do chavismo. E o chavismo é só mais uma entre as incontáveis seitas populistas que infestam a América Latina desde a chegada dos navegantes europeus. Como todos os fenômenos do gênero, o chavismo nunca se apoiou num conjunto de ideias, mas nos interesses do chefe. Como todos os rebanhos, não sobreviverá ao sumiço do único pastor. Como todas as outras, a seita talvez agonize alguns anos, mas começou a morrer com a morte do chefe supremo.
Como tantos demagogos populistas, Hugo Chávez se julgava imortal. Logo será apenas uma má lembrança. Simón Bolívar segue vivo no imaginário popular sul-americano desde o século 19. Daqui a alguns anos, o bolívar-de-hospício estará reduzido a um asterisco nos livros que contam a história da Venezuela. Ou nem isso.

*Publicado na coluna Direto ao Ponto, do site da revista Veja

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4 ideias sobre “Gigolôs da miséria

  1. Palhares

    Esse Augusto Nunes cheira cola de sapateiro desde o tempo que sentava no colo do Presidente Figueiredo, quando o mesmo era o seu ***Asmene.

    ***assessor de m. nenhuma

  2. Beto

    Link em: http://oglobo.globo.com/mundo/uma-trapaca-da-historia-7724982

    José Casado

    José Casado , jornalista
    Uma trapaça da História

    Hugo Chávez deixa Venezuela ainda mais dependente dos Estados Unidos, diz colunista

    É visível a marca de trapaça da História no epílogo da liderança de Hugo Chávez. O caudilho que passou uma década e meia moldando sua imagem de comandante de uma rebelião global contra “o Império” deixa como legado uma Venezuela mais dependente do que nunca dos Estados Unidos.

    Os dados oficiais sobre o comércio exterior, recém divulgados, mostram que no ano passado os venezuelanos gastaram US$ 17,6 bilhões em compras de bens e mercadorias no mercado norte-americano É um recorde histórico de importações com origem nos EUA. Representa um aumento de 43% em relação a 2011.

    A iminência da convocação de novas eleições presidenciais está levando opositores radicais do chavismo a um quadro muito pior, a partir dos dados sobre o desempenho do setor petroleiro. Não vale. Em setembro do ano passado, a Venezuela perdeu sua maior refinaria, a Amuay, em uma explosão – aparentemente acidental e causada por absoluta inépcia operacional do governo. Na emergência, o país multiplicou por cinco (para US$ 3,6 bilhões) suas aquisições de derivados de petróleo nos Estados Unidos.

    Excluído o setor de petróleo, tem-se uma visão mais realista de quanto aumentou a dependência venezuelana do “Império”, apesar da retórica do líder que passou uma década e meia concluindo discursos com o slogan “Pátria e Socialismo!” As compras de produtos básicos e industriais da Venezuela no mercado dos EUA, no ano passado, atingiram o recorde de US$ 14,1 bilhões. Significou um crescimento de 20,7% em comparação com 2011.

    A exumação do legado de Chávez é trabalho para cientistas sociais das próximas décadas. Mas já é evidente o contraste dos inflamados discursos com a vida real venezuelana. Tome-se sua promessa, repetida quase diariamente por 13 anos, de “consolidar o papel da Venezuela como potência energética mundial”. A nação chavista se transformou num emirado de petróleo em situação econômica parecida com a do Iraque pós-guerra.

    Quando Chávez se reelegeu, em outubro do ano passado, seu governo acumulava uma dívida total equivalente a 51% do Produto Interno Bruto. É o que informa o Fundo Monetário Internacional (o instrumento “das tramas de opressão, exploração e dominação”, na definição do líder), com base nos dados mais recentes do Banco Central venezuelano (a ferramenta “do vivo, efetivo e pleno exercício do poder popular para o socialismo bolivariano del siglo XXI”). Depois da Venezuela, o estado produtor de petróleo com maior endividamento é o Catar, mas com débito equivalente a somente 35% do PIB.

    O emirado chavista avançou na contramão dos outros petroestados – a maioria aproveitou o período de recorde de preços do petróleo para reduzir o nível de endividamento. Aconteceu com a Arábia Saudita que em 2004 devia o equivalente a 65% do seu PIB e chegou ao terceiro trimestre do ano passado com 5,5%. Outros exemplos, no mesmo período: Angola baixou de 54% para 28% e a Nigéria, de 53% para 15%.

    Como há quatro anos produção industrial era 5% maior e o país exportava 30% a mais (descontado o petróleo), o endividamento recorde da Venezuela é um “mistério” óbvio. O destino dessa dívida de 51% do PIB é passível de se tornar um clássico nos livros de história.

    O “soldado do povo” que governou discursando contra as “teses reacionárias do Império”, “pela independência e pelo socialismo do século XXI”, deixa como legado um país ainda mais dependente do capitalismo norte-americano e penhorado como nunca antes em dívidas com a China, a Rússia, o Irã e o Brasil, entre outros credores. Sem dúvida, uma trapaça da História.

  3. Mr. Walker Bush

    Beto, colunista de “O Globo”, tenhá dó da minha inteligência. Puro cientifisismo de cabeça de planilha dos rentistas.

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