6:45A médica e a prisão precipitada

por Roberto Bertholdo

Advogado experiente sabe que nunca é bom falar sobre determinado caso sem o conhecimento mais profundo dos autos de inquérito. Sem fazer juízo, mas apenas lançando um pensamento alto a respeito da prisão da médica da UTI do Evangélico, acusada pela Polícia Civildo Paraná de antecipar óbitos de pacientes, observa-se aparentemente um certo arbítrio na ordem de prisão da mesma.

Ontem, antes de trazer para tela essa impressão, coincidentemente falei com um ex-funcionário, hoje Policial Militar, que ficou quase 60 dias sob os cuidados desta médica, justamente na UTI do Evangélico. Todos no Jornale conheceram o jovem Leily, que colaborava na segurança de meus filhos e era assíduo frequentador de nossa redação. Trabalhou conosco até 2009.

Pois bem, pouca gente sabe, mas este jovem, atuando como policial em Araucária no ano de 2011, diante de uma casa em chamas, com dois idosos e duas meninas de 3 e 4 anos dentro, corajosamente entrou na residência retirou de dentro da casa as quatro pessoas. Os mais velhos morreram, mas o Leily salvou as duas meninas. Um ato de bravura que quase o levou a morte: teve 90% de seu corpo atingido pelo fogo  que produziram queimaduras de 2º e 3º graus.

Foram quase sessenta longos e dolorosamente sofridos dias que este soldado passou na UTI sob os cuidados desta médica e de sua equipe. Na conversa de ontem, Leily disse que nunca viu nada de estranho ao tratamento e que se fosse para ela abreviar a vida dele, antecipando sua morte, em sua (dele) opinião, não haveria porque ela não fazê-lo. Leily, não possui recursos, estava, como se diz por aí, “mais pra lá do que pra cá”. Afinal, a opinião dos médicos é de que ele teria apenas 1% de chances de sobreviver.

Graças a Deus e também ao bom atendimento do Hospital Evangélico, que é reconhecido como um dos melhores do país para atendimento de queimados, Leily não estaria mais aqui para contar sobre seu ato de verdadeiro heroísmo.

Ele conta que, conhecendo bem sua mulher, está seguro que ela, “briguenta e defensora de seus direitos”, estaria hoje se somando a tantos outros que estão comparecendo para atacar a médica.

Confesso que vendo na televisão a imagem da doutora do Evangélica me veio a preconceituosa impressão de que ela é uma figura no mínimo controversa.  O julgamento visual, à priori, nos remete ao pre-julgamento de que ela pode mesmo ter sido culpada. Mas isso é, repito, só aquela visão preconceituosa que temos, por não tê-la visto toda de branco, com cabelos arrumados e um gestual mais delicado.

Ao assistir no programa Fantástico onde apareceram os dois jovens auxiliares dela, embora também sem vestimentas adequadas aos médicos, a impressão deixada é de que os mesmos são gente de bem e de que ambos estão assustados, mas falando a verdade.

Claro que impressões de nada servem e muitas vezes nos enganamos com elas. Por outro lado, basta olhar para a médica e para sua equipe de auxiliares para notarmos que, em princípio, eles seriam incapazes de fugir, pelo menos pra muito longe. Dessa forma, é mesmo arbitrária a prisão de todos eles. Bastaria o juiz ordenar o afastamento dos mesmos de suas funções que o risco ou perigo de dano seria imediatamente evitado.

Porém, a midialização das operações policiais, cada dia mais cinematográficas, virou mania dos órgãos de segurança no Brasil. Tentam, com isso, mostrar uma falsa eficiência, há muito tempo perdida pela falta de investimento nas polícias e pela incapacidade das autoridades de combater o surgimento de novos criminosos que em regra iniciam suas vidas “tortas” com o uso de drogas.

De toda maneira, se dá mais Ibope contar o suposto testemunho do terror, não poderia eu deixar de trazer este testemunho que, na minha opinião, tem também sua relevância.

Outro viés importantíssimo é que há que se respeitar  a história do Hospital Evangélico. Não se deve misturar atos humanos isolados – se por acaso eles aconteceram mesmo – com a instituição que reúne uma enorme importância para Curitiba e região.

Há muito tempo desconfio de ações de Justiça, que constantemente têm se transformado em ações justiceiras. Se neste caso da médica do Evangélico não é isso que está acontecendo, que se faça justiça.

Mas que fique para reflexão: depois de todo esse “carnaval” feito pela polícia, caso seja verificada a eventual inocência dessas pessoas, não vai aparecer nenhum delegado, promotor ou juiz pra dizer: “Pois é, nós nos precipitamos…”  Nunca é demais lembrar o que aconteceu na Escola de Base em São Paulo. Os “culpados” eram inocentes, e só a vida dos que eram apontados como criminosos acabou.

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26 ideias sobre “A médica e a prisão precipitada

  1. CHC

    Apoiado, a mídia, acusa e condena num rito midiático em que os direitos fundamentais são desrespeitados. Depois as indenizações se reduzem a valores insignificantes. Nem tudo é o que parece, as vezes sim, mas na dúvida deve-se preservar os acusados, e se por acaso tudo não passar de um equívoco, como ficarão as vidas dessas pessoas !!!

  2. Elton

    Francamente. Se basear em impressão e alegar que o julgamento feito pela aparência da médica que estava com o cabelo desarrumado… e, como se não tivesse dito besteira o suficiente, ainda vem com esse argumento. “Bastaria o juiz ordenar o afastamento dos mesmos de suas funções que o risco ou perigo de dano seria imediatamente evitado.”
    O Direito é uma ciência e não se fundamenta em impressões superficiais, trabalha com fatos, a polícia que passou mais de três meses investigando deve ter fatos suficientes que dão embasamento às prisões…
    Quantas pessoas, sem curso superior, estão na cadeia por bem menos que isso e, por se tratar de médicos, ninguém se propõe a dizem que houve injustiça na prisão ou precipitação.

  3. Jeremias

    É oportuna a reflexão de Roberto Bertholdo.

    Desconheço, por óbvio, se a médica é culpada ou inocente, mas preocupa-me a avalanche de opiniões convergentes expressas na velha mídia.

    Todos os jornalistas, blogueiros e radialistas parecem ter a mesma opinião sobre o assunto como de resto sempre acontece no Brasil.

    E julgam. E condenam. Apesar de não terem atribuições para isso e, em geral, nem informações suficientes ou fidedignas.

    Isso é o não-jornalismo, que mais confunde do que informa.

  4. Conde Edmundo Dantas

    Ora, quem está prendendo é o Judiciário e não a Polícia. Se erros estão sendo cometidos é o Juiz que decretou a prisão que os está cometendo. O pior, inclusive, agravou a prisão da “médica”, transforou-a de temporária em preventiva. Este Juiz deve estar “louco”…tenha paciência …

    Além do que, é preciso pesquisar de forma muito atenta a quem a “médica” dedicava especial atenção. Pelo que se sabe pacientes de planos de saúde, particulares e que tinham algum contato influente (parece ser o caso), recebiam atendimento diferenciado (para melhor) dentro a UTI. Deve vir a público, agora que o sigilo foi levantado, algo sobre a UTI do Evangélico ser terceirizada e a “médica” ser proprietária da empresa prestadora dos serviços de medicina intensiva junto ao Hospital Evangélico e sendo a recebedora dos valores pagos por planos de saúde e particulares a título de internação na UTI (ao menos é o que circula nos bastidores e poderá ser confirmado agora), o que não aconteceria com os pacientes do SUS, pois, por força de lei as verbas apenas podem ser repassadas ao hospital conveniado, no caso, o Hospital Evangélico. Confirmada esta terceirização não é absurdo imaginar que um leito dentro da UTI sendo utilizado pelo SUS não rende centavo algum para a empresa terceirizada, logo, quanto mais leitos estiverem vagos para receber pacientes particulares e de planos de saúde mais lucro a empresa responsável pela medicina intensiva dentro do Hospital Evangélico terá. Agora, e como fica a situação da Diretoria do Hospital Evangélico? Pelo berreiro que estão fazendo na mídia, parece que a Dra. Delegada presidente do inquérito policial está incomodando alguns Diretores do Evangélico. Lucros enormes podem ser repartidos por muitas pessoas. Parabéns a Polícia Civil do Paraná extensivo à Dra. Paula Brisola e sua equipe, a sua ação está tornando a medicina mais segura (para os pacientes) em nosso Estado. É preciso verificar em quantos hospitais este tipo de gestão (terceirizada) é encontrada. Temo que em muitos!

  5. Josué

    O advogado está certo em seus argumentos. Ou alguém imagina que dentro do Evangélico foi possível montar-se intencionalmente uma quadrilha de assassinos frios comandados por uma médica que consegue reunir a seu lado outros médicos, enfermeiros, funcionários ??? A polícia está prendendo como se estivesse descoberto dentro do Evangélico uma célula organizada da SS, da Gestapo.
    Tanto a polícia como o judiciário estão pegando carona numa mídia que se esbalda quando surge qualquer indício de irregularidades, existam ou não existam. Alguém já se esqueceu do que aconteceu com a Escola de Base ? Com o ex-ministro Alceni Guerra que viveu um inferno para se provar depois que nada contra ele havia ? São tantos e tantos casos.É bom que se reflita sobre isso.

  6. Leonardo Biscaia

    Apoio integralmente o artigo do Dr. Bertholdo. Interessante como os comentários se desviam do texto. Mas o Conde parece que tem mais informações que todo mundo e se for verdade que todas UTIs são tercerizadas e que paciente do SUS dá prejuízo em UTI, se eu precisar de UTI eu vou pro Paraguai.

  7. Aramis Chagas Borges

    Exagero da Polícia que quer espaço na mídia, se for nessa linha vão prender os chefes de todas as UTI”s do Brasil. As prisões deveriam ser mais precisas, efecientes e midiáticas contra os bandidos e traficantes que estão espalhados pelo Paraná e não vemos ações por parte das autoridades judiciária e de segurança.

  8. Peter Zero

    Não conheço nenhum dos envolvidos, nem opino se há razão nas prisões, no entanto, penso que a polícia paranaense tem dificuldades no campo investigativo. Vimos casos recentes de grande exploração midiática, que expuseram as dificuldades e mostraram falhas dantescas nesse aspecto. Parece que atualmente contratamos funcionários públicos, não policiais.

  9. Parreiras Rodrigues

    No elenco das minhas desvirtudes, por generalização e preconceito não serei condenado pela Divina Ira.
    O Hospital Evangélico é o Hospital Evangélico que é o Hospital Evangélico, que foi, é e sempre será um templo hipocrático, um sacrário ao qual acorrem e são bem-vindos os ávidos da saúde, do bem-estar. Bendigamos eternamente e sem cessar os santos anjos de alvas vestes que se curvam para ouvir as preces sussurradas por almas crentes na vida, o sopro de Deus Natureza no barro que barro será.

  10. Hamilton

    Quem desmontou a segurança do Paraná foi o Delazari junto com o Requião. Juntos eles se esforçaram pra criar uma Vara de Excecuções Penais e lá colocaram um juiz que anda com espelho retrovisor na testa, de tão vaidoso que é, mas que pouco entende de Direito. Colocar em risco a imagem do Hospital Evangélico é um verdadeiro deserviço para a sociedade do Paraná. Me disseram que a prisão ocorreu com a polícia indo na UTI retirando a médica de seu trabalho, na frente de todos. Claro que a polícia nesta hora queria holofotes. Senão, teria ido a casa da médica de onde ela saía todos os dias a mesma hora. Foi arbitrário sem nenhuma dúvida, com bem disse Roberto Bertoldo.

  11. Ingrid

    De tudo que foi abordado o mais importante de tudo é a necessidade de preservar o Hospital Evangélico que cumpre um importantéissimo papel no sistema de saúde de todo estado do Paraná.

  12. Maria

    Parabéns Conde Edemundo Dantas falou tudo, parabéns a nossa polícia civil, ao ministério público e ao juiz que teve a coragem de expedir os mandados de prisão contra “médicos”, ou todo mundo acha que o juiz expediria mandados contra “médicos” se as provas não fossem contundentes, e quem está fazendo um grande show é este advogado, com certeza terá que engolir muitas coisas que falou após a divulgação do caso, já que o segredo de justiça foi quebrado.

  13. Fernanda

    Na minha opinião vivemos uma total inversão de valores. Uma notícias dessas em um país um pouco mais sério, que valoriza a vida e seus cidadãos geraria um movimento em prol das vítimas e das famílias. E não em favor de uma profissional que esqueceu seu juramento quando se graduou. O número de vítimas não foi divulgado, mas acredito que a a Policia. Ministério Público e os investigadores não iriam investir em um processo que corre há um levantando provas e informações porque a referida acusada ‘não é bonitinha’. O que está em jogo é a vida das pessoas que ficaram ou estão a mercê de profissionais sem nenhuma ética ou responsabilidade moral de preservar a vida. Parabéns a polícia, aos investigadores, ao Ministério Público e ao juiz que teve coragem de cumprir com o seu dever.

  14. Marcos Domakosk

    Concordo com a visão exposta no texo do Bertoldo. Esta investigação deveria ser conduzida com seriedade e profundidade, com auxilio do Conselho Regional de Medicina, e eventualmente com a participação de medicos renomados que ajudem a entender o funcionamento de uma UTI de um pronto socorro do tamanho do Evangelico.
    A impressao que tenho é de que com o esquecimento da tragedia de Santa Maria, o Evangelico é a bola da vez.

  15. Marcos Domakoski

    Concordo com as colçocados feitas pelo Bertoldo! A investigação deveria ser conduzida com seriedade, profundidade e com participação do CRM, sem espetaculo midiatico, e sem promover uma condenação precipitada da opiniao publica!

  16. Elton

    Queria ver a opinião dos que defendem o hospital e a médica responsável pela UTI se tivesse um parente ou amigo que morreu nesta UTI. O Hospital Evangélico está sendo investigado faz tempo por várias irregularidades em relação a sua administração e agora aparece mais esta. Alguma coisa deve estar bem errada para a administração do hospital não saber o que acontece dentro desta UTI.

  17. Elton

    Só quem já precisou de ajuda médica para saber o quão petulantes é essa nossa classe médica. o status do médico no Brasil e sua relação com os pacientes é comparado a relação Senhor de Engenho e Escravo no nosso período Colonial Escravocrata. Os caras se acham acima das leis, da ética profissional e de seu juramento – com raras exceções. Qual a imagem do HUEC que todos se propõem a defender com unhas e dentes? Médicos na sua maioria não tem o mínimo de respeito pelos pacientes – marcam um horário contigo e te deixam esperando por horas. Tem caso de médico que atende no particular, nem aceita plano de saúde, marca consulta para as 13h30 dai você chega no horário marcado, já tem mais dois na tua frente e ao questionar a recepcionista ela diz que é normal e que o médico só volta do almoço as 14h30. Cadê meu nariz de palhaço?

  18. Curitibana

    Concordo em parte com o texto, mas os indicios são muito fortes. A falência do Hospital não interessa à cidade, mas pode ser muito interessante para alguns grupos economicos. Não acho que a Polícia, o MP e o Judiciário se uniriam por uma causa que não tenha fortes evidências, entretanto o sistema hospitalar também não facilita. Passe uma hora no Evangélico e constate a quantidade de acidentados que chega por hora. De tudo isto quem perde como sempre é a população humilde.

  19. Peter Zero

    Tomara que isso não vire um “Morro do Boi” ou “Raquel Genofre”. A polícia vai entender um dia que deveria trabalhar em silêncio, quem se expõe é criminoso, evidências, fatos e provas. Ao final, com os procedimentos concluídos, mostraria seu trabalho e seria reconhecida por mérito

  20. Maria

    Até parece que a polícia é quem está fazendo show na mídia, a polícia não pediu pra montarem ponto fixo de reportagem em frente ao Nucrisa onde cada um que chega é assediado pela imprensa, muito pelo contrário eles tem que trabalhar com as portas fechadas para ter um pouco de paz. E não esqueçam que quem está em vários programas de televisão falando sobre o caso é este advogado Elias, ele sim promoveu um verdadeiro show midiático tentando a todo custo desmoralizar o trabalho sério da Dra Paula. Agora que até o MP lançou a nota dizendo da seriedade das investigações e todos estão vendo a verdade a polícia deveria processar todos que vieram a público e falaram um monte de asneiras sem ter a verdadeira noção de como é feita uma investigação neste porte. Parabéns a políca civil, no final essa investigação trará mais segurança à população quando precisar de um serviço médico, mais respeito e melhores serviços.

  21. Peter Zero

    O que estamos vendo é um show de corporativismo, de um lado a polícia defende a delegada do caso, do outro o causídico coloca a OAB no páreo para atacar e em breve o CRM entrará para defender os réus, e a imprensa faz seu papel, joga combustível para manter acesa a sua pira de informações. Há que se cuidar para que o lume dessa fogueira não cegue e chamusque os que estão ao seu redor, quem sairá perdendo, como sempre, será a população.

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