7:34Dos Passos no Paraná

de Roberto Muggiati, especial para a Gazeta do Povo

A serviço da revista Life, o escritor visitou o estado e ficou impressionado com a “letrada” Curitiba e a terra vermelha de Maringá. Memórias da viagem compõem um capítulo de O Brasil em Movimento, que acaba de ser relançado

Um adolescente com imaginação não precisava se entediar na Curitiba dos anos 50. Cedo encontrei na cidade meus territórios sagrados: a França da Aliança Francesa e a Grã-Bretanha da Cultura Inglesa. Foram praticamente antessalas da Paris e Londres em que eu viveria a primeira metade dos anos 60. Havia também o latifúndio “ianque”: o Centro Cultural Inter Americano, plantado num dos últimos andares do edifício Moreira Garcez, o primeiro arranha-céu de Curitiba. Da sua biblioteca eu levava para ouvir em casa os fabulosos discos de Alan Lomax para a Biblioteca do Congresso e os registros do selo Folkways: meu primeiro contato com o folk e o blues de raiz.

Curitiba também levou alguns trocados da fabulosa verba de propaganda do Departamento de Estado dos EUA, no seu empenho de combater a influência cultural comunista. Em 1958, recebemos as visitas da big band de Woody Herman e do escritor John Dos Passos, que — a serviço da revista Life e somando esta viagem às de 1948 e 1962, — publicou em 1963 um livro sobre o país, O Brasil em Movimento, agora relançado pela Benvirá, depois de praticamente meio século esgotado.

Foi justamente no “Inter” (assim o chamávamos) que, com um bando de jornalistas (a maioria de esquerda), fui ver os espólios de Dos Passos, socialista lendário e romancista revolucionário, agora incorporado à direita. Como aponta muito bem Paulo Markun no prefácio da nova edição: “Quando veio ao Brasil, era nome de peso entre a direita norte-americana e integrava a equipe da National Review de William F. Buckley Jr., a Bíblia do conservadorismo norte-americano, altar-mor do senador Joseph McCarthy.” Markun reproduz o último diálogo entre o hesitante Dos Passos e o seguro Hemingway:

Dos Passos: “A pergunta que eu continuo me fazendo é para que serve uma guerra pelas liberdades civis se você destruir essas liberdades no processo?”

Hemingway: “Liberdades civis, uma merda. Você está conosco ou está contra nós?”

Terra vermelha

No capítulo do livro dedicado ao Paraná, Dos Passos fala mais de Maringá, mas não deixa de dar umas pinceladas sobre Curitiba, “cidade agradavelmente letrada com uma bela biblioteca pública e todo um antecedente de publicação e pesquisa histórica.” Refere-se especificamente ao nosso encontro no “Inter”: “Eu estava ali para dar uma palestra num dos centros binacionais que oferecem cursos de língua inglesa, serviço de biblioteca e palestras sobre assuntos norte-americanos.”

Dos Passos, aos 62 anos, revelou-se um gringo simpático, nos divertimos conversando com ele, o Adherbal (Fortes de Sá Jr.) acendeu até o charuto que ele tragou desinibidamente naqueles tempos em que fumar ainda era chique.

O capítulo do livro dedicado ao Paraná chama-se “A Poeira Vermelha de Maringá” e ocupa apenas nove páginas. Dos Passos visita primeiro a cidade de Monte Alegre, sede das Indústrias Klabin, “que fornecem cerca de um terço dos papel usado nos jornais de São Paulo e do Rio.” É recebido pelo próprio Horácio Klabin, “um homem alto, moreno e blasé (…) Sua educação e formação culturais pareciam ser inteiramente europeias, (…) atualizado em relação aos últimos acontecimentos em arte e literatura no mundo todo.”

Chegando a Maringá de avião, ele descreve: “… as plantações pareciam um tabuleiro de xadrez vermelho montado de maneira equilibrada com verdes pinheiros. Há muita terra vermelha no interior do Brasil, mas essa terra de Maringá era mais vermelha que o vermelho.” Uma terra de que seu jovem guia raspa um pouco da lateral do jipe e diz: “Nela cresce qualquer coisa.” Dos Passos ensaia uma comparação: “Maringá nos faz pensar no Oeste selvagem de Mark Twain e Bret Harte de cem anos atrás, exceto pelo fato de os pioneiros brasileiros andarem de jipe em vez de cavalo e chegarem na região de avião em vez de diligência.”

A noção de tempo ali é particularmente dinâmica: “Esta é a velha Maringá,” diz o guia com certa repulsa, “construída dez anos atrás. Logo vamos derrubá-la.” Até para o desconforto mortal da poeira vermelha o cicerone tem uma resposta otimista. Conta Dos Passos: “O guia percebeu que estávamos nos sentindo asfixiados. Disse-nos num tom de consolo que não devíamos nos preocupar com a poeira. Eles tinham um médico ali, um médico muito bom, que descobriu que a poeira de Maringá era rica em terramicina. Se tivéssemos alguma infecção, a poeira de Maringá a curaria.”

Relançamento

O Brasil em Movimento

John Dos Passos. Tradução de Magda Lopes. Benvirá, 288 págs., R$ 39,90.

Compartilhe

4 ideias sobre “Dos Passos no Paraná

  1. Emerson Paranhos

    Hemingway: “Liberdades civis, uma merda. Você está conosco ou está contra nós?”
    Não é a toa que o Hemingway é idolo em Cuba e exemplo dos Busch da vida.

  2. Emerson Paranhos

    Aos Busch da vida
    Não me calo porque nunca me acovardei para comunistas assassinos e mentirosos e nem para americanófilos fascistas e não trago em minha formação e vida o viés da falsidade e da mentira

  3. Emerson Paranhos

    Aos Busch da vida:A verdade dói não é?????????????e o autoritarismo ditador já apela mandando CALAR A BOCA.
    Você cara!!!! não está em Cuba, Aqui é o Brasil e aqui a ditadura dos Castro ainda não consegue fazer os homens de fibra CALAR A BOCA. SOMENTO OS SABUJOS E OS COVARDES SE CALAM ANTE AMEAÇAS OU DE pressão de grupelhos liderados por chefetes lambedores dos coturnos do Fidel, a mumia assassina.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.