7:44Ao grande companheiro e mestre

por Célio Heitor Guimarães

Foi na velha Última Hora, edição do Paraná, no início da década de 60 do século passado, que conheci Mussa José Assis. Eu fora convidado pelo então diretor regional do jornal, Ary de Carvalho, para assinar ali uma coluna diária sobre rádio e TV. Eu era, então, Epaminondas Castelo Branco.

Lá eu conheci o Mussa e várias outras pessoas de grande valor para o jornalismo. A Última Hora, aliás, talvez tenha sido a maior escola de jornalismo que o Paraná já teve. Houve também o Diário do Paraná e, mais tarde, já com Mussa, O Estado do Paraná foi outra época gloriosa da imprensa paranaense. Mas na ocasião a Última Hora foi reunindo o que achava de melhor na imprensa do Paraná, em todos os setores. Era um jornal interessante, aliás, algo que falta hoje, porque era um jornal de jornalista. Samuel Wainer, que era o diretor e dono, era jornalista. Ele sabia como tocar uma publicação da dimensão da Última Hora, que foi o primeiro jornal nacional. Era impresso em São Paulo, Rio, Porto Alegre, Brasília, Recife, e cada edição atendia toda uma região. Aqui no Paraná, por exemplo, era impresso em São Paulo. Nossa redação era aqui. O noticiário local era preparado aqui e encaminhado para São Paulo, e, no dia seguinte, chegava o jornal, antes mesmo dos jornais locais, com as notícias daqui. A situação era extraordinária: o jornal chegava via rodoviária. Saía de São Paulo, pela manhã, uma caminhonete com o jornal para distribuir em Curitiba e no Paraná e, daqui, saía outra caminhonete, com o primeiro material para edição do dia seguinte. Encontravam-se em Registro e, ali, os motoristas trocavam de veículo. O condutor que vinha de São Paulo voltava para lá com o caminhão de Curitiba, e o de Curitiba voltava para a capital paranaense com a carga de São Paulo, que eram os jornais. Durante o dia e à noite, fazia-se o encaminhamento via telefone (naquele tempo não tinha fax, nem computador ou email) do restante do material. Tantas e tantas vezes vi o Mussa transmitindo as notícias, palavra por palavra, que eram anotadas lá em São Paulo, e assim fechavam a edição da parte regional. Então o jornal chegava a Curitiba, sem ser impresso aqui e concorria, em horário, com os jornais da capital. Vencia pela qualidade e conteúdo.

Então foi na Última Hora que eu conheci o Mussa, quase um menino, um pouco mais novo do que eu, muito dedicado, amigo de todos. Foi secretário aqui e, certa feita, foi chamado a São Paulo. Os maledicentes da época disseram que ele fora aprender a escrever. Ora! Só que lá, em três ou quatro meses, transformou-se em secretário de todas as edições regionais do jornal. E logo depois da própria edição paulista. Prova de que ele não só sabia escrever (e bem), como tinha enorme competência. Mussa era, desde aquela época, uma pessoa de grande talento, raciocínio rápido, liderança, aguda visão jornalística, coisas próprias de um bom jornalista, que, hoje, infelizmente, tornaram-se raras. Além do que, Mussa era um perfeccionista. Os originais dele eram limpos, sem emendas ou correções à mão. Os textos originais da imprensa, na época, eram uma tragédia: datilografados nas velhas máquinas de escrever, com cópias através de papel-carbono, o redator escrevia o texto e, depois, corrigia à mão, puxando setas para a margem, ou cobrindo o erro com “XXX”. Era terrível. Não sei como o secretário de redação entendia aquela borradeira. Os do Mussa, não. Ele fazia o rascunho e depois rebatia tudo direitinho. Foi uma das coisas que eu aprendi com ele.

Quando Última Hora fechou, nossos caminhos se distanciaram. Eu já trabalhava numa revista chamada TV Programas, com a programação das emissoras de televisão, que começavam a aparecer em Curitiba. Também era servidor público e atuava como locutor de rádio. Mussa, por sua vez, depois de algum tempo como correspondente de O Estado de S.Paulo no Paraná (acho que também serviu o Jornal do Brasil), foi para O Estado do Paraná. Dali só se afastou duas vezes, uma para dirigir o recém lançado Correio de Notícias, e outra para ser secretário de comunicação do governo Álvaro Dias.

Certo dia, quando Mussa já retornara à direção-geral de O Estado do Paraná, eu mandei uma carta para o Mural do Leitor do jornal. Fazia uma crítica à administração pública. Mussa publicou-a em forma de coluna assinada. Aí, mandei outra crítica, mais atrevida, para ver se ele publicava. Publicou. Então, fui lá falar com ele (naquela época tinha-se que levar a coluna no jornal). Ele me disse que continuasse mandando e eu continuei. Isso durou 13 anos, toda semana, para publicação no domingo, dia de maior tiragem do jornal, e com uma liberdade de expressão inusitada na imprensa paranaense. Escrevi sempre o que quis, sem nenhuma censura, e isso eu devo sobretudo a Mussa. Ele me dizia que, como diretor, tinha até 90% de autoridade, o resto dependia do dono do jornal. Pois eu acho que não foram poucas as vezes em que ele foi além dos seus 90%, defendendo a publicação de meus escritos perante a direção da empresa).

Na época, ninguém fazia críticas às autoridades públicas, a imprensa do Paraná era o que se chamava “chapa branca”, sempre aliada do governo. O próprio O Estado do Paraná, era uma empresa comercial, queria e precisavaganhar dinheiro. Mas, lembro-me de uma afirmação feita certa vez pelo Mussa: “Triste dos jornais que dependem do Poder Público. Só vão sobreviver por algum tempo e jamais progredir, pois serão sempre publicadores de releases”. Sabia o que dizia.

Os jornais de hoje são uma tristeza. Em Curitiba, a rigor, temos com destaque apenas um, a Gazeta do Povo, que, aliás, tem-se havido, ultimamente, com surpreendente coragem editorial. Agora, editores como Mussa José Assis, o melhor jornalista da minha geração, nunca mais haverá, infelizmente.

(O texto acima é parte de um depoimento prestado sobre Mussa José Assis, ontem falecido, a Najia Furlan, sobrinha dele, para uma monografia tendo o jornalista como tema)

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2 ideias sobre “Ao grande companheiro e mestre

  1. Carlão Gaertner

    Belas recordações e uma homenagem sincera ao já saudoso amigo e jornalista Mussa José Assis, profissional brilhante com um sorriso franco e cativante e um olhar radiante. Endossando as palavras do Célio Heitor Guimarães, eu somente acrescentaria: – “Ao Mestre Com (Nosso) Carinho”.

  2. Emerson Paranhos

    Existem pessoas que a gente não conhece pessoalmente, mas influenciam nossas vidas com seus exemplos. Estas pessoas mais do que nunca sao unicas. Nem sempre em vida seu valor é reconhecido. Mas para quem que mesmo não convivendo teve a sorte de viver no mesmo tempo desses genios maravilhosos ganharam um premio à vida. Lá em cima uma redação nova deve ter recebido o Dr REDATOR e os contéudos terão algo bem paranaense no paraíso.

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