16:18Onde a alegria perde de goleada para a tristeza

por Nilson Monteiro

Estou de luto. Como devem estar todos que gostam de futebol e detestam a bestialidade disfarçada de alegria coletiva. A morte do menino Kevin Douglas Beltrán Espada, em Oruro, durante o jogo do Corinthians contra o San José, atingido por um sinalizador que teria sido disparado por um torcedor brasileiro, é algo a ser repensado não só com lamentações, mas com atitudes. Assim como o seria a morte de um corintiano que apareceu boiando no rio Tietê no dia de um jogo contra o Palmeiras ou o São Paulo, não importa. Tanto aquela, como outras, e esta de ontem em estádios e fora deles parecem nos causar um buraco na alma, preenchido com desculpas no dia seguinte. É preciso levar as investigações até o fim. Tão desumano quanto fazer um time brasileiro jogar a 3,7 mil metros de altitude, com atletas se arrastando em campo, à beira de desequilíbrio total de seus corpos, é permitir que armas mortais tenham passagem livre nos portões dos estádios, estimulando a sanha violenta contra suas vítimas, qualquer camisa que vistam ou time que torçam tanto uns quanto outros. Já que há constrangimentos e justificativas as mais esfarrapadas para proibir as torcidas organizadas (talvez uma medida que mereça um debate muito mais amplo e sério), é preciso proibir – já – as armas que têm ingresso livre nos estádios, quaisquer que sejam. Revólveres ou sinalizadores. É preciso discutir a fundo porque a violência coletiva (psicólogos já gastaram litros de saliva para explicá-la) explode nos estádios com tamanha facilidade, sem formas de coibi-la. E não sentir apenas nostalgia ou carinho por um tempo em que torcidas adversárias sentavam-se juntas, como vivenciei em fevereiro de 1955, quando o Corinthians empatou com o Palmeiras por 1×1, no Pacaembu, e foi Campeão do Centenário. Mas, tirar daquele tempo a lição de civilidade, cidadania e respeito que impede que, mesmo sendo fanático por um clube, como sou pelo Corinthians, eu seja compelido a agredir fisicamente outra pessoa que torce para outro clube. Este “acidente” não é mérito e nem exclusivo da torcida corintiana, mas da maioria absoluta das torcidas. Basta lembrar o assassinato de torcedores atleticanos de um cruzeirense nas ruas de Belo Horizonte. Os exemplos são inúmeros. A alegria toma de goleada para a tristeza há muito tempo em grande parte dos estádios, no Brasil, na Bolívia, na Inglaterra ou em qualquer outro país.

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Uma ideia sobre “Onde a alegria perde de goleada para a tristeza

  1. miriam

    Bravo, Nilson. Há muitas explicações sociológicas pra essa violência, mas nada justifica a paralisia das autoridades e de todo mundo. É mesmo preciso enfrentar isso com seriedade.

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