13:57Acumulação primitiva

por Fernando Bonassi

Agora está provado: é realmente como num conto de fadas ou história de piratas, pois a pesquisa de uma consultoria econômica independente revelou que os nossos representantes dentre os homens mais ricos do mundo, todos, sem exceção, têm em comum o fato de haverem obtido uma cópia do mapa do tesouro quando seus pais morreram ou se aposentaram a bem do serviço público. É documento considerado apócrifo por muitos diplomatas e historiadores oficiais, e sua existência é veementemente desmentida por aquelas famílias de intelectuais banqueiros e latifundiários acadêmicos que se apossaram deles. Não querem falar no assunto, é claro, pois implicaria revelar os poderes ocultos e as palavras mágicas com o segredo original de sua prosperidade. Cada um desses papéis centenários custou uma média de setenta e cinco mil dólares, comprados de gente pobre, analfabeta, ou incapaz de compreender os sinais cifrados que eles continham. Teriam sido financiados por um banco do Estado, num regime de partilha com o setor privado em que os recursos não chegavam aos verdadeiros proprietários, esgotando-se pelo caminho. As cópias, que passaram de mão em mão fechada até os nossos dias, ensinam exatamente o passo a passo, os valores a serem doados e o local determinado onde existem esses supostos tesouros que, nas histórias tradicionais, são compostos por sabedoria, caráter e responsabilidade, mas aqui tratam de lugares obscuros como cavernas, tribunais, pântanos e regiões onde prospectar petróleo, incentivos fiscais, manganês, ferro, informações privilegiadas, urânio, obras de construção civil, gás natural, armamentos, imprensa e fertilidade do solo. Com os proventos derivados desses mapas do tesouro é que os nossos homens mais ricos do mundo e suas famílias praticam caridade, construindo museus em sua própria memória e garantindo a sobrevida de municípios importantes para o turismo nas regiões carentes e potencialmente explosivas. Nada disso deve ser motivo de vergonha, mas de orgulho, pois tais mapas, se comprados com dinheiro público como se diz, tornam a todos nós, cidadãos contribuintes, sócios e cúmplices desses empreendimentos bilionários. Viva!

*Publicado no caderno Ilustríssima da Folha de São Paulo

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