7:23Congresso sucumbe ao rolo compressor

por Ivan Schmidt

Vale a pena rememorar a forma com que os editoriais daquele furibundo jornal do interior de um estado nordestino (era a época da Segunda Guerra Mundial) advertia para os pesadíssimos riscos corridos pelo ditador italiano, Benito Mussolini, até que com inteira razão registrou o desfecho sangrento que acometeu Il Duce, com candente e abalizado domínio do fato: “Como havíamos predito tantas vezes”…

A analogia pode ser pífia, mas é o que se constata no momento em que se aperta o círculo de fogo em torno das candidaturas do senador Renan Calheiros (AL) e deputado Henrique Eduardo Alves (RN), ambos do PMDB, às presidências do Senado e Câmara dos Deputados, respectivamente.

Afora os áulicos sempre disponíveis em situações semelhantes, não se percebe um só movimento de apoio ou simpatia ao desejo expresso desses parlamentares, tendo em vista a quantidade de suspeitas e acusações que pairam sobre um e outro, sabidamente, péssimos exemplos de conduta pública.

Não são poucos os peemedebistas e integrantes de outros partidos a argumentar sobre a inoportunidade da insistência de Renan e Henriquinho, assim como pequeno foi o efeito das candidaturas avulsas dos senadores Pedro Taques (PDT-MT) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), tendo em vista o rolo compressor do PMDB e PT que optaram seguir a tradição de conceder às bancadas majoritárias de ambas as casas do Congresso, a prerrogativa de presidir a respectiva mesa diretora.   

Por esses dias, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), provável candidato do maior partido da oposição à presidência da República em 2014, em declarações aos jornais, apelou ao senador Renan Calheiros que retire a candidatura em favor de nome mais palatável de seu próprio partido, a fim de evitar o acirramento das relações entre oposição e governo num período crucial para a nação. Chegou-se a falar na possibilidade do PSDB não dar seus votos para a eleição de Renan, embora a reação custasse o único cargo que os tucanos teriam na mesa nos próximos dois anos.

Outro parlamentar a bater na tecla foi o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que também apelou a Renan a abrir mão da candidatura, muito embora tivesse afirmado a disposição de votar no colega alagoano, caso este insistisse em concorrer. Já houve tempo na política brasileira que determinado partido formado por banqueiros, latifundiários e coronéis do sertão rezavam pela cartilha do “nem a favor nem contra, muito pelo contrário”. Exatamente como se comporta hoje o senador paulista, repetindo uma postura que a sociedade imaginava definitivamente abolida.

Uma posição sobranceira, mas anunciada em momentos propícios a arroubos dessa natureza partiu do deputado federal Marcelo Almeida (PMDB-PR) que deverá assumir uma cadeira na Câmara dos Deputados, na vaga aberta por Reinhold Stephanes, convidado pelo governador Beto Richa para a chefia da Casa Civil. Proclamando-se integrante do PT do casal Gleisi Hofmann-Paulo Bernardo, mas pupilo do ideário político de Roberto Requião, de quem espera a volta por cima e nova candidatura ao governo em 2014, Marcelo se declara envergonhado do papel desempenhado pelos deputados estaduais do PMDB, ao atirar-se nos braços do governador Beto Richa.

Sobre a eleição de Renan e Henrique Alves para a presidência do Senado e da Câmara, Marcelo afirmou que é exatamente o que o chamado “baixo clero” clama aos deuses. A leitura correta dessas palavras é a seguinte: a composição do Congresso é formada por um grupo predominante de parlamentares, a vasta maioria com imensa dificuldade para absorver uma gota de conhecimento do que seja a função de legislar, limitada a parasitar as sobras do trâmite carimbado de algumas emendas pessoais. Em troca dos votos e algumas outras merrecas, é claro. Almeida vai mudar o quadro?    

Sobre a trovoada de manifestações contrárias à arrogante pretensão de Renan Calheiros de voltar a presidir o Senado, inclusive com manifestações populares em vários locais, um direto mais potente veio do procurador geral da República, Roberto Gurgel, que apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF), denúncia “extremamente consistente” contra o senador. Gurgel acusa Renan de ter usado notas frias para justificar a venda de bois criados numa de suas fazendas, em 2007. Na ocasião, o estadista alagoano buscava desesperadamente comprovar renda suficiente para pagar a pensão alimentícia de uma filha tida fora do casamento.

A suspeita da época, que hoje o procurador da República parece não duvidar da veracidade, é que essa despesa pessoal de Renan foi paga por lobistas. E é o que o senador deverá explicar agora, de modo definitivo e categórico, ao STF, mesmo gabando-se que a acusação não impedirá sua eleição à presidência do Senado. Os senadores Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho, bastam esses exemplos, foram também abatidos pelo excesso de confiança e, talvez, por se imaginarem superiores às leis.

Gurgel não vê oportunismo no oferecimento da denúncia contra Renan, mas esclarece que a medida se impõe porquanto o envolvido disputa um cargo de alta relevância na República, cabendo ao Ministério Público cumprir com rigor seu papel institucional. Isso não estaria acontecendo no Brasil se alguns de seus políticos dessem todo o espaço requerido pela hombridade e respeitassem mais seus eleitores.  Mas, enquanto a política for uma cortina para esconder e/ou legitimar a prática do canibalismo contra o erário, o País continuará a testemunhar a absurda inversão de valores que corroeu o tecido das instituições democráticas.

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