17:29HORÓSCOPO

por Zé da Silva

Capricórnio

A rua era estranha, a noite fria e o boteco ficava abaixo do nível do asfalto. Duas portas e um balcão. Tradicional. Aspecto sujo. Ele desceu os lances dos degraus, sentou no banquinho de fórmica giratório e pediu a cerveja gelada. Estava com fome. Olhou uma lousa com o cardápio escrito em giz branco. Pediu o sanduíche de queijo com salaminho. Viu o funcionário de avental rasgado cortar o pãozinho francês e lambuzar as duas partes internas com alguma coisa que parecia ser manteiga e que estava dentro de um pote de plástico transparente. Um carro com escapamento aberto passou na rua. Ele olhou. Ao se voltar para o balcão o sandubão estava ali, ao lado do copo, cortado e com as partes do meio voltadas para o freguês – no caso, ele. Havia muito queijo e muito salame cortado em finas fatias. Nunca tinha visto e/ou comido algo daquela magnitude. Tomou um gole da cerveja servida em copo americano. Pegou metade do sanduíche, mordeu, mastigou e… Foi tomado por algo tão inexplicável que até hoje, passados quase quarenta anos, não sabe identificar. Só diz que ficou viciado neste tipo de sanduíche e sempre que tem oportunidade pede do mesmo jeito, ou seja, com manteiga. Nunca mais comeu algo parecido como aqueles, pois, enquanto pode, voltou ao boteco, na mesma hora, no mesmo dia da semana, para repetir a dose. Mudou de estado, foi embora para muito longe, mas no dia em que voltou a passeio, foi procurar o bar – que havia fechado há muito tempo, explicaram os vizinhos. Ele sentou nos degraus por um tempo. Olhou as portas de ferro enferrujadas e pichadas. Fechou os olhos. Sentiu novamente o gosto depois da primeira mordida. Levantou. Foi embora. À procura do sanduíche perdido.

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6 ideias sobre “HORÓSCOPO

  1. Roberto Prado

    Memória emocional visual olfativa gustativa que dá água na boca. E incrivelmente real. Tenho uma fixação assim, desde a infância, pela pizza de uma lanchonete na rua da Biblioteca Pública, onde eu ia ler e buscar livros e saía esformeado. Na época era uma paixão absolutamente platônica. Certo dia, um amigo me pagou um pedaço, acompanhado de um choco milk. Até hoje sinto fome destas lembranças e, de vez em quando, vou até lá.

  2. carson

    É o mesmo pão com mortadela e tubaína que eu comia na venda perto do sitio do meu pai. Muito bom….

  3. Parreiras Rodrigues

    Zé da Silva se excedeu.

    Mas me fez lembrar dum jacú que na década de 60 – começo da, veio prá Curitiba – primeira vez de cidade bitela e viciou-se nalgo servido na Fontana de Trévi, ali na Boca: O seu frapê de coco.
    Num tem dia que ele passa ali, olha pro lado onde ficava a lanchonete e se pergunta: Num terá aquele frapê de coco no meio daquelas malas e bolsas?

  4. José Maria

    Roberto, também frequento a Savoy da Candido Lopes em frente ao Tabelionato Laporte, a pizza de massa grossa é imbatível assim como a Vitamina mista com sorvete. As funcionárias são dez e a casa tem convenio com o estacionamento em frente ao saudoso Cine Lido na Ermelino de Leão, o cinema hoje é um micro cine pornô bem muquifo .Abraços ao Zé Beto e ao Parreiras e viva os sanduīches .

  5. Roberto Prado

    Exatamente, Zé Maria… E ainda dá para delirar com as fotos da inacreditável cidade de Lucca…

  6. Roberto Prado

    Só um detalhe… ali é a Pizzaria Itália… a Savoy é (ou era) no calçadão da XV, que servia uma pizza de massa fina…

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