15:14Congresso muda para ficar igual

por Ivan Schmidt

No início do mês de fevereiro (dia 3), os componentes do Senado Federal e Câmara dos Deputados elegem suas mesas diretoras para cumprir o biênio 2013-2014, período importantíssimo para a vida política do País, porquanto se deverá tratar basicamente da sucessão da presidente Dilma Rousseff e, quando os próprios parlamentares estarão envolvidos até a sola dos sapatos com a conquista de mais um mandato.

À luz desse raciocínio canhestro dificilmente se deverá esperar do Congresso algum avanço real em termos das reformas que dormem nas gavetas, a exemplo dos três mil vetos presidenciais que jamais foram examinados por senadores e deputados.

A dedução é também elementar porque o Congresso pouco produz em épocas normais, digamos, naqueles períodos intermediários entre as eleições, quando o Executivo aproveita para entulhar ambas as casas com medidas provisórias que acabam entravando o processo de discussão e aprovação de outras medidas, tão ou mais importantes que as imposições governamentais.

Assim, estamos diante de perspectiva bastante pálida para fundamentar a avaliação do desempenho do Congresso nos dois últimos anos da atual legislatura, destacando também o prisma da bovina submissão à canga do Poder Executivo, que mesmo sob o embuste da não interferência num poder independente, manda e desmanda na composição das mesas, na indicação de presidentes, relatores das principais comissões permanentes e, não raro, dos próprios líderes das bancadas mais numerosas da base.

Pois bem. No dia 3 de fevereiro serão eleitos o senador Renan Calheiros para a presidência do Senado e o deputado Henrique Eduardo Alves para a presidência da Câmara. Somente uma ocorrência de ordem superior mudará o quadro. O consenso em vigor diz que as maiores bancadas, no caso as do PMDB, têm a prerrogativa de exercer o controle da mesa diretora. O deputado Henrique Eduardo Alves está, há muito tempo, em campanha aberta pelo cargo, mas o senador Renan Calheiros até esse momento jamais disse uma palavra sobre a intenção de voltar a presidir a casa, embora já esteja eleito.

Na verdade, não se percebe a menor diferença na condução desse tipo de assunto congressual, em que o verdadeiro tsunami de conchavos, especulações, cavilações e promessas ao pé do ouvido, acaba em espuma diante da realidade nua e crua dos prévios acertos de campanário.

É imprescindível para o governo de Dilma Rousseff, até agora a favorita incontestável da maioria dos eleitores para o segundo mandato (ao lado de Lula), contar na presidência do Senado e da Câmara com aliados que não carreguem sobre si a ameaça de rompimento da afinidade com a vontade palaciana. Tanto Calheiros quanto Alves são notórios arautos da “governabilidade”, genial eufemismo criado pelo grande jurista fluminense Célio Borja, ao aceitar o cargo de ministro da Justiça, ao lado de outros personagens importantes do mundo político, na tentativa de livrar da cova o moribundo governo Collor.

O que é lamentável, entretanto, é verificar que os futuros dirigentes do Congresso Nacional,  instância que deveria orgulhar o povo brasileiro, têm não poucas anotações negativas em seus currículos. São ainda recentes os episódios relacionados com a práxis política do senador alagoano, obrigado a renunciar a presidência da casa para não perder o mandato, embora tivesse sido absolvido mais tarde em plenário. O deputado Henrique Alves, beneficiário do colonialismo político exercido no Rio Grande do Norte por seu pai, Aluízio Alves, teve as verbas de algumas de suas emendas orçamentárias carreadas, mesmo em licitações públicas sobre as quais não deveriam pairar dúvidas, para empresa de propriedade conjunta de um assessor de gabinete.

Diz o deputado não ver o menor problema, pois as emendas beneficiaram administrações municipais que cumpriram exemplarmente o rito do processo licitatório, além de considerar normal o fato de que a empresa vencedora para executar determinado projeto, em determinado município potiguar, tivesse entre os proprietários um de seus auxiliares diretos. Pelo menos, esse personagem misterioso do imbróglio já pediu exoneração do cargo.

Alguns poderiam lembrar o singelo exemplo da mulher de César, de quem se esperava não apenas a aparência de honestidade, mas que tal qualidade humana sobrepujasse qualquer escrutínio. Não é o caso do deputado Henrique Alves, que apenas por um acidente grave de percurso deixará de ocupar a cadeira de presidente da Câmara, posto pelo qual se bate desde as primeiras campanhas para eleger-se deputado, quando se apresentava aos sertanejos com o mote: “Vote em um e leve três. Deputado federal, presidente da Câmara e presidente da República em exercício!”. Modéstia pouca é bobagem.

Estão em marcha nas duas casas débeis manifestações da oposição ou descontentes da própria base, no sentido de encontrar alternativas para as respectivas presidências. Fator que poderia ter forte influência na modificação do quadro seria a entrada em campo do governador pernambucano Eduardo Campos, líder nacional do PSB. A costura de um entendimento com o PSDB, anexando os independentes do PMDB como os senadores Pedro Simon (RS) e Jarbas Vasconcellos (PE) e demais bancadas de oposição, teria algum poder de fogo.

Contudo, o neto de Miguel Arraes não parece disposto a queimar — nesse contexto — alguns cartuchos que poderão ser bem mais necessários nas negociações em torno da sucessão presidencial em 2014. Sintoma disso foi a longa conversa mantida com a presidente Dilma Rousseff, testemunhada pelo governador Jacques Warner (Bahia), nas recentes férias passadas na base militar de Aratu.

Assim, não se mete o bedelho em questões internas do Congresso, mesmo que as casas venham a ser presididas por personagens de passado nebuloso, fiando-se sempre na curta memória do povo. Ou melhor, seguindo a máxima de Lampedusa de que é necessário tudo mudar para ficar rigorosamente igual. Ou pior?

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Uma ideia sobre “Congresso muda para ficar igual

  1. antonio carlos

    Sim, é preciso mudar para que tudo fique igual. Temos verdadeiro pavor do novo. ACarlos

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