7:49FRUET, 24 ANOS ESTA NOITE

por José Maria Correia

Duas décadas não são dois dias, dois meses ou dois anos.

É o intervalo de uma geração, tempo suficiente para colocar o passado no esquecimento.

Os jovens eleitores que votavam pela primeira vez em 1988, aos 18 anos de idade, hoje tÊm 42.

Foi nesse ano que tivemos em Curitiba a primeira eleição para Prefeito após o fim da ditadura militar que comandou o Brasil com autoritarismo, suprimindo a liberdade por 21 sinistros e longos anos, de 1964 a 1985.

O presidente biônico, o general cavalariano Figueiredo,passara a faixa para o patriarca maranhense José Sarney oriundo da Arena e do PFL.

O povo que vibrara com o fim do regime autoritário havia sonhado com as eleições diretas pregadas por Ulysses Guimarães, mas derrotado no Congresso junto com a emenda Dante de Oliveira, teve que resignar-se com o

colégio eleitoral.

A Rede Globo tratou de transformar o conciliador Tancredo Neves em um novo Tiradentes, um pai do povo como Getúlio Vargas, mas com a inesperada morte deste a população herdou José Sarney, o fiador do regime das elites.

E se Sarney gozou de popularidade nos primeiros anos com os seus fiscais da Sunab e programas sociais, logo despencou com a ruína do PlanoCcruzado e a desestabilização da moeda com a maior inflação da história beirando pornográficos 80% ao mês.

Mil cruzados recebidos como salário no início do mês compravam, ao final de trinta dias, mercadorias no valor de apenas duzentos cruzados.

O congelamento de preços trouxe desabastecimento geral e corrida desenfreada aos supermercados.

Foi nesse anticlímax do outrora amado PMDB que Mauricio Fruet disputou a eleição para prefeito de Curitiba em 1988.

Apesar disso, havia uma expectativa de vitória, graças à popularidade local de Mauricio e ao perfil dos adversários identificados com o recém-finado regime. Somente para a vaga de vice-prefeito inscreveram- se 18 candidatos – muitos de bom nível técnico.

Como vereador mais votado do PMDB entre os novos, fui indicado por um grupo de companheiros,liderado por Paulo Salamuni e as lideranças de base, como candidato à Vvice de Mauricio – e mesmo sem apoio do então prefeito Roberto Requião, que preferia Stenio Jacob, recém filiado.

A convenção foi histórica. Depois de uma renhida disputa, saí vitorioso somente no segundo turno.

Para vencer, a nosso favor tínhamos a empatia de Mauricio Fruet, um campeão de votos, uma militância aguerrida, a gestão voltada para o social do prefeito Requião. Contra nós, o declínio do PMDB, a figura coronelística de Sarney, prejudicada ainda na comparação com Tancredo Neves, que havia sido praticamente canonizado pela Rede Globo especialista em criar mitos e santos.

Também fomos vitimados por um episódio grotesco quando um inepto oficial da Polícia Militar, contrariando todas as regras de civilidade e bom senso, decidiu comandar uma estúpida carga de cavalaria contra um grupo de professores, homens e mulheres, muitos deles idosos que tentavam forçar a entrada no Palácio Iguaçu para tentar negociar um aumento diante da inflação galopante.

O governador Alvaro Dias,que nunca foi idiota ou truculento, muito ao contrário, jamais deu a ordem da repressão violenta ou mesmo foi consultado, assim como o Secretário de Segurança, que tomou um susto enorme e pulou da cadeira ao ouvir o estampido de uma bomba de efeito psicológico, imagem folclórica registrada pela televisão.

O prejuízo da ação desastrada foi debitado para a nossa campanha e explorado fartamente pelos adversários que, depois de décadas apoiando a ditadura e reprimindo movimentos sociais e de servidores, passavam a posar de libertários e democratas.

Ficamos com essa conta e os gritos de protesto de Rafael Greca nas portas da Assembléia Legislativa – cena repetida em todas as mídias.

Ainda assim – e com todas as dificuldades, no que dependesse da campanha local, a previsão era de que Mauricio vencesse as eleições com cerca de 10% dos votos de vantagem, como indicavam as pesquisas.

Os adversários eram Afonso Camargo, Algaci Túlio, Airton Cordeiro, Klaus Germer e Enéas Faria, que unificaram o discurso contra nós como alvos preferenciais.

Fazíamos, Mauricio, eu e nossos vereadores, uma campanha franciscana, com poucos recursos de mídia, produção artesanal e recursos limitados. a não ser por um grande comício final onde todos se cotizaram para trazer a dupla Chitãozinho e Xororó.

Nos debates, o PT, à época contaminado pelo esquerdismo infantil e maniqueísta que o levou a não votar a constituinte, recusar alianças progressistas e votar no colégio em Tancredo Neves,  procurava nos demonizar.

E mesmo assim rumávamos para a vitória até que…

Faltando três semanas para as eleições, recebi um telefonema do deputado federal Brandão Monteiro, um ex vice-presidente da UNE que tornara-se o líder do PDT de Brizola e comigo participara da organização do movimento pelas eleições diretas em 1984.

Brandão, um advogado ilustre, membro do IAB, convidou-me para um almoço onde tive uma grande surpresa.

Sentados em uma mesa do Hotel Slaviero, ele revelou um segredo:

– Zé Maria, a eleição de Curitiba vai virar. Todos os atuais candidatos vão renunciar coletivamente, o Jaime Lerner vai retornar do Rio de Janeiro para disputar as eleições faltando doze dias. Ele virá para vencer. Fiz questão

que você, meu amigo leal, soubesse por mim.

Contestei dizendo: “Brandão você está mal informado. O Jaime transferiu o domicílio eleitoral e o título para o Rio de Janeiro. Está fora do prazo de um ano para disputar as eleições em Curitiba. Pode disputar somente no Rio. Assunto encerrado.”

Brandão sorriu da minha ingenuidade e disse:

– Ora meu amigo Zé!  OTribunal Superior Eleitoral é uma corte política. Já foram consultados e vão pisotear a lei e conceder a elegibilidade para o Lerner. Está tudo arranjado e já temos pesquisas com o novo cenário: ele vence a eleição.

Com a comida engasgada e sabendo que Brandão não brincava em serviço, era líder na Câmara ex-exilado e sabia tudo de política, ainda argumentei: “Mas Brandão e os outros candidatos? Como ficam?”

Brandão repetiu:

– Desistirão todos em um pacote só. Vocês vão ficar isolados e teremos a campanha relâmpago mais rica e impactante que essa cidade e o Brasil já viram.

O almoço terminou mal. Atônito fui conversar com Mauricio Fruet na casa da Rua Chile. Ele cofiou o bigode, como sempre fazia quando estava preocupado, e me incumbiu de conversar com o governador Alvaro Dias, nosso líder maio,  para relatar o tsunami que se aproximava.

Decidimos em conjunto que eu e Mauricio iríamos a São Paulo consultar um dos maiores advogados especialistas em direito eleitoral sobre a tal decisão ilegal que o TSE se preparava para tomar – e o que poderia ser feito.

O notável jurista pareceu não acreditar no que ouviu, mas, prudente, nos pediu dois dias para dar um parecer. Acionou seus contatos em Brasília, conversou veladamente com Ministros e assessores e, vencido o prazo, nos convocou em seu escritório nos Jardins para dizer:

-Infelizmente, e de forma absurda, é verdade. O TSE dará condições de disputa para o Jaime Lerner. O voto já está escrito, é algo sem precedentes e nada poderei fazer. Lamento por mim e pela Democracia. A causa está perdida.

Em poucos dias tudo ocorreu como Brandão me havia alertado. Lerner foi apresentado como candidato e, fato novo, com o carisma do urbanista que retomaria as obras que o consagraram, parques para a burguesia, soluções urbanas de impacto visual, na contramão das obras sociais que vínhamos tocando, com creches, postos de saúde e urbanização de favelas vítimas do apartheid social, onde o poder público não ingressava a não ser para reprimir.

As desistências mal explicadas dos candidatos que estavam em campanha aberta e aderiram a Lerner geraram uma onda de denúncias de corrupção na cidade. Um ou outro pode ter composto politicamente, o que é aceitável na regra do jogo, mas seguramente houve os que venderam suas candidaturas por expressivas quantias.

Anos depois, um afamado dono de shopping me contou com desfaçatez, como fez o pagamento em dólares para um candidato desistente em uma suíte do motel Black Stalion, em Rio Branco do Sul, local bem apropriado para aventuras inconfessáveis. No dia seguinte, esse, de bolso cheio, pregava em programa de rádio de grande audiência as virtudes da aliança Lernista em prol de Curitiba.

O fato é que Mauricio nunca mais conseguiu ser eleito Prefeito de Curitiba nem completar sua obra de tornar a administração verdadeiramente participativa, enfrentando os diversos lobbies e cartéis que até hoje dominam 60% do orçamento da cidade em todos os setores – da educação à saúde, passando pelo transporte de massas e a informática, a famosa caixa-preta.

Em 24 anos só perdemos eleições para o mesmo grupo que se reveza no poder e consolidou-se mantendo o mesmo estilo de governar.

Gustavo Fruet, o filho de Mauricio, embora fosse o candidato mais forte e preparado , por duas vezes foi recusado pelo maiores partidos políticos do Estado para ser o candidato a prefeito: o PMDB e o PSDB.

Agora, em 2012, por ironia do destino, Gustavo candidatou-se pelo mesmo PDT que havia derrotado seu pai na esdrúxula operação de 1988, e teve como adversários o PMDB e o PSDB, partidos com qual Mauricio Fruet disputara as eleições de sua vida.

Lerner ajudou a corrigir a injustiça com os Fruet, pois o prefeito eleito teve ao seu lado de seu braço direito,Gerson Guelmann.

Assim caminha a humanidade.

Como Mauricio, que partiu antes do combinado e já está em outro plano acompanhado de velhos amigos de luta como Elias Abrahão, José Richa e Adhail Sprenger Passos, fui, como sobrevivente dessa época carbonária, assistir a diplomação de Gustavo Fruet.

Sentei-me ao lado de outras duas testemunhas da história, Vitorio Sorothiuk, meu ex-presidente do CAHS da Universidade Federal, exilado e perseguido, e Haziel Pereira, o bravo baiano torturado paté o último fio da alma pelo sanguinário delegado Sergio Fleury na cadeira do dragão do DOPS paulista, poucos fizeram tanto como esses gauches para que retomássemos ao Estado de Direito.

Fui cumprimentar Gustavo. Ofiz completamente mudo. Aemoção não me permitiu uma única palavra, somente o olhar doído, saudoso de quem via e sentia a presença de Mauricio e as marcas das lutas e do tempo.

Deixei Gustavo reunido com seus técnicos e alguns outros novos aliados, cuja memória não ultrapassa os umbrais do moderno teatro.

Procurei na platéia cruzar com outros olhos antigos em cujas pupilas encontrasse a mesma carga emocional da história.

O passado vítreo de enganos, de perdas, de alegrias e desilusões.

Não encontrei um outro olhar que, como em um espelho, me revelasse quanto a existência pode ser estranha, surpreendente, misto de tristeza e esperança, mas também mágica quando tudo recomeça ao alvorecer como nesta longa noite de trevas e de sombras que durou um quarto de século.

Encontrei também, muda como eu e sem palavras, a dona de um par de olhos distantes, em cujas pupilas estavam refletidas todas as cenas daquele passado tão vasto, tão denso e agora tão iluminado.

Os olhos de Ivete Fruet.

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14 ideias sobre “FRUET, 24 ANOS ESTA NOITE

  1. frederico

    KKKKKKKKKKKKKKKKK
    querem mudar a historia. Com medo que os professores invadissem o palácio iguaçu, o próprio governador deu ordem para a policia reprimir. EU ESTAVA DO LADO do secretario. Pare de mentir seu covarde

  2. Pierpaolo Petruzziello

    Ze Maria, belissimo texto, como eh bom termos pessoas lucidas como vc para transcorrer a historia politica da nossa cidade e do nosso estado. Grande abraco e parabens pelo texto. Desejamos sorte ao Gustavo.

  3. Colombo

    Brilhante como sempre, Jose Maria. A história guarda tudo, acertos e desacerto,traições e lealdades.Mas será a vida assim, lutar pelo poder? E os sonhos de um mundo melhor, do amigo da esquina, das organizações do povo, a luta por suas necessidades, a construção de uma cidade justa?Seriam embalagens do desejo de poder e nada mais? Do lado de lá o Mauricio Fruet,nosso companheiro, nos vê com alegria.Boa lembrança.

  4. joaofeio

    DoutorJosé Maria que coisa mais linda o que você lavrou ” isso é uma escritura pública”. Digo isso pois participei na sua campanha junto com Mauricio Fruet na época, eu, Dr. Friedman, Dr. Pedro Longo, Dra, Valéria, Dr. Palhares, Nolinari, Turra, etc,,, pois nós comandava o PMDB jovem. Lembro até hoje quando veio o Jaime Lerner com aqueles decalques de coraçãozinho…. foi um loucura…. Não deu para encarar……. pois a mídia explodiu em cima do Jaime. O que você escreveu é coisa do outro mundo. Lance já o seu livro Doutor José Maria. Sou teu fã de carteirinha……Você além de ser amigo, é fiel e elegante.

  5. Mario

    Zé, a narrativa da tua participação objetiva e ocular da história política da nossa aldeia, que também vivemos, deveria iniciar nas eleições de 1985, três anos antes, com os absurdos praticados pelos “luas pretas” e de todo o “sistema” de poder do nosso Estado que elegeu o RR criando “cuervos” que a partir dali obteve forcas para atraves de seus “ferreirinhas” conseguir tres mandatos de Governador e atrasar nosso Estado por décadas!
    Reveja os fatos, a desistência dos outros candidatos em 1988 somente ocorreu após o lançamento da 2a campanha do “coração curitibano”, em razão, que na 1a pesquisa com o Lerner candidato pelo PDT eles vivaram traço!
    Em 1985 na primeira eleição direta na Capital e em outros poucos municipios do Estado, depois da “redentora”, o JL ja pelo PDT do Brisola enfrentou a tudo e a todos com um “exercito de brancleones”, perdendo por poucos votos, e principalmente, enfrentou o pavor dos conservadores eleitores curitibanos que acreditavam que a esquerda brasileira ainda “comiam criancinhas”
    Saudações!

  6. Sortudo

    Ei, José Maria, conta aquela do Requião fugindo de você dentro do Palácio Iguaçu; ele correndo e você atrás, dando-lhe ou por lhe dar uns belos tapas na orelha, afinal, Requião provoca e foge … e como merece!!

  7. Cascavel

    o tal Frederico no fundo é ele sim um anônimo covarde e mentiroso, chuta que estava ao lado do governador mas só deve te-lo visto em fotografias , não passa de um pobre maledicente.

  8. Parreiras Rodrigues

    Frederico é nike. Esconde-se atrás de … Frederico.

    Eu sei como funciona essas manifestações. Participei de muitas. Sempre tem os mais exaltados, os que querem aparecer, ansiosos para serem elevados à condição de líderes.

    As lideranças, lá nas sedes do movimento, torcem inclusive para que resulte nalgum mártir, que alguém se fira, ou mesmo morra!

    Rafael Greca estava lá, insuflando, dando uma de democrata, gritando que a Casa é do povo, essas coisas.

    Nem secretário, nem governador deu ordem alguma. Foi a reação da polícia que se achou no dever de defender a coisa pública.

    O policial mesmo que consciente das suas atribuições, das suas limitações, não tem sangue de barata.

    Acuado, reage e pronto.

    Tem uma farda prá defender, uma instituição. Houvessem os baderneiros invadido o prédio e lá fizesse arruaça e estragos, as críticas seriam contra a inércia da polícia que permitiu os danos à propriedade do povo.

    Essa versão desse episódio serve de bandeira até hoje para a entidade representativa do magistério que se esquece de leis e ações do hoje sen. Álvaro Dias, em favor da classe, ele próprio, dela emergente.

  9. Célio Heitor Guimarães

    Belíssimo e comovente texto, grande Zé Maria! Só ficou faltando nominar cada um dos personagens, episódio por episódio. Acho que depois de 20 anos isso é possível. E necessário. Tive um amigo muito querido, primo de minha mulher, um talento nato para a política, campeão de popularidade e de votos, desgraçadamente envolvido naquele incidente. Nunca entendi como isso foi acontecer. Ou até posso entender, em parte. Mas não me conformei até hoje. Nós, do lado bom da Força, ficamos com Maurício até o fim. Perdemos, mas não a dignidade nem os sonhos – estes agora reativamos com o bravo Gustavo. Precisamos fazer o que for necessário para que esse menino cumpra o seu glorioso destino.
    P.S. – Você nunca soube, Zé, mas fui seu eleitor. A primeira vez, a pedido de um amigo comum, o notável Aquiles Pimpão.

  10. Conde Edmundo Dantas

    Pelas palavras do Frederico aí de cima é ele o Oficial da PM que mandou descer o cacete no professorado. O Secretário da Segurança na época era Antônio Lopes de Noronha, fez uma administração medíocre na segurança, porém esta ele não deve; a Rede “Bobo” captou o momento em que ele é surpreendido pela operação de repressão aos professores.

  11. Olavo

    Esses relatos são lindos mas passionais.
    É o lado da verdade dele. Literatura pura.
    A imagem do fato que ficou, ficou.
    Querer passar a limpo a história agora é bobagem.

  12. José Maria

    Obrigado. todos pelas críticas e pelas palavras positivas , relatei tudo que vivi , nada inventei e muitos jornais da época noticiaram os episódios, é a minha leitura da história e evidentemente cada um tem direito à própria versão. Bom Natal a todos, Paz, Fraternidade e Liberdade de expressão, graças ao Zé Beto, é claro.

  13. Aramis Cordeiro

    Mauricio Fruet foi um politico serio e honesto e muito popular e simples seu filho Gustavo Fruet segue o mesmo caminho

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