7:52Dos “corruptus” aos “arrogantis”

por Célio Heitor Guimarães

Se o mal que tem atacado os políticos e administradores públicos vem da água do cerrado brasiliense – uma bactéria chamada “corruptus insaciavis”, de fácil detecção, mas difícil, muito difícil, erradicação –, o mal da magistratura deve estar na textura das togas, um pólen venenoso oriundo, provavelmente, das tumbas egípcias ou do império romano, conhecido como “arrogantis aeternum”.

Ambos fazem parte do grupo de agentes submicroscópicos infecciosos, moléculas complexas autocatalíticas, compostas de ácidos nucléicos, comparáveis a genes, capazes de reproduzir-se por multiplicação em células vivas e que causam graves doenças ao homem.

O primeiro é velho conhecido dos brasileiros e extremamente resistente a qualquer tratamento, posto que se adapta com facilidade ao organismo humano, em qualquer ocasião ou circunstância, não discriminando ideologias, partidos políticos, raças ou credos religiosos. Hoje, tem o seu habitat natural em Brasília, no Planalto Central, mas pode-se dizer que, desgraçadamente, já é considerado uma praga nacional.

O segundo é próprio dos que julgam, daqueles que têm o destino dos outros nas mãos. E é exatamente isso que o alimenta, faz crescer desordenadamente, sem controle. É autoimune a qualquer tratamento, tem proteção classista e o que mais dificulta qualquer medida profilática é a não admissão da contaminação pelos contaminados. Como decorrência, eles têm os sentidos atingidos, perdem o bom senso, o equilíbrio e a serenidade, sentindo-se acima da lei e da ética e colocando em risco a própria atividade profissional.

Um exemplo dos efeitos desse segundo lamentável vírus está nos jornais de segunda-feira. Notícia procedente de São Paulo nos dá conta de que, em festa ocorrida no Clube Atlético Monte Líbano, no dia 1º deste mês, a Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) distribuiu aos juízes estaduais presentes oferecidos por empresas públicas e privadas. Entre os mimos, havia automóveis, cruzeiros, viagens internacionais e hospedagens em resorts, com direito a acompanhante.

Embora o CNJ reprove esse procedimento, por colocar os homens da toga sob suspeita, e a ex-corregedora-nacional Eliana Calmon tenha tentado, sem sucesso, regulamentar patrocínios privados em eventos de juízes (para ela, o único presente que um juiz pode receber é uma promoção dada pelo tribunal), os magistrados paulistas defendem tais acontecimentos, alegando que a Apamagis é uma entidade privada. E acrescentam que o interesse das empresas patrocinadoras é apenas “mercadológico”, não comprometendo a independência dos juízes. Então, tá! A Apamagis pode ser uma entidade privada, mas os eminentes juízes são agentes públicos.

O fato me fez lembrar de um episódio ocorrido comigo, quando participava da administração pública estadual. Eu dirigia o Departamento de Patrimônio do Tribunal de Justiça do Paraná, setor então encarregado da compra de materiais, execução de obras e serviços e da promoção de licitações públicas.

Um dia, em reunião de diretoria, fui repreendido publicamente por um eminente ex-presidente do egrégio, já falecido:

– Soube que você devolve todos os brindes e presentes, como cestas de Natal, que recebe. Não vejo por que. Você acha que se eu receber isso vai afetar as minhas decisões?

Quer dizer: ele recebia e ficava com eles. Eu poderia ter-lhe dito que não aceitava porque entendia não ser correto recebê-los, porque esse era o meu modo de ser e até porque a lei proibia o recebimento de tais cortesias, mas preferi ficar quieto. Ele não entenderia. Era portador do “arrogantis aeternum”.

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4 ideias sobre “Dos “corruptus” aos “arrogantis”

  1. Fausto Thomaz

    Célio, aqui no TC tem tanta dessas espécies, que um deles tem até freezer próprio para guardar os tais “presentinhos”…..carneiros e afins.

  2. Célio Heitor Guimarães

    E os insignes conselheiros não usam togas, meu caro Fausto? E ainda acham que estão certos… É o “arrogantis aeternum”.

  3. Palhares

    “Dos “corruptus” aos “arrogantis”” , como a excessão tornou-se regra nessas instituições repúblicanas e, os homens que fazem a lei nesse país esconderam-se atrás do biombo da impunidade deixando correr solto essas praticas nefastas, que os doutos(TCE/MPF/TJ/TF/STF e STJ) com ou sem toga, se coligaram e formaram um partido político só de direito e não fato, por isso a nosso país está a tornar-se uma República Judicial, e de maõs dadas com TFP/Opus Dei/Maçonaria/Iluminatti/Igreja Católica Conservadora/Barões da Mídia….e pastores evangelhivos homofóbicos. Tenho dito!!!!

  4. Bene

    Célio, parabéns, esse é um mal do judiciário, ministério publico e outros setores do poder. Mas tem uma frase que diz o seguinte: “Após o jogo de Xadrez terminar, Peões, Bispos, Dama e Rei voltam para a mesma caixa” esse é o fim de todos e estes arrogantes não reconhecem isto.

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