15:17Nunca houve um baterista como Ginger Baker

por André Barcinski, da Folha.com

Confesso que conhecia pouco sobre Ginger Baker. Sabia que ele era um grande baterista, que tinha tocado no Cream e no Blind Faith, claro, e passado algum tempo com o grande Fela Kuti na África.

Por isso, foi um choque tão grande assistir a “Beware of Mr. Baker”, documentário do americano Jay Bulger. Foi uma revelação. Ginger Baker surge como um dos personagens mais fascinantes – e irritantes – da música pop dos últimos 50 anos.

Rebelde precoce, perdeu o pai na Segunda Guerra, aos 4 anos de idade, uma tragédia que marcaria o menino para sempre. Ginger cresceu obcecado por jazz e pelo som das big bands americanas. Aos 15, conheceu o grande baterista inglês Phil Seamen, que o apresentou a duas companheiras que o acompanhariam por toda a vida: percussão africana e heroína.

Depois de tocar com o blueseiro Alexis Korner – onde tirou o lugar de um baterista “com o qual ninguém estava muito satisfeito”, um tal de Charlie Watts – Ginger passou alguns anos no grupo Graham Bond Organisation, onde ganhou fama de exímio instrumentista e de encrenqueiro.

Em 1966, juntou-se a dois outros monstros instrumentistas, Eric Clapton e Jack Bruce, no Cream.

A entrevista de Eric Clapton é reveladora. Ele diz que se sentia tolhido – e estamos falando de Eric Clapton, o “Deus” – tocando entre dois gênios ególatras como Baker e Bruce, que ficavam o tempo todo tentando superar um ao outro e chegavam a sair na porrada no palco.  Nenhum grupo era grande o suficiente para tanta genialidade – e tanto ego.

As imagens de arquivo do Cream são impressionantes. A platéia parece sempre embasbacada com tanto virtuosismo.

Carlos Santana diz que o Cream foi uma das melhores bandas que jê viu ao vivo: “Eles chegaram, ligaram os instrumentos, e tocaram o que só posso chamar de ‘música supersônica’”, diz o guitarrista mexicano. “E por ‘supersônica’, quero dizer música que você toca sem saber de onde veio, que só pode ter vindo de algum lugar misterioso dentro da alma. Foi um choque.” Não à toa, diz outro entrevistado, o Cream era a única banda com quem Jimi Hendrix gostava de fazer “jams”.

Quando o entrevistador pede a Eric Clapton para comparar Ginger Baker a dois outros bateristas frequentemente citados como os melhores do rock, John Bonham (Led Zeppelin) e Keith Moon (The Who), a cara de espanto de Clapton diz tudo: “Não tem comparação. Esses dois são grandes bateristas, mas Ginger habita outra esfera. É um músico completo, um grande arranjador, não dá para compará-lo a ninguém.”

O próprio Ginger, sem nenhuma modéstia, esclarece: “Bonham tinha grande técnica, mas não tinha suingue. Se Bonham e Moon estivessem vivos, eles mesmos diriam que não chegavam perto de mim”.

Bateristas como Neil Peart (Rush), Stewart Copeland (The Police), Nick Mason (Pink Floyd), Chad Smith (Red Hot Chili Peppers) e Lars Ulrich (Metaliica) falam do choque que foi ouvir Ginger Baker pela primeira vez. E quando Ulrich diz que o Cream “ajudou a inventar o heavy metal”, Baker retruca: “Heavy metal? Aquela merda deveria ter sido abortada!”

Baker sempre se viu como um baterista de jazz. Para provar que não devia nada a nenhum percussionista, promoveu duelos inesquecíveis com lendários bateristas de jazz como Art Blakey, Elvin Jones, Max Roach, e com o amigo Phil Seamen. As imagens de arquivo desses duelos são de chorar.

De chorar também são imagens em que Baker aparece chapado e delirante. Numa delas, em um programa de TV ao vivo, está tão anestesiado de heroína que cai de costas do banquinho da bateria e levanta às gargalhadas.

Em 1970, depois do fim do Blind Faith, supergrupo que montou com Clapton e Steve Winwood, Ginger simplesmente desaparece da Inglaterra. Sem avisar a ninguém – nem à mulher e aos filhos – ele decide explorar a música africana e se muda para a Nigéria, onde conhece Fela Kuti, astro do “Afrobeat” e ativista político. Ginger passa os seis anos seguintes em Lagos, anestesiado de drogas, música e “groupies”.

Baker gravou discos com músicos africanos e gastou uma fortuna montando o primeiro estúdio de 16 canais da Nigéria, mas precisou sair correndo de Lagos depois de brigar com Fela. O motivo? Sua obsessão por cavalos e pólo, esporte que Fela via como passatempo das corruptas elites do país.

Ginger volta à Inglaterra e à família, para depois abandonar tudo de novo por uma amante de 18 anos.

O produtor Bill Laswell, que recebera de John Lydon a missão de encontrar Baker e convidá-lo a tocar no Public Image Ltd., lembra que encontrou o baterista morando em um casebre perdido numa região montanhosa da Itália. “O lugar era um barraco”, lembra Laswell. “Não tinha luz, não tinha água, não tinha nada. Ginger só tinha uma bateria, que tocava e cujo som ecoava por milhas e milhas naquelas montanhas. Ele tocava, e logo depois você ouvia a voz de um camponês, gritando, ao longe: ‘Ginger! Toca ‘White Room’!”

As aventuras não param por aí: Ginger depois vai a Hollywood, onde atua em filmes de ação de quinta categoria (veja a impagável cena dele com a metralhadora, no trailer) e chega a colocar um anúncio em jornais de Los Angeles, pedindo emprego em alguma banda. Triste demais.

O documentário encontra Ginger Baker, em 2008, morando na África do Sul. Parece um velhinho inofensivo, caminhando pelos jardins e afagando os cavalos que cria. Mas basta o entrevistador fazer uma pergunta que o desagrada, que o velho Ginger ressurge, e simplesmente ataca o jornalista com uma bengala. Assustador.

Espero que alguma boa alma programe esse documentário para algum festival por aqui. A história de Ginger Baker não pode ficar tão bem guardada.

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