12:20O artigo

por Mauricio Gomm Santos

Monsieur Le Consul à Curityba…

…sa  Femme, La Danse et le Quartier Batel

Com indisfarçável satisfação e emoção, chegou-me o vídeo da música “Monsieur Le Consul à Curityba, bem como o texto do caminho percorrido em 1964 pelo dentista Arlindo Furtado, tio do médico curitibano Paulo Furtado, para recuperá-la.  A música ganhou o prêmio no festival de Deauville na França em 1950, e, como diz no texto do email recebido, homenageia meu avô, Harry Blas Gomm, industrial e consul inglês em Curitiba durante as décadas de 40 e 50. De forma lúdica e cândida, a letra descreve alguém que está no Brasil em uma cidade pequena e charmosa, um canto tranquilo onde a vida é doce e que se chama Curityba. Cresci com minha mãe comentando esta música. Ouvi várias vezes a sua história, mas somente agora, através do lado positivo da internet, escuto a canção, em melodia ingenuamente bucólica. A conquista do prêmio em Deauville pode ter sido um dos primeiros reconhecimentos internacionais de nossa Curitiba.

De fato, a casa – chamada por todos da família como a Casa do Batel – onde residiram minha bisavó Isabel Withers Gomm e meus avós Harry Blas Gomm e Luisa Bueno Gomm, marcou época em Curitiba. Situada no meio de um bosque, e, como diz a letra da música, entre magnólias e resédás, foi palco de diversas reuniões da sociedade curitibana no genuíno estilo open house. Muitos estrangeiros que visitavam Curitiba desfrutavam da hospitalidade do casal Gomm. Nela, no início dos anos 50, meus avós celebraram, em tempo real, a coroação da Rainha Elizabeth II. A Casa do Batel recebeu a clínica do saudoso médico Egas Izique antes de ser vendida, em meados dos antos 80, aos empresários Salomão Soifer e Gustavo Bermann. Em um passado mais recente, sediou uma das primeiras edições da Casa Cor. Os momentos  ímpares da  Casa do Batel que  espelham  a  Belle Époque em Curitiba, e sobretudo sua história e arquitetura peculiar estilo Nova Inglaterra,  levaram a seu tombamento pelo Patrimônio Histórico Cultural.

A fase áurea da  Casa  do Batel teve  direta participação da minha vó Luisa Gomm. Poliglota –

falava fluentemente 6 idiomas – em decorrência de funções diplomáticas de sua pai, o embaixador

Lucillo Bueno, foi a primeira mulher a tirar o brevet no Paraná. Apaixonada por esportes, sagrou-se a

primeira campeã de golf do Paraná, além de adepta da prática do tênis, esgrima e equitação. Mas, sua

vida e obra foram (bem) mais além: Na época de isolamento das populações do interior por falta de

estradas, Luisa Gomm realizou formidável empenho na construção de campos de pouso em diversos

pontos do território nacional e idealizou a organização de centros de assistência sanitária para trazer

auxílio médico às populações rurais, cujo modelo foi adotado por diversos Estados brasileiros. Como

aviadora, Luisa Gomm, foi escolhida em 1949 para conduzir o avião italiano “Angelo dei Bimbi” que

atravessou o Atlântico com propósitos humanitários. Em reconhecimento aos serviços prestados, em

1967, o governo italiano condecorou-a com a Ordem do Mérito Civil no grau de Cavalheiro. Como

“General Manager of the Art for World Friendship of Brazil”, realizou inúmeros intercâmbios de arte das

crianças brasileiras com outros países, para fomentar laços de amizade das nações, então divididas no

mundo pelo confronto da então Guerra Fria. Durante o I Congresso Florestal brasileiro teve sua acolhida

a sua tese “Da Necessidade de Medidas Práticas na Política Florestal”, sendo que muitas das suas

sugestões serviram de subsídio à legislação de proteção ao meio ambiente. Durante os anos da II Guerra

mundial, integrou a 1ª. Turma de samaritanas da escola de enfermagem “Isabel W. Gomm” e teve

destacada atuação, reconhecida com a outorga da Medalha de Prata da Cruz Roja Espanhola e Medalha

de Mérito da Cruz Vermelha do Paraná.

Em 1964 foi incluída entre as quinze mulheres líderes do Brasil, convidadas pelo governo dos

Estados Unidos da América. No mesmo ano, o então governador do Estado do Paraná, Ney Braga

convidou-a para organizar e exercer o cargo de Chefe do Cerimonial do Palácio Iguaçu. Seu curriculum é

vasto, e o que mais impressiona é o fato de que suas realizações, em diversas áreas, tenham ocorrido

em uma época em que o papel da mulher era essencialmente ficar no lar e para o lar. Sem dúvida, Luisa

Gomm, mãe de 5 filhos, foi uma mulher à frente de sua época. E como ela costumava dizer  “o

importante desta vida é fazer algo pela vida em vida.” Desimcumbiu-se com  maestria, elegância e

humanismo a missão que a si se impôs.

O embaixador Carlos Bueno, irmão da D. Luisa Gomm, em uma de suas vindas a Curitiba,

ofereceu ao então prefeito Cassio Taniguchi doar a Curitiba a réplica da escultura “La Danse” feita pela

sua saudosa esposa Alicinha Pittaluga Bueno desde que instalada no local projetado para a Praça Luisa

Gomm que se encontra demarcada entre as Ruas Francisco Rocha e Des. Costa Carvalho na altura do

terreno do imóvel onde está sendo construído o Shopping Patio Batel. A Câmara há anos aprovara o

projeto de iniciativa da então vereadora Rosa Maria Chiamulera e o decreto do executivo já foi assinado.

Falta apenas ser implantada. Não me parece haver incompatibilidade com as obras civis do Shopping.

Pelo contrário, valoriza e muito aquele espaço. Para se ter uma idéia do calibre da artista, as obras da

Alicinha Bueno estão no Palácio Imperial em Toquio, Lincoln Center em NY e no Jardim Botânico no Rio.

“A Danse”, composta por um conjunto de 4 dançarinas  é  baseada na obra de Matisse, acha-se à

disposição de Curitiba, porém está provisoriamente guardada em depósito no Jardim Botânico do Rio de

Janeiro esperando ser chamada para a Praça Luisa Gomm. Por enquanto, não se tem nem uma, nem

outra. É um crime cultural!

No momento em que se executam as obras de construção do shopping, a tombada  Casa do

Batel precisa ser ressuscitada, assim como implementada a Praça Luisa Gomm, resgatando um pouco da

história do local, e, por consequência da cidade. Tudo, por óbvio, sem competir, atrapalhar ou agredir a

suntuosidade do Shopping. Esta é a hora de  conciliar o inevitável modernismo  com o incomensurável

caráter histórico e cultural do imóvel. Ambos podem conviver sinergicamente. A Europa que o diga!

Parabenizo o empresário Salomão Soifer que há mais de 20 anos sonha em construir no terreno

do Batel o seu “Arco do Triunfo” do setor de shopping centers. O local, no entanto, não deve apagar a

história e sepultar cultura. Oxalá os Poderes Privado e Público, no momento em que celebrarem a

inauguração da “jóia da coroa” dos Shopping Centers, comemorem igualmente a recuperação da Casa

do Batel, e façam “dançar” na pequena Praça Luisa Gomm a obra da renomada artista Alicinha Bueno.

Aqueles que conheceram e viveram  no  Quartier Batel – bem como as gerações futuras  – hão de

agradecer por ver no local o resgate da memória da Casa do Batel, do Sr. Consul de Curityba e de uma

excepcional mulher que muito contribuiu com a dimensão internacional da nossa capital.

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5 ideias sobre “O artigo

  1. Ricardo Almeida

    Vamos em frente, Maurício, conte comigo, farei o que puder pela casa e pela praça!
    Ricardo Almeida

  2. Rosina Parchen

    A Casa GOMM acaba de ser recuperada! Está magnífica novamente.
    Sediará as Coordenações do Patrimônio Cultural e do Sistema Estadual de Museus, da Secretaria de Estado da Cultura, muito em breve. A Praça deverá ser executada até março de 2013. O local será mais um belo espaço para Curitiba.

  3. Guido Viaro

    Que história linda, infelizmente tão desconhecida da maioria de nós. A praça e a estátua são o mínimo que a comunidade deveria fazer para cultivar um pouco da memória de quem plantou árvores frondosas. Sem memória não há cidade.

  4. Vera M Fischer

    Me emocionei ao ouvir a história que fez parte da minha infancia e adolescencia. Fui bandeirante, e a casa do Batel e Luisa Gomm lá nos recebeu; Realizamos um delicioso acantonamento! Foi fato inesquecível conhecê-la! Ninguém como ela com o espírito bandeirante para promover encontros tão estimulantes!

  5. Pingback: A história do Bosque Luísa Bueno Gomm | Blog do Parques e Praças de Curitiba

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