13:19O Poder dos Poderes

por Janio de Freitas*
EM SEU primeiro ato de despedida, o ministro Ayres Britto transmitiu sobre o Judiciário a opinião de um Poder que se distingue, nos três Poderes, pelos sacrifícios com que se dedica à sua missão sem, por isso, receber o reconhecimento e, muito pior, a compensação pecuniária:  “O Poder Judiciário é o mais cobrado, o mais exigido e o menos perdoado”, resumiu o presidente do Supremo Tribunal Federal. Logo iria pedir a inclusão de aumento do Judiciário no Orçamento de 2013.

A visão desde as alturas é muito especial, sobretudo quando se trata da pirâmide humana – seja composta por motivo de posses, de cultura, profissionais e outros. De fora do cume, não se percebe outro Poder mais “cobrado” do que o Executivo, tanto em seu nível federal, como no estadual e no municipal.

Ao Executivo segue-se o Legislativo, cujo conceito rasteiro sobre os políticos e os partidos diz o suficiente a respeito do seu Poder e das benesses de que desfrutam. Já o Judiciário é aquele Poder do qual é comum os cidadãos esperarem uma definição por 10, 20, até 30 anos. Há pouco houve menções a uma causa com meio século de hospedagem nos recantos do Judiciário. Uma ação trabalhista pode durar cinco e mais anos. Sobre o Supremo mesmo, há dias foi noticiado que se aproximam das três mil as ações que esperam, em suspenso, os acórdãos devidos pelo STF. Os vencedores não sabem quando sairão.

O volume de trabalho nos juizados é grande, sim, e não é incomum que julgadores correspondam à dedicação necessária. Mas, como ministra-corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon teve a eficiência e a coragem de expor realidades clamorosas (há quanto tempo esse ruim adjetivo estava sumido, desgastado por tantas aplicações cabíveis) de todos os tipos e no Judiciário pelo país afora.

Essas realidades só existem em razão de um fator: o Judiciário não é “exigido” em nada e por ninguém. Nem pode sê-lo. O povo e os outros dois Poderes não têm como exigir-lhe coisa alguma -assim o regime o exige. Nem sequer pode influir em sua composição: para a primeira e a segunda instâncias há concurso e, também para a segunda e as últimas, há a escolha e o lobby.

O “menos perdoado”? Se nada é “cobrado”, nada é ou pode ser “exigido” -a despeito do que todos sentem e o próprio Conselho Nacional de Justiça reconhece-, o perdão é, na prática, absoluto. E até premiado. Nenhum dos Poderes goza de mais conforto e maior luxo, nos seus níveis superiores, do que o Judiciário.

Os três Poderes estão em dívida enorme com o país. Todos muito aquém, nos seus respectivos níveis, do que lhes caberia em reciprocidade mínima pelo que recebem graças ao sistema tributário injusto. Mantido por ação conjunta dos três.

DE JUSTIÇA
O ministro Gilmar Mendes cometeu uma injustiça com José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça. Acusou-o, na sessão de ontem do STF, de afinal referir-se ao estado medieval das cadeias brasileiras. Há muitos e antigos registros de críticas combativas, e muito mais fortes do que a recente, feitas por Cardozo aos sistemas prisional e policial.

De Gilmar Mendes só constam críticas ao sistema prisional a partir de sua chegada ao Conselho Nacional de Justiça, quando providenciou uma varredura que encontrou mais de 20 mil presos com sentenças extintas.

*Publicado na Folha de São Paulo

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2 ideias sobre “O Poder dos Poderes

  1. Jibóia, o adivinho

    O Poder Judiciário brasileiro é o mais monárquico dos poderes, o juizado especial não funciona e é um manah para as grandes empresas que extrorquem os consumidores. A justiça comum não atende os reclamos da sociedade, as ações demoram mais de 10 anos para se finalizarem. A justiça federal é para os ricos. Os tribunais superiores são manjestáticos e os juízes se acham Deuses e Divindades numa terra em que reinam soberanas as injustiças.

  2. Calos

    Zé, segundo foi divulgado pela imprensa, ele vai continuar a morar em Brasília, para depois continuar advogando.
    Olha que interessante este texto, para refletirmos sobre os dias de hoje:

    Antonio Augusto BORGES DE MEDEIROS (1863-1961) governou o Rio Grande do Sul por cinco mandatos. Ao completar os dois primeiros, proibida a segunda reeleição, passou o cargo ao sucessor e recolheu à fazenda que sua esposa herdara do pai. Saiu sem emprego, economias, fortuna ou pensão e decidiu ser agricultor de arroz. Precisou pedir empréstimo bancário. A seguir a narrativa de João Neves de Fontoura em suas memórias (Borges de Medeiros e seu tempo, vol. 1, Ed. Globo, P. Alegre, 1969, p. 111).
    Durante os cinco anos do governo Carlos Barbosa [sucessor eleito por B. de Medeiros], a situação financeira do chefe republicano [BM], que não dispunha da menor receita nem exercia o mais modesto emprego, não fez senão piorar, a tal ponto que sua esposa começou a costurar para fora. No Brasil não se conhece exemplo semelhante. No entanto, o senhor Borges de Medeiros tinha a chave da prosperidade nas mãos. Bastaria que abrisse uma banca de advogado.
    Essa sugestão recusou-a tenazmente aos que a lembravam, como solução natural para suas dificuldades. Fundava-se principalmente em que o exercício da profissão, perante os tribunais, colidia com a direção do partido situacionista. Ademais – dizia sempre aos íntimos – fôra ele quem nomeara todos os juízes e auxiliares da Justiça em exercício. Mesmo quando decidissem acertamente em favor de seus clientes, não estariam livres das interpretações malignas.

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