7:23As bibliotecas privadas

por Célio Heitor Guimarães

Agora que Gustavo Fruet já se tornou o novo prefeito da Capital e consolidou-se como a maior liderança política do momento no Paraná, e que o Osama garantiu mais quatro anos na Casa Branca… Aliás, vocês viram a cobertura dada pela Globo às eleições norte-americanas?! Coisa de colônia!… O “Jornal Nacional” e o “Jornal da Globo”, além da movimentação desusada do pessoal já sediado em Tio Sam, despacharam para Washington os seus dois famosos Williams, o Bonner e o Waack – apenas para fazer lá o que bem podiam fazer aqui.E a Globo News, então?! Manteve o “Jornal das 10” conectado madrugada a dentro, em ambiente de pura aflição, até o resultado final!… Nem a chegada do furacão Sandy à costa leste dos mesmos EUA foi capaz de tamanha performance. O Império sentiu-se grato!

Mas, como eu dizia antes do registro do brutal esforço de reportagem da Vênus Platinada, concluídos os embates eleitorais, é hora de tratar-se de algo mais ameno, ainda que não menos sério.

Dia desses, revendo no You Tube o inesquecível Ronald Golias, que tanta falta está fazendo à triste televisão nacional, lembrei-me de um ilustre membro da família Guimarães: o Bartolomeu, um velhinho adorável de cavanhaque e longos cabelos brancos, criado com perfeição por Golias.

Bartolomeu pensava ser o Brasil ainda governado pelo marechal Deodoro da Fonseca e era fixado em banheiros. “É o local onde o homem se encontra consigo mesmo” – refletia ele, nos textos escritos por Carlos Alberto da Nóbrega.

Rubem Alves, o meu filósofo favorito, têm opinião semelhante. Para ele, o banheiro é “um refúgio, um santuário da solidão”, “um lugar de liberdade e honestidade”.

O Rubem, porém, implica com a mania do brasileiro de chamar privada de banheiro. Aqui, se alguém, em situação de necessidade, indagar “onde fica a privada”, receberá como resposta uma correção inicial de boas maneiras: “Ah, o senhor quer saber onde fica o banheiro… Fica no final do corredor”. E o necessitado poderá até ficar intrigado, imaginando-se malcheiroso: “Banheiro?! Mas eu já tomei o meu banho hoje…”

Aí, chegará ao “banheiro” e constatará que o indicante é que estava equivocado. Ali não haverá nem banheira nem chuveiro. Só uma privada (e uma pia para lavar as mãos) – exatamente o que ele estava procurando.

Rubem adverte que, entre nós, não é educado chamar privada de “privada”. Só de “banheiro”. Ou de “toilette”, que, segundo os dicionários, é o “ato de lavar, pentear e vestir”. No meu tempo de criança, privada era “casinha” e ficava no fundo do quintal. Mas isso já é outra história.

Por isso, o Rubem propõe – como mais uma de suas inúmeras revolucionárias teses – que se recupere a dignidade da palavra “privada”. Sustenta que “as privadas podem se tornar lugares desemburrecedores, que excitam a inteligência”. Até porque as privadas, onde ninguém tem o direito de nos interromper, é um lugar excepcional para a leitura. Concordo plenamente. Por experiência própria, confesso. Uma privada é altamente inspiradora.

Também por isso, apoio com entusiasmo a ideia de que pais e mães, em nome da educação de seus filhos e da sua própria, transformem as privadas em bibliotecas. Uma minibiblioteca, é claro, mas “suficiente para operar grandes transformações nos que lêem enquanto assentados no trono”. Com uma vantagem acessória: as privadas, em vez de serem chamadas eufemisticamente de banheiros, poderiam ser chamadas de“bibliotecas privadas”.

E não haveria a necessidade de grandes modificações. Nem de grandes investimentos. Bastaria a introdução de uma pequena estante, fixada ao alcance das mãos da pessoa ali assentada.

Como sugestões de leitura, Rubem indica um livro com as tirinhas de Calvin, “uma pitada de sabedoria infantil no mundo louco dos adultos”, ou do bravo gaulês Asterix. Na minha biblioteca privada, o destaque principal seria o próprio Rubem Alves, mestre na escrita e na arte de pensar, um homem que tem um caso de amor com a vida e que, aos 78 anos de idade, é apenas uma criança que se recusou a virar adulto.

Aí, os “banheiros” seriam efetivamente templos de duplo prazer: fisiológico e intelectual.

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