6:58Salada de putas

Ilustração de Theo Szczepanski

por Rogério Pereira

Minha casa é um alegre prostíbulo. Sou o único culpado, confesso. Quando cheguei do trabalho, ela segurava uma faca. Olhou-me com espanto e certa ironia. O movimento das mãos era lento, despreocupado, mas certeiro. Pequenos pedaços coloridos boiavam no fundo da tigela plástica. No sofá, minha filha tentava disciplinar sua escolinha imaginária. Várias alunas descabeladas assistiam à aula de desenho. “É coisa do seu filho”, disse-me atenta ao corte milimétrico, sem me dar qualquer chance de questioná-la. Naquele início de noite, a casa era silêncio e expectativa. Algo estranho acontecia ali. A geladeira entreaberta deixava escapar um fio de claridade fria, sem textura. Minha mulher, concentrada na exigência do filho de três anos. Era preciso atendê-lo. Queria seguir os passos noturnos do pai, fortalecer a rotina caseira e afetiva.

A coisa é bastante simples. Basta cortar em pedaços pequenos e jogar na tigela. Quanto mais colorido, melhor. Desnecessário o glamour. Os pontos multicoloridos criam um pastiche de Pollock com rapidez espantosa. Ao fim, mel, granola e iogurte. Tudo misturado ao mesmo tempo, com métrica e paciência.

Feito um terremoto, ele apareceu na cozinha. Um carrinho em cada mão, gritou com as palavras em construção: “Já fez?”. Ao me encontrar, descarregou toda a sua descoberta: “Papai, homens comem putas. Eu também sou um pai. Os pais comem putas à noite. Eu quero as minhas putas. Você come sempre. Eu também vou comer”. Não me restou alternativa: abracei-o e coloquei-o em pé na cadeira ao meu lado. Retirei a faca das mãos de minha mulher e continuei a tarefa. Cortei manga, ameixa, pêssego, maçã, banana, kiwi e uva. Envolvi tudo com mel, granola e iogurte. Separei em duas tigelas de cores distintas. Levei-o no colo até a sala. Acompanhamos o fim da aula de desenho. As alunas logo iriam dormir amontoadas numa caixa.

Agora, todas as noites, sentamos no sofá lado a lado. Cada um com sua tigela nas mãos. Nossa salada de frutas tem sempre putas coloridas e doces.

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