17:45Golpes sortidos

por Ruy Castro

Em agosto de 1961, o presidente Jânio Quadros, insatisfeito com os poderes que lhe assegurava a Constituição, mandou ao Congresso uma carta renunciando ao cargo –na convicção, dizem, de que seria imediatamente reconduzido nos braços do povo que o elegera um ano antes. Mas bastou a Jânio se levantar da cadeira para que o presidente da Câmara dos Deputados se sentasse nela, como previsto. O Congresso aceitou a carta e a renúncia. O povo limitou-se a assistir.

Enfim, se já era presidente, para que dar um golpe em si mesmo, na duvidosa expectativa de voltar como um superpresidente? Jânio viu coisas onde elas não existiam e, provavelmente, em dobro.

A 13 de março de 1964, uma sexta-feira, seu sucessor, o presidente João Goulart, fez um comício gigante diante da Central do Brasil, para defender as reformas –agrária, urbana, tributária– que tentava emplacar em seu governo. Queria demonstrar força. Quem não se impressionou foi seu antigo colega de governo, o ex-presidente Juscelino Kubitschek, que perguntou: “Se já é presidente, para que fazer comício?”.

Duas semanas depois, Jango, como o chamavam, foi deposto pelos militares. O comício não lhe serviu de nada, exceto para assustar seus inimigos –que enxergaram nele a preparação para um golpe e o pretexto de que precisavam para o seu próprio golpe.

Nos dois casos, as vítimas desses golpes reais ou imaginários foram presidentes da República, em pleno exercício do mandato e formalmente trajados para tal. Bem diferentes do ex-presidente Lula, que, segundo seus correligionários, está sendo objeto de uma tentativa de golpe, com o julgamento desse mensalão que tanto o estomaga. Mas como se depõe um ex-presidente?

Não se pode mandá-lo para casa, porque é lá que ele já costuma estar. Só se o obrigarem a vestir o pijama.

*Publicado no jornal Folha de São Paulo

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2 ideias sobre “Golpes sortidos

  1. Peixotinho

    Essa “intelectualidade” nativa tem dito aos quatro ventos que esse julgamento do (alegado) Mensalão do PT é um divisor de águas. Tentam comprovar a idéia rasa dizendo que “nunca antes se puniu politico no Brasil”.

    Ora, politicos sempre foram presos, julgados, condenados e punidos no Brasil! Pergunte a Tiradentes! Pergunte a João Sabino! Pergunte a Zumbi!

    Pergunte a Prestes! Pergunte a Lula! Pergunte a Brizola! Pergunte a Dilma! Politico brasileiro integro, de um modo geral tem que ter folha corrida!

    Não perca seu tempo perguntando a ACM Neto ou Ávaro Dias. Eles jamais foram presos, julgados, condenados ou cumpriram pena porque são honestos, claro…

    Julgamento histórico não é esse, um julgamento comezinho, banal, quase rotineiro na história politica do país. Julgamento histórico pode ser ou será o próximo! Qualquer um dos que esta na gaveta de ser julgado pelo STF, esse será o “julgamento histórico”.

    Será histórico o julgamento que reproduzir com quem não é de esquerda, o rigor que é dispensado aos Waldir Pires ou Joões Cândido. Rigor, enfim, usual, comum, banal. Republicano.

    A porta da frente da história é simples e larga para ser penetrada, mas, como é dificil de e raro de ver isso acontecer…

  2. Carlos Maia

    Esse Peixotinho deve estar sentindo no bolso o julgamento do mensalão. Bela retórica para justificar o injustificável. Deve ser, concertada, mais um dos intelectualóides aloprados que viam Cristo em Lula, hipnotizados pela barba…

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