6:25A decência é perigosa – a confirmação

por Célio Heitor Guimarães

Alguns dos dezoito que se dão o trabalho de ler as bobagens que aqui escrevo estranharam o meu comentário da semana passada (Decência não compensa, 23.08). Acharam o texto excessivamente pessimista e o autor um derrotista consumado. Houve alguém que até gostou, como foi registrado neste espaço do Zé Beto. Mas outros registraram o seu inconformismo, em mensagens diretas ao supra-assinado. Um deles, com alguma razão, taxou a minha visão de maniqueísta. Justificou: “A virtude sempre esteve no equilíbrio, no meio termo, e é assim que procede a maioria das pessoas. Felizmente”.

Para quem não leu ou não lembra mais, reproduzo parte do que escrevi: “(…) acho que, finalmente, compreendi por que o Brasil não tem tido jeito e o brasileiro comum não deslancha. Aqui, a decência não compensa. Trabalho, honradez, caráter, ética e solidariedade também não”.

Em seguida, discorri sobre a diferença entre o cidadão que trabalha e passa toda sorte de privação por levar a vida com seriedade e aqueles espertinhos que vivem de trambique, esperteza e safadeza, em regra sob as benesses do Estado, ao qual não servem, mas dele se servem, sem o menor pudor. Estes – conclui – vivem felizes, realizados, são respeitados e invejados e, quando morrem, morrem felizes, deixando um belo patrimônio para os descendentes.

E aí coube uma pergunta final: “Sabe o leitor por quê? Porque a safadeza, a esperteza, a corrupção, a falta de caráter e de compostura, a falta de ética, a indecência, a violência, a ociosidade e a malandragem compensam no Brasil. Hoje mais do que nunca”.

Ainda que não retirasse uma vírgula do que escrevi, eu estava prestes a concordar que exagerara um pouco, atribuindo o mau-humor de então ao inferno astral que vivia, como bom virginiano.

Foi quando tomei conhecimento, pela leitura da revista Veja das histórias de Danevita Magalhães e de Joel Santos, dois brasileiros como nós. Danevita era gerente do Núcleo de Mídia do Banco do Brasil. É o setor responsável pelo pagamento das agências de publicidade que fazem a propaganda da instituição. Um dia, chegou às mãos dela uma ordem de pagamento de R$ 60 milhões em favor da DNA Propaganda, do notório Marcos Valério. Como sabia que o serviço não fora nem seria realizado, recusou-se a liberar o documento  e denunciou a fraude. Resultado: foi demitida, passou a ser rejeitada pelos antigos companheiros petistas e ameaçada de morte. Apesar de contar com um currículo invejável, não conseguiu mais emprego, vive de favor na casa da filha, depende da caridade alheia, sofre de profunda depressão e só não deixou ainda o Brasil porque não dispõe de recursos para tal.

O caso do advogado Joel Santos Filho é parecido. Foi ele que gravou o vídeo em que Maurício Marinho, ex-diretor dos Correios, aparece recebendo propina e narrando como funcionava o esquema de arrecadação do PTB de Roberto Jefferson. Fez isso para ajudar um amigo, que estava sendo prejudicado pelos Correios. Não ganhou nada e ainda perdeu o que tinha. Teve documentos e computadores apreendidos e nunca mais devolvidos. Não foi acusado de nada, mas passou cinco dias na cadeia. Lá foi abordado por outro preso, que disse-lhe saber onde sua família morava e suas filhas estudavam. E por isso deveria calar a boca. Hoje, sustenta a família por meio de bicos.

Resta-me, pois, repetir a pergunta: sabe, o paciente leitor, o por quê disso tudo? Simples. Porque no Brasil, de algum tempo para cá, é perigoso ser honesto, cumprir o dever, combater a patifaria. Isto é, aqui, a decência não compensa.

P.S. – Entre as mensagens recebidas, uma veio acompanhada do pensamento de um outro advogado. Foi escrito em 1879:

“Quando na solidão do meu gabinete contemplo o Brasil que agoniza no leito das torturas que lhe armaram os desmandos do regime que nos rege. Quando escuto as investidas indecorosas que mutuamente se assacam os bandos políticos que, como lobos famintos, disputam entre si as migalhas de um poder degenerado; quando constato o estado de apatia coletiva que mais parece uma saliência do caráter nacional – enquanto o povo estorce-se nas garras aduncas da miséria, da ignorância e do vilipêndio; quando vejo a honra e o talento abatidos pela exaltação da mediocridade bem sucedida dos charlatães e pusilânimes da causa pública; e quando descortino o horizonte da impunidade e da desesperança – eu me pergunto: não haverá um único homem que, purificando o trato das instituições, sustenta a pátria que resvala para o abismo do qual irá encontrar seu esfacelamento? Como aterradora resposta, recolho o silêncio e o desânimo.” (Clóvis Bevilacqua)

Até existe, velho mestre. Mas, adianta?

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4 ideias sobre “A decência é perigosa – a confirmação

  1. Zacs

    De fato, a decência, nestes dias, não compensa, mas não pode, pelos honestos, ser dispensada. A melhor forma de controle do Estado ainda é o povo, uma vez que aqueles que o compõem não têm o interesse em vê-lo controlado, transparente e justo.

  2. Zangado

    Celio Heitor Guimarães:

    Quase sempre ao abordar-se o tema lembramos das palavras lapidares de Riu Barbosa “de tanto ver triunfar as nulidades …”

    Grato, portanto, por trazer à luz as palavras não menos excelentes do insigne Clóvis Bevilacqua, nem sempre lembrado como deveria merecer.

    Deveria ser gravada em granito no marco zero de todas as cidades deste país, para ver se desperta de vez esse gigante adormecido para a reflexão fundamental da situação da pátria.

  3. Wagner Wolff

    Essas pessoas tiveram suas vidas destruidas por um governo que está tentando se instalar definitivamente no País e que seus principais integrantes adoram falar que foram torturados e perssiguidos pelo regime miliitar .
    E isso que eles fizeram e fazem com essas pessoas e com outras mais que nem tomamos conhecimentos é o que se não uma Ditadura disfarçada .
    Será que um dia também faremos uma comissão da verdade para apurar tudo isso que está ocorrendo ou vamos esconder esses fatos como se nunca tivesse existido ?

  4. antonio carlos

    Prezado Célio. Não se desespere não, você é ou não brasileiro? É? E não sabe que só por ser brasileiro não se deve desistir nunca? Não viu o exemplo do 51? Ele teimou tanto até que conseguiu ser eleito presidente. E de teimoso que é, se reelegeu. Solidarizo-me com você, mas se até Clóvis Bevilacqua tinha dúvidas sobre o nosso futuro, não serei eu que farei diferente. Abraços e felicidades ACarlos

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