6:11Mais sinceridade, excelências!

por Célio Heitor Guimarães

Com todo o respeito às autoridades públicas envolvidas, está mais do que na hora de acabar com essa esperteza mascarada de legalidade. Chega de cinismo e hipocrisia! De um tempo para cá, pressionada pela ausência de reajuste salarial, a magistratura nacional, amparada em resolução do dinâmico CNJ, e, por decorrência, o Ministério Público e os conselheiros dos Tribunais de Contas, através de decisões administrativas, passaram a inventar uma série de “auxílios” – auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-frutas, auxílio-condução, auxílio-biblioteca, auxílio-saúde, etc. e tal, tudo com caráter indenizatório (isto é, sem a incidência de descontos e imune ao limite salarial) e com efeito retroativo. O auxílio-alimentação retroativo ao ano de 2004 (acrescido de juros e correção monetária), como se durante todo esse tempo os ilustres beneficiados tivessem jejuado.

Acho tudo isso muito estranho. Até porque durante 35 anos fui servidor público estadual, ainda que sem a magnitude dos acima citados, e nunca precisei, assim como meus colegas contemporâneos, de tais auxílios para viver e exercer as minhas funções. Sequer tínhamos, então, os atuais auxílios transporte e refeição. Ou adicionais de férias. Vestíamo-nos, comíamos, transportávamo-nos, estudávamos e íamos passear por nossa conta e quando era possível, com o salário que recebíamos no fim de cada mês. E o mesmo ocorria com os magistrados, procuradores e conselheiros de então.

É claro que essas vantagens de hoje não foram inventadas pelos magistrados, procuradores e conselheiros. Há muito, membros do Poder Executivo, incluindo a presidência da República, e do Poder Legislativo, federal e estaduais, já delas usufruem. Delas e de muitas outras, sem nenhum pejo ou constrangimento. Os membros do Poder Judiciário e seus assemelhados apenas se valeram da trilha aberta para suprir as suas carências financeiras. Têm a sorte de integrar aquela minoria de seres humanos com poder de fogo. Coitada é a ninguenzada.

Melhor seria, porém, que os homens de toga fizessem valer a sua importância. E levassem as suas justas reivindicações, com a devida firmeza, ao Palácio do Planalto. Não é preciso ser muito inteligente para constatar que, com um salário bruto de pouco mais de R$ 26 mil (reduzidos a algo em torno de R$ 18 mil, depois dos descontos obrigatórios), as mais elevadas autoridades judiciárias do país – no caso, os ministros do Supremo Tribunal Federal –, com o trabalho e a responsabilidade que delas se espera, estejam esbanjando riqueza. E logo em Brasília, onde qualquer lobistinha de calças curtas ganha dez vezes mais. Além do que, faz dois anos que os salários dos ministros não recebe reajuste.

Se hoje, por esperteza, mandamento constitucional ou por deferimento legislativo, a maior parte das ditas autoridade públicas nacionais (inclusive deputados e senadores) têm a sua remuneração atrelada aos vencimentos dos membros do STF, a culpa certamente não lhes cabe.

O que a sociedade espera é que as coisas sejam feitas com mais sinceridade, transparência e seriedade. Sem o uso de subterfúgios ou invenções reprováveis, que apenas mancham a dignidade e maculam o conceito de autoridades públicas diferenciadas, em vez de suprir as suas necessidades de subsistências, que são justas, justificáveis e devidas.

No entanto, a ideia da equipe técnica do STF e do governo – noticiada pela jornalista Mônica Bergamo (Folha de S.Paulo, de sexta-feira) – da volta do pagamento de adicionais por tempo de serviço aos magistrados (a classe já os recebia até resolver incorporá-los aos vencimentos, que passaram a se chamar “subsídios”), gerando um reajuste de até 30%, “com aumento de só 5% no teto salarial”, é furada. Trata-se de mais um exercício de dissimulação, sem suporte legal. Se adicionais de 30% forem pagos aos ministros do STF, o teto salarial será acrescido de 30%, sem discussão. E o ministro Ayres Brito sabe bem disso.

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2 ideias sobre “Mais sinceridade, excelências!

  1. Êita!

    E isso que o texto constitucional é claríssimo: quem recebe subsídio não pode receber ABSOLUTAMENTE NADA MAIS, sob qualquer pretexto ou espécie. Todos essas auxílios e quetais ainda são inconstitucionais, sob qualquer hipótese. Mas esse nunca foi o país dos princípios éticos e morais da probidade e honradez. Ou alguém acha que a “república” foi proclamada por aqueles escravocratas que perderam a sua mina de dinheiro ou não? Mudou o regime mas não mudou a escravatura…

  2. zangado

    Celio Guimarães – isso é que se chama colocar pontos nos “i”s ou matar a cobra e mostrar o pau, como prefeririam alguns.

    É de se perguntar porque essa “mecânica” de enganar a sociedade que paga o salário dessas autoridades – e os mais régios da nação ?

    Se a ordem constitucional estabeleceu o subsídio, é o subsídio que tem que ser implantado, na sua real concepção. Qualquer outro subterfúgio – provindo de autoridades que inclusive deveriam zelar para que essa realidade constitucional se estabeleça – é um despautério, um escracho à face da sociedade.

    No Paraná, aqui em nosso Estado, porque o governador estabelece subsídio para policiais militares e civis e não para as outras categorias previstas na Constituição estadual ?

    Quem orienta “juridicamente” o governador a não cumprir por inteiro a Constituição ?

    Eis a questão fundamental.

    A sociedade precisa desse esclarecimento para saber avaliar o que está pagando do seu bolso. Parabéns. É um exercício de cidadania que pode dar frutos.

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