6:28O cotidiano no interminável 0800

por Cláudio Henrique de Castro*

Um estudante de Direito se encontra com uma estudante de Artes Plásticas e lá pela tantas a artista pergunta: “Afinal, o que vocês estudam?”  Com o peito estufado o acadêmico responde: “Ora! As leis, os códigos, e as decisões dos tribunais!” Nesta singela resposta constatamos que o Direito está cada vez mais distante do cotidiano da sociedade, pois são dezenas de pequenos problemas que não são resolvidos pelas Leis e pelos Tribunais e que as pessoas não conseguem sequer se imaginar ajuizando ações para resolvê-los.

Do outro lado alguns setores do Direito falam no chamado “demandismo”, uma tendência da população bater às portas do Poder Judiciário para resolver seus problemas cotidianos e com isto os “milhares” de processos são intermináveis. Isto se chama Democracia, mas mesmo assim são poucos os que se aventuram ao risco de ganhar ou perder uma ação para se resolver problemas do cotidiano.

Mas, afinal, o que é o cotidiano?

Listamos alguns casos do que na soma causam desgastes nas pessoas nas esferas pública e privada:

1) Ligações aos finais de semana, nas manhãs, nos finais de tarde e até à noite de empresas de telemarketing;

2) As questões envolvendo perturbação ao sossego, de vizinhança ou veículos com sons de toda ordem, reformas, carros com som alto etc;

3) Cobranças de correspondências bancárias de cartões (elas continuam), envio de boletos de pagamento;

4) Diferenças pequenas em impostos e taxas para pagar;

5) Problemas de interrupção de sinal de telefone, água, luz, tv a cabo, entregas e produtos com pequenos defeitos;

6) Batidas de veículos irrelevantes advindas de condutas ilegais, mas superáveis diante dos custos envolvidos para a solução;

7) Questões de trânsito, como ausência de sinalização, fiscalização, condutas proibidas e reiteradamente praticadas como estacionamento na guia, irregular, alta velocidade, condutor alcoolizado, que apesar da exposição ao perigo não causam acidentes (sempre é bom lembar 57 mil pessoas morreram no Brasil no ano passado no trânsito);

8 )Atrasos em documentos oficiais, passaportes, pedidos de alvarás, pedidos de certidões, processos de aposentadorias etc;

9) Atendimentos exclusivamente por telefone de serviços essenciais, com a demora de mais de meia hora ao telefone para explicar e se re-explicar os problemas sem soluções objetivas e adequadas, sempre com um protocolo e com a promessa de se gravar as intermináveis ligações;

10) Falhas reiteradas nos serviços essenciais, como atendimentos em postos de saúde e hospitais, mas que pela dimensão individuais são “suportáveis” pelos menos favorecidos;

O resultado é que os serviços são prestados com baixa qualidade, mas não compensa questioná-los nas esferas judiciais ou administrativas.

Com efeito, o Direito não resolve os problemas do cotidiano e ingressam neste cenário as denominadas Agências de Regulação, os Procons, os Juizados Especiais e fundamentalmente o Poder Judiciário que não resolvem os problemas do cotidiano da população, pois quem batalha pela sobrevivência não tem tempo, dinheiro e conhecimento para se dirigir a estes órgãos que funcionam por provocação – e não autonomamente.

Em conseqüência, parte das grandes corporações reduz a qualidade do atendimento, dos serviços e produtos e inserem no preçoe sta perversa redução, pois menos qualidade, menos custos e lucro maior.

3. O que podemos fazer?

Àqueles poucos que recorrem aos seus direitos entram nas estatísticas dos custos operacionais. Estes recebem indenizações irrisórias, admitidas pelos tribunais superiores que falam em “indústria das indenizações” e “demandismo” – e este resultado invariavelmente acontece depois de muitos anos de espera, até décadas para a solução dos casos judiciais. A função didática e preventiva das indenizações perdeu-se nos congressos e discursos científicos do Direito.

A epidemia das mortes do Trânsito sequer é estudada pelo Direito, que está preocupado, na maior parte das vezes, com o exibicionismo intelectual das pós-graduações, com linhas de pesquisas de duvidosa prática e de pouquíssimo alcance social.

Neste cenário, o cotidiano escapa ao Direito e as questões mais simples do dia-a-dia das pessoas não se resolvem, sejam no que tange a qualidade dos serviços públicos essenciais, no trânsito e transporte, seja num simples ato da vida diária das pessoas.

Viver se tornou um interminável 0800 para se tentar resolver problemas cada vez maiores do outrora simples, mas hoje complexo convívio social.

Quem sabe a atuação dos políticos possa resolver nosso cotidiano, cujos personagens principais prometem e prometem e o povo, o verdadeiro dono do poder, esquece sempre de cobrar, no repetitivo ciclo eleitoral de dois em dois anos anos.

*Advogado e professor de Direito

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