6:43Paraná, uma interpretação

por Ivan Schmidt

Como compreender a saga desse gigante agropecuário, hoje responsável por uma grande parcela das commodities agrícolas exportadas pelo Brasil?

Por que o Paraná não conseguiu, como São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina – por exemplo – desenvolver um setor industrial diversificado com a mesma dimensão e, até mesmo ampliar os índices de transformação de produtos de valor agregado do próprio setor primário, ao invés de exportar toda essa riqueza in natura?

Talvez algumas respostas óbvias (mas não todas) estejam na interrupção natural ou forçada dos conhecidos ciclos econômicos – tropas, erva-mate, madeira e café – que de forma bastante acentuada contribuíram para a formação do capital e o desenvolvimento social e econômico, além de propiciar o surgimento de muitas cidades, embora não tivessem plasmado na fisionomia do território paranaense a partir dos anos 70 do século passado, nenhum outro tipo de substituto de significado econômico permanente, a não ser a monocultura da soja.

Os ciclos econômicos citados, sem exceção, formaram formidáveis fortunas pessoais e familiares, raiz da oligarquia estadual, conhecendo-se ainda hoje o remanescente dos antigos e sofisticados solares erguidos pelos “barões do mate”, na parte mais elevada da capital.

É desnecessário acrescentar que todos os ciclos econômicos lembrados acabaram se esvaindo pelo esgotamento das fontes de matérias primas, pelo desinteresse dos mercados compradores ou pela localização de novos nichos de fornecedores a preços mais competitivos, ou mesmo pela introdução, em outras regiões, de novos tipos de cultivo e variedades que possibilitaram sensíveis ganhos de produtividade, bem como a elevação dos padrões de qualidade, como ocorreu na cultura do café.

Apenas para lembrar, o ciclo das tropas, de todos o que mais tempo durou, desapareceu com o advento da ferrovia como moderno (à época) meio de transporte, tornando completamente arcaica a forma até então usada da condução do gado em pé, em viagens que duravam até 180 dias, ao longo de uma trilha que iniciava em Viamão (RS) e se prolongava até Sorocaba (SP), praça duma grande feira anual de comercialização de muares e gado vacum, destinados a abastecer em grande parte as necessidades dos faiscadores de ouro e diamantes nas Minas Gerais.

A erva-mate, nativa do Paraguai, perfeitamente adaptada ao clima e solo do Paraná formou um verdadeiro baronato enriquecido especialmente pela grande aceitação da bebida nos países vizinhos (Uruguai e Argentina), para os quais seguia quase toda a produção. Desde muitos anos, entretanto, a erva-mate é um dos principais produtos cultivados no Nordeste argentino (Misiones), fazendo com que o país passasse a produzir com folga para atender o consumo interno. O ciclo da madeira também chegou ao fim depois de anos de exploração irracional e devastadora, de modo especial nas florestas de araucária, atualmente objeto de contemplação em áreas cada vez mais escassas.

Base da economia paranaense desde o final do século XVIII, os maiores produtores organizaram em 1887 a Associação Paranaense dos Propagadores da Erva-Mate, como informa o historiador Temístocles Linhares na História econômica do mate (1969). Em 1854, quando o conselheiro Zacarias foi nomeado primeiro presidente da província, em Curitiba já operavam 15 engenhos de mate que exportavam o produto via Paranaguá para o Rio da Prata e para a Europa. O jornalista Samuel Guimarães da Costa, percuciente pesquisador do ciclo concluiu que a planta estava na origem das principais famílias do Paraná e, tanto o Visconde de Nacar quanto o Barão do Serro Azul “devem seus brasões ao mate”.

Ao mate deve também o Paraná, em grande medida, a ansiada emancipação política reclamada por seus pró-homens, rompendo em definitivo com a humilhante condição de quinta comarca de São Paulo.

O outro ciclo importante foi propiciado pela lavoura cafeeira, mesmo introduzida tardiamente em território paranaense por tradicionais produtores paulistas, cobrindo a extensa faixa banhada pelo rio Paranapanema, entre o Norte Pioneiro e o Noroeste e, abaixo, na direção da região central. Em função da geada negra de 1975, a substituição da lavoura cafeeira foi oportunizada pela queima quase absoluta dos cafezais, então substituídos pela soja, cana de açúcar ou pastagens, estas com predominância na faixa do arenito Caiuá.

Escrevendo sobre o apogeu da economia cafeeira no século XIX, Celso Furtado, no célebre livro Formação econômica do Brasil, com base na situação verificada em São Paulo, Rio de Janeiro e áreas limítrofes de Minas Gerais, se referiu ao aparecimento de nova classe empresarial cujo peso seria fundamental no desenvolvimento dos períodos seguintes, constituindo, além disso, uma força capaz de interferir na política econômica e financeira.

Os chamados homens do café, assim como os homens do mate no caso paranaense, passaram a integrar necessariamente o seletivo universo em que se definiam ações políticas e econômicas. Por óbvio, cafeicultores ou candidatos apoiados por eles logo foram eleitos para as assembléias estaduais e Congresso Nacional. Furtado acrescentou que o café recolocara o Brasil na corrente expansiva do comércio internacional, sendo inevitável o fortalecimento de uma nova classe dirigente no país.

O Paraná, embora em tempo menor (a cafeicultura teve seu auge em meados do século XX), também forjou uma classe poderosa de produtores que passou a influenciar direta ou indiretamente na condução da política. Os homens do café tornaram-se tão influentes como haviam sido os homens do mate na fase final do império e início da República. Foram estes, afinal, os pais da oligarquia local que mandava educar os filhos na Europa, sendo comum a presença de cidadãos privilegiados pela fortuna, histórico familiar e descortino político-administrativo (embora o requisito não fosse obrigatório), à frente da gestão pública desde a fase provincial.

Por exemplo, nomes importantes do ciclo do mate ou de sua influência na sociedade, exerceram a presidência da província, alguns mais de uma vez como o historiador Agostinho Ermelino de Leão, passando também, entre outros, por Adolfo Lamenha Lins, Jesuíno Marcondes, Carlos de Carvalho, Oliveira Belo e Ildefonso Pereira Correia.

Com a proclamação da República, passada a fase crítica da nomeação de interventores militares, dentre os governadores eleitos alguns se beneficiaram do apoio político-econômico da oligarquia, quando não eram eles mesmos oriundos do círculo familiar que fez fortuna na exploração econômica da erva-mate, madeira e, mais recentemente, na cafeicultura. Vicente Machado, Francisco Xavier da Silva, Carlos Cavalcanti de Albuquerque, Afonso Alves de Camargo e Caetano Munhoz da Rocha, predominaram na política paranaense desde o advento da República ao final das primeiras três décadas do século XX, até a interrupção causada pela Revolução de 30 e a nomeação de Manoel Ribas como interventor entre 1932 a 1945.

Entre 1947 e 1971, o Paraná teve como governadores eleitos Moisés Lupion (duas vezes), Bento Munhoz da Rocha Neto, Ney Braga e Paulo Pimentel, sequência interrompida pelo golpe de 64, dando lugar ao surto de indicações: Haroldo Leon Peres e seus substitutos Pedro Viriato Parigot de Souza e Emílio Gomes, Jaime Canet e Ney Braga (Hosken de Novaes). Com exceção de Leon Peres, cuja indicação jamais foi assimilada (tanto que foi sumariamente afastado), não se pode afirmar que os demais teriam rompido de alguma forma a preferência dada a representantes diretos e/ou quadros escolhidos criteriosamente pelo status quo.

Com a volta das diretas o Paraná elegeu, pela ordem, José Richa (1983), Álvaro Dias (1986), Roberto Requião (1990), Jaime Lerner (1994 e 1998), Roberto Requião (2002 e 2006) e Beto Richa (2010). O período é curiosamente marcado por cinco mandatos exercidos por políticos eleitos pelo PMDB, partido de oposição ao regime presidido pelos generais, mas que nem por isso teve estofo ou força própria para virar a página do tradicionalismo da política local. Personalidades díspares, todos egressos da universidade e autênticos representantes da nova inteligtensia nutrida na classe média alta (ainda não há dados para falar do atual), eles governaram o Paraná com altos e baixos, com o isolado destaque atribuído a Lerner pela atração das montadoras. Láurea ofuscada, no entanto, pela quase entrega da Copel à iniciativa privada e a venda do Banestado, inalienáveis patrimônios da sociedade paranaense.

O primeiro mandato de Requião teve algum brilho advindo dos programas de apelo popular como casa própria, agricultura familiar, trator solidário e outros, embora tenha patinado nas duas outras oportunidades, havendo quem diga que o último período foi um desastre, apesar do discurso de posse ter alardeado um governo de esquerda. Richa pai fez um governo conservador ao extremo, aliás, à feição da oligarquia nele refestelada na pessoa do vice-governador João Elísio Ferraz de Campos. Álvaro foi um obreiro incansável, rivalizando-se a Jaime Canet Junior, a mais emblemática indicação do primeiro andar do PIB paranaense e, não por acaso, o maior realizador dos governadores nos últimos 40 anos.

Não sei se me fiz compreender, mas escrevi tantas palavras para tentar explicar que a oligarquia, às vezes pode até ceder os anéis, mas jamais permitirá que lhe amputem os dedos.

Compartilhe

16 ideias sobre “Paraná, uma interpretação

  1. Bitte

    Zé:
    Que coisa boa poder ler uma análise inteligente, limpa e com as palavras e vírgulas bem escitas pelo Ivan – esse danado que vaza talento de troca-letras por baixo das unhas.
    Pode ser, até, que você não concorde com um ou outro ponto do levantamento, mas a explanação é supimpa. Tá ali, na beirada do sublime.
    Poderia ser utilizada nas escolas de economia e também de jornalismo. É que é tão didático que muitos desses seres que hoje acessam ao ensino superior podem entender.
    Abs,
    Bitte

  2. Wilson Portes

    Ze Beto

    Endosso integralmente as opiniões do Bitte.

    O Ivan deveria ser mais assíduo em sua coluna “emprestada”, seus leitores merecem.

    Abs

    Wilson

  3. jeremias, o bom

    Excelente texto.
    Excelente constatação.

    Continuamos, por nossas tradições oligárquicas, a ser a 5ª Província de São Paulo.
    E isso vale não só no mundo político, mas no mundo industrial, no mundo jurídico, no mundo futebolístico, no mundo empresarial, etc.
    Há quem nos chame de Maranhão do Sul mas é injusto. O Maranhão já teve Presidente da República, Presidente da Câmara e do Senado, Ministro no Supremo, etc.
    E nós continuamos a socar mate.

  4. walter schmidt

    Grande Ivan, prost! Você acaba de dar uma bela aula sobre economia e política. E tem gente que fica preocupada com o uso de vírgulas…Como dizia a Oma Magdalena, vírgula não é para qualquer um. Parabéns.

  5. walter schmidt

    Ivan, um leve adendo. De maio de 1955 a 31 de janeiro de 1956, o Paraná foi governado pelo advogado Adolpho de Oliveira Franco, eleito pela Assembleia Legislativa para completar o mandato de Bento Munhoz da Rocha Neto, que renunciou para ser ministro da Agricultura do governo Café Filho. Na época não existia no Paraná a figura do vice-governador, introduzida apenas no governo Ney Braga.

  6. Didi Mocó

    O Paulo Pasquale é bom de vírgulas hein !? Vem cá existe texto mais ou menos inelegível? Ou se tem um texto intelegível ou não. A prova que somos uma província de Sampa foi a comemoração dos jogos recentes do Corinthias e do Palmeiras, parecia Vila Madalena em São Paulo.

  7. Pedro Bó

    Como retrato político-histórico do passado o texto tem seu valor, apesar das escorregadas para o romantismo épico. Como análise socioeconômica é uma tragédia, a começar do começo. Os dois primeiros parágrafos mostram total desconexão com o Paraná de hoje. Dizer que toda riqueza in natura paranaense vai para a exportação é negar o esforço de cooperativas como Coamo, Cocamar, Copavel etc – que estão entre as maiores do País no setor – para gerar produtos de maior valor agregado e dar dinamismo à economia do interior do Estado. Isso sem contar com os frigoríficos de aves, embutidos e laticínios que se espalham pelo Paraná. Uma circulada pelo interior pode alterar a visão de quem só olha o Estado a partir da capital.

  8. Piririca

    Enquanto isso essa mesma oligarquia predadora, sugou e enriqueceu em Antonina, depois que a fonte secou, foram embora, mas deixando os seus belos casarões colonias para a patina do tempo, então ela(a elite) compreendeu que ser empreendedor dava muito trabalho e se deslocaram para assumir o poder político, criando uma casta de altos funcionários públicos nos três poderes do estado, e até hoje os seus rebentos “fidalgos” estão nesse Estado dando as cartas de mão.

  9. Ivan Schmidt

    Ilustre Pedro Bó: lembre-se que se trata de uma interpretação, apenas. Nenhuma restrição à operosidade das cooperativas citadas, que fazem bastante mas não tudo o que a indústria paranaense poderia produzir… não apenas em termos do setor primário.
    Prezado Walter: para não me estender em demasia, acabei omitindo alguns nomes também relevantes da política. Grato pela lembrança…
    Quanto às vírgulas, lembro-me duma sacada genial do Lago Burnet se referindo à crase. Peço licença para cometer uma infame paráfrase: “A vírgula não foi feita para humilhar ninguém”.
    Aos demais leitores que se dignaram enviar seus comentários, muito obrigado!

  10. Célio Heitor Guimarães

    Esse Ivan é um danado! Está vendo, ZB, porque eu digo que ele, depois de você, é o grande articulista deste pedaço? É uma das últimas cabeças pensantes lúcidas desta província. E mais: sabe distribuir bem, como poucos, as vírgulas. Ô, Paulo, tenha paciência! Não tinha crítica melhor a fazer?!…

  11. nelson koerich

    Quequéisso, Paulo???

    Intelegível não existe na língua portuguesa.

    Vc desejou escrever inteligível (v. VOLP).

    Sacou?

    Abs

  12. Francisdo de Assis.

    Quem teve a oportunidade de ler o texto do IVAN, sente o sangue paranaense pulsar nas veias, algo que raramente temos oportunidade de recordar a nossa história e a nossa evolução política. O baronato paranaene, pelo menos nos deixou algum legado, algumas obras , porém não nos libertou da tirania política das elites. O pior é a galera dos últimos, anos do Turco Lento que não cuidava das tartarugas, da opção pelos pobres da Carta de Puebla e, agora do Piá de Prédio – Charles Albert – que governa e opera um novo propinoduto na SEFA, após um bem sucedido casamento com a filha do herdeiro do Bamerindus, que foi costurado quando o Turco Lento era governador.
    Vamos pensar um pouco como poderá EVOLUIR O NOSSO PARANÁ ? Com o que pinta na telinha atual , as hipóteses são : Charles Albert ( de novo ? ) , Ratinho ou Gleise ?
    O céu para os próximos anos está um tanto quanto turvo. Não vejo nada animador pela frente.
    IVAN, POR FAVOR NOS AJUDE COM SUAS ANÁLISES.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.