8:20Juros sobre juros e o perigo do melado

por Claudio Henrique de Castro

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão favorável à capitalização dos juros, ou seja, que é possível a incidência dos juros sobre os juros, pois se entendeu que ela, a capitalização, vedada pelo Decreto 22.626/33 (conhecido como Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano, é permitida pela Medida Provisória 2.170-36 para as instituições financeiras, desde que expressamente pactuada, estando ligada à circunstância de os juros devidos e já vencidos serem, periodicamente, incorporados ao valor principal.

Nem a legislação de Justiniano, o último imperador romano, que morreu em 565 d.C., permitia esta prática. A sabedoria do Direito Romano Imperial impedia tal procedimento.

Passados mais de mil e quatrocentos anos, eis que é permitida a referida prática no Brasil, num momento em que o endividamento da população chegou a índices preocupantes para a banca internacional e para a economia doméstica, obrigando o governo a reduzir os impostos para aquecer o consumo.

Trocando em miúdos: pela decisão, a capitalização dos juros deve estar inscrita no contrato e o consumidor deve assinar na linha pontilhada no final.

A cena é simples: o gerente do banco mostra o contrato, diz “Leia, por favor!”, você passa os olhos e assina o contrato junto com uma nota promissória e com as bênçãos do Poder Judiciário brasileiro – e está tudo perfeito.

Em 1961 o Supremo Tribunal Federal  analisou esta questão e, em brilhante decisão, afirmou que a vedação legal do anatocismo é de ordem pública, prevalecendo sobre a convenção das partes (RE nº 47.497 – SP). Assim, não importava o contrato assinado entre as partes na bacia das almas do contrato financeiro.

O assunto é velho, e muito bem descrito na decisão do STF. O jurista Teixeira de Freitas, na sua Consolidação das Leis Civis (de 1856, p. 121), afirmou que é possível a capitalização dos juros, desde que pactuada pelas partes. O jurista Lacerda de Almeida (1897) era contrário a esta posição. Acontece que naquele tempo, quem assinava contrato com os bancos estava em posição de igualdade, falava grosso com os banqueiros, não havia classe média no Brasil, que somente surgiu na década de 40 do século passado. Portanto, falar em acordo entre as partes era possível.

Com o surgimento dos contratos de massa, e a ascendente classe C e D ter mais poder de compra, ter acesso a financiamentos e conta corrente em banco não significa que se possa discutir de igual para igual um contrato. O próprio Código de Defesa do Consumidor fulmina esta pretensa situação ideal e confere prevalência aos consumidores.

Este assunto pode ser que não suba para apreciação do Supremo Tribunal Federal por conta de mecanismos processuais impeditivos. Resta-nos rezar para que esta decisão seja revertida.

Com efeito, é necessário se discutir profundamente o acerto ou desacerto desta decisão do Superior Tribunal de Justiça.

A repercussão social disto nos faz lembrar o que aconteceu ao sistema bancário nos Estados Unidos em 2008, onde mais de 400 bancos quebraram devido a cascata financeira impossível de ser cumprida pelos mutuários norte-americanos.

Até agora o sistema bancário norte-americano está mancando. A sanha das instituições financeiras deu no que deu: toda sociedade está padecendo os efeitos da quebradeira.

A lição que fica é simples e vinha dos nossos avós: “Quem nunca comeu melado quando come se lambuza”.

Notas

http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106280

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=146791

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3 ideias sobre “Juros sobre juros e o perigo do melado

  1. Coronel Perseu Jacutingassa

    Boa reflexão.
    Que os prudentes tenham boas âncoras quando vier o furacão do estouro dessa bolha de ilusão que é o crédito fácil…

  2. antonio carlos

    O atual e o anterior governo nos convenceram de que porque somos brasileiros estamos a salvo das marolinhas. E de que crise é coisa de economia fraca. Aí somos convencidos a trocar de carro como trocamos de roupa. E compramos o que não precisamos com o dinheiro que não temos. ACarlos

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