7:24E tome Jubileu

por Ivan Lessa*

O de 77, que era só de prata, eu perdi. Guardei-me todo para o deste ano, que eu me dou melhor com diamantes de que com o metal mencionado. Esperei, sentado no meio-fio, mas valeu, está valendo e valerá. Quatro dias sacudidos de pedras preciosas.

De repente, todo mundo achando que a Rainha, que é meio objeto de controvérsias, virou um doce de côco e todo mundo a adora. O que eu conhecia de jornal cinematográfico ou televisão virou realidade diante de meus olhos e bundinha cansada.

Não fui à corrida de cavalinhos, o Derby, com que os festejos têm seu início oficial. Mas vi na TV e, com o favorito ganhando, o Big Joe Public faturou alguns cobres para a cerveja e o bolinho de porco.

Ruas se enfeitaram. Parecia um daqueles filmes da Ealing, todos ganharam, ao menos por uns dias, fisionomias de atores característicos que a gente nunca sabe o nome.

Devido à data magna, vieram quase todos à minha mente: Kenneth Williams, Barbara Windosor, Sid James, Bernard Breslaw, gente que não cabia mais. Devo ter misturado outros estúdios, o que vale é a intenção de lembrá-los e distribuir minhas imigrantes honrarias.

A BBC dando um show, aliás, pensando bem, talvez excessivo show de afeto. Nem parece que houve os dias fatídicos em que “Ela”, Diana, a Princesa de Gales, como que distribuiu pelo reino um legado de má vontade, após bater com as 10 num túnel parisiense.

Acabou tudo dando certo. O Príncipe casou-se de novo, a nova cônjuge (chamemo-la de Duquesa de Cornwall) deu um jeito nos dentes, fez peeling e agora já tem fã clube em cidade após cidade. Ganhou uma desenvoltura que só os bons casamentos, lato senso, fornecem.

A Rainha é chamada de “fofinha” entre a colônia brazuca e seu marido, como não faz sentido em português, é levado a sério e o pior que se diz dele é tratar-se um “homem muito bacaninha”. Querem mudar o nome do Big Ben para Torre Elizabeth. Tenho minhas dúvidas.

Chove no domingo. A cântaros. A brilhantes para os lindos sonhos da Rainha ornamentar. Na expectativa de umas sobras e por motivos que só povo com Família Real pode entender, ninguém deixou de festejar. Nas ruas e no Tâmisa já encharcado de sumidades.

Faltaram mesmo foram os aviõezinhos que iam dar sua passadinha em homenagem. Fica para outro jubileu. As festas de rua não desanimam apesar disso. Azul, vermelho e branco pra cima e pra baixo nos buntings (festa de rua, populacho não se esfaqueia, troca apenas de guloseimas de aspecto sombrio).

Domingo foi barca e barcaça caindo de sangue real navegando pelo Tâmisa. Quase empata com o Barquinho, do Ronaldo Bôscoli.

O resto do mundo bem que tem tentando empanar o brilho do espetáculo. Mubarak no Egito emburrado porque pegou, ou não pegou, apenas X anos de cadeia e não pelotão de fuzilamento.

A Síria deveria tomar vergonha na cara e parar com essas – será rebeldias a palavra? Um desenho de Tintin vendido por preço recorde. Tudo bem. Inglaterra ganha de 1 a 0 da Bélgica em amistoso.

Em compensação a capa da revista Time, versões americana e europeia, lá tem estampada a figura de pedreiro frustrado de Wayne Rooney ilustrando o que, para a editoria da revista mundial, é o grande drama: o país em estado jubiloso conta com o pior futebol do mundo. Uns desmancha-prazeres esses americanos.

Um desmancha-prazer este comentarista que vos fala: entre jubiladas espanto-me de não termos encontrado, nós que sempre fomos tão bons disso, um nome decente para a HQ e os filmes do Dagwood Bumstead e da Blondie.

Sim, Dagwood, aquele dos vastos sanduíches, o da cachorrinha Daisy. Que durou de 1938 a 1950 nos gibis e não sei quantos filmes produção classe B não foram feitos, com Arthur Lake e Penny Singleton. Nos filmes, virou Zezé Bumstead e sua graciosa esposa, Blondie, passou a Belinda Bumstead.

É pouco, muito pouco, como diria o Henfil. Para nós que tivemos as bolações geniais da família Buscapé – Chulipa! Chulipa! – Dulçurosa Suína e, em outros quadrinhos, Praxedes Porcalhão, Vida Apertada, Pafúncio, Marocas, Zé do Boné e tome que não acaba mais.

São pensamentos pouco jubilosos, mergulhos num passado sem diamantes nem lata, mas – que remédio? – em matéria de jubileu é o que posso contribuir.

De qualquer forma, o importante é o jubiloso sentimento que, no meio da plebe rude, com a maior consideração passo adiante envolto num pig in a blanket (salsicha envolta numa espécie de pastel) para o companheiro ao lado que já começa a me olhar em mim percebendo traições estrangeirais.

*Colunista da BBC Brasil

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