22:34Era uma vez um cabo de vassoura no espinhaço

O cabo de vassoura no espinhaço foi herdado do pai. A timidez ajudava a transformar o corpo numa estaca que fugia de qualquer convite para bailinho na adolescência. Até aquela tarde num sala de sobrado num subúrbio paulistano. Enquanto aguardava a namorada, sozinho, chamou atenção a capa do disco que estava no prato. Os botões foram ligados e quando a agulha entrou no sulco, aconteceu. It’s only roc’n roll. O corpo foi tomado, as amarras despedaçadas, abriu-se um espaço em volta e principalmente dentro. O cabo de vassoura tornou-se uma bela expressão, mais uma, sacada pela mãe. E nunca, nunca mais as músicas encontraram barreiras para se transformar em movimentos, em passos, em êxtase, principalmente se rock mesmo ou as batidas africanas ou o rasgado do forró. Os Rolling Stones beberam nos negros, suburbanos ingleses vestiram tudo com rebeldia e nobreza de poder e estão aí há meio século chacoalhando-se e chacoalhando quem não foi porque não morreu. Nas três vezes que vieram ao Brasil, aquele que começou a dançar esteve lá, para conferir. Da última vez, entre o milhão e meio de súditos da maior banda de rock de todos os tempos, chacoalhou o esqueleto nas areias de Copacabana feito menino tão velho como os detonadores daquele som limpo e sujo que se espalhou pelas montanhas, pelo mar, que fez o Cristo sorrir iluminado lá de cima. Um mergulho na noite e a pulsação continuou, igual à daquela tarde, naquela sala. Há uma semana alguém lhe mostrou uma capa de DVD do show do disco Voodoo Lounge e, dentro, havia o ingresso e um pequeno pedacinho de confete dourado guardado como relíquia. Era um dos milhares que saíam da explosão de canhões colocados ao lado do palquinho para onde os músicos iam e relembravam os primeiros tempos da banda. Richards, Jagger e Watts, os três que permanecem desde a formação inicial, ficaram ali no meio da multidão e aquele que enlouqueceu no vinil estava ali ao lado e guardou também o seu papelzinho prateado. Na rodoviária de São Paulo, para onde foi praticamente direto do show, alguém deixou cair o mesmo tesouro, ele se abaixou, pegou e devolveu e houve aquele sorriso que não precisa palavras, que não tem explicação. Era o sorriso de pessoas felizes por terem visto uma celebração de vida. Uma celebração musical, uma catarse que mexe, que remexe, que limpa, que deixa rolar. Se alguém duvida, posso emprestar o disco.

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