9:50Os desvios do dinheiro público na publicidade

por Claudio Henrique de Castro*

Os desvios de dinheiro público na publicidade oficial do Estado brasileiro (ou como os recursos públicos beneficiam os personagens do poder)

1. O que manda a Constituição

O Direito é simples, vejamos o art. 37 da Constituição Federal que prevê o princípio da Impessoalidade e disciplina a publicidade de Estado dispõe:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e

eficiência e, também, ao seguinte: (…)

§ 1º – A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens

que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

Se um estrangeiro nos visitar e perguntar se os governos federal, dos Estados e dos municípios gastam dinheiro público em propaganda, a resposta seria dada pelo texto constitucional.

Dessa forma, entenderia o estrangeiro que o dinheiro público não pode ser gasto em publicidade posto que ainda somos o país que somos: o 95º em analfabetismo; 73º em expectativa de vida; 98º em mortalidade infantil e que possui uma epidemia de delinqüência com uma taxa de 31 homicídios a cada 100 mil habitantes.

Ele nos diria: “Muito bem! Vocês gastam de forma racional os recursos públicos!”

Porém, isto é verdade? Sabemos que não.

2. O que acontece na prática

No poder Executivo da esfera federal, aquele que tem a caneta na mão para e liberar os recursos, os Ministérios, faz um uso desmedido dos recursos de publicidade; e figura do Chefe do Executivo sempre está presente com as frases que caracterizam a gestão – nas liberações de verbas para os bancos oficiais, empresa estatais e demais entes que manipulam e administram as verbas públicas.

Não se pode afirmar categoricamente, mas a liberação de recursos que nutrem os grandes jornais, as revistas semanais, os canais e redes de rádio e televisão, tem muito haver com a modulação das críticas ao poder.

Nas esferas estaduais e municipais, os recursos se avolumam nos períodos que antecedem os pleitos eleitorais, numa verdadeira avalanche de dinheiro para as agências de publicidade que fomentam e movimentam milhões em favor dos candidatos.

No plano do Legislativo federal, estadual e municipal este processo é mais intenso do que se pode imaginar, muitas vezes com o repasse de verbas para personagens que representam indiretamente o poder de plantão. Essas interpostas pessoas, que administram os meios de comunicação, fazem um sobrepreço da publicidade para aplicar a diferença nas campanhas eleitorais. Os exemplos são recentes na cena histórica e caracterizam as gestões ou as alterações estilísticas dos símbolos oficiais, isto em todas as esferas governamentais.

Ainda – e mais, há a grande possibilidade de lavagem de dinheiro das verbas de publicidade em cima do valor real sob o manto da denominada “criatividade” que a princípio não tem preço, pois afinal quanto vale uma ideia, um jingle, uma peça publicitária?

Não estamos aqui afirmando que todos agem assim, mas que essa possibilidade é bastante possível, não se pode negar. A eleição e a reeleição, inegavelmente, são sempre a prioridades dos poderes instituídos.

3. O que diz o Juridiquês

Infelizmente  os Tribunais não possuem uma linha de interpretação serena e objetiva quanto a análise das propagandas oficiais, e o conceito inscrito na Constituição passa a ser letra morta, salvo casos escancarados desafiados, por vezes e apenas, por oposições partidárias ou ideológicas.

A doutrina, isto é, a escrita dos sábios do Direito, é silenciosa e vacilante quanto ao tema publicidade oficial. Assim, os Poderes fazem como bem entendem suas peças publicitárias e a utilizam para a promoção oficial. Vale a sentença popular: “Todos fazem, porque não podemos fazer também?”

4. O que precisa mudar

Não há propriamente propostas sobre o tema e sua disciplina legal, até em razão do artigo da Constituição ser bastante explicativo e auto-aplicável. Entretanto, algumas reflexões podem ser lançadas sobre o tema:

1) As Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais não podem usar dos recursos públicos para publicidade, nem dos seus personagens, muito menos de campanhas. Com efeito, a divulgação dos seus atos é feita por meio dos atos oficiais. Leia-se: diários oficiais;

2) As publicidades dos governos Federal, Estaduais e Municipais, das empresas públicas, da administração direta ou indireta, devem ser rigorosamente fiscalizadas pelos órgãos de controle e os Tribunais devem enfrentar este tema com os conceitos de: desvio de finalidade, desvio de poder e de propaganda antecipada, fulminando com a inelegibilidade os personagens envolvidos e determinando a devolução aos cofres públicos das quantias despendidas, sobra legislação para fazer isto, basta vontade política;

3) Toda publicidade oficial deve ser profundamente analisada quanto aos dispêndios, causa e extensão dos efeitos. É hora das prioridades do governo brasileiro serem efetivamente a solução dos graves problemas sociais;

4) Por fim, a imprensa, para ser crítica, deveria nortear seu trabalho com a premissa de que “é possível sobreviver sem as verbas de  propaganda e publicidade oficiais”.

* Advogado e professor de Direito

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3 ideias sobre “Os desvios do dinheiro público na publicidade

  1. Jango

    O artigo é oportuno e pertinente; “mais do que nunca neste país” – diria alguém – uma ação de cidadania responsável se faz necessária para estancar os desvios de dinheiro público a tal título.

    Há de ser alterado o permissivo constitucional sob consequência de não avançarmos nesse descalabro de desperdício verbas públicas (quando não típica alienação de numerário a terceiros com fim escusos).

    O emprego de bilhões (se considerarmos todos os entes públicos da nação envolvidos) a pretenso título de “publicidade oficial e congêneres” não cria nenhum emprego, não constrói nenhuma obra pública e não implenta nenhum serviço público de que a sociedade está mais do que carente.

    De fora parte algumas campanhas públicas de informação, orientação e educação que trouxeram benefício à sociedade, tudo mais até o momento foi desperdício ou desvio de dinheiro público onde faltam escolas, postos de saúde e segurança pública – todos itens calamitosos onde não falta publicidade pois sequer inexistem.

    Tenho me manifestado sempre que vem esse assunto da necessidade imperiosa de alterar esse dispositivo porque à sombra dele parece que tudo está sendo permitido, até porque tribunais de contas, ministérios públicos e outros órgãos de controle público muitas vezes se fazem de desapercebidos – tipo “non olet”.

    E a sociedade, de seu lado, não reage a esse estado de coisas, utilizando dos mecanismos postos à sua disposição. Somos um povo ainda sem a devida mobilização em prol da república e da cidadania.

    A melhor publicidade para um governo é a obra pública construída, o serviço público operante e a administração pública eficiente onde o cidadão encontra eco nas suas necessidades – o resto é proselitismo senão improbidade administrativa.

    Parabenizo-o por levantar esse tema; aí está um dos ralos escabrosos dos poderes públicos.

  2. JJ

    A respeito do artigo acima, veiculado Blog do Z é Beto, tenho que fazer as seguintes considerações:

    1. O autor, assim como muita gente, desconhece a diferença entre Publicidade e Propaganda. Publicidade é comunicação de vendas, Propaganda é comunicação doutrinária, política, religiosa, ideológica.

    2. Todo o governo tem o direito e o dever de bem informar, com correção, ética e impessoalidade – e isso se deveria fazer através de comunicação sem advetivos, em ações informativas de propaganda, relações públicas, marketing direto, assessoria de imprensa, panfletagem e outras ações possíveis de comunicação (inclusive telemarketing, desde que não seja o governante ao telefone – na gravação – e que ele não seja citado).

    3. É fato que os governos abusam da Propaganda, inclusive nos anos eleitorais. A verba deveria ser igual em todos os anos e limitada a 1 ou 2% do orçamento anual.

    4. Os grandes jornais e revistas, as redes de TV e as principais emissoras de rádio não dependem das verbas de governo para sobreviver. A iniciativa privada proporciona faturamento mais do que suficiente para as suas performances empresariais. Verba de governo, é claro, é bem-vinda, pois amplia os lucros.

    5. Há veículos que vendem sua opinião e deixam de criticar os governantes, mas há os que não se vendem, pois sabem que sua credibilidade é seu maior patrimônio.

    6. A propaganda governamental deveria ser controlada pelo Conar (mediante denúncias) e pelos Tribunais de Contas da União e dos Estados.

    7. Os poderes Legislativo e Judiciário deveriam ser totalmente proibidos de fazer publicidade, assim como de manterem veículos de comunicação, como canais de TV e rádio, para valorizar aqueles que lá estão.

    8. Empresas estatais, prestadoras de serviços, como bancos e companhias de energia, por exemplo, devem ter o direito de anunciar, de forma comercial (jamais utilizando recursos para valorizar os governantes).

    9. A regras deveriam ser transformadas em Lei, com punição severa aos que as infrigirem – com perda de mandatos, ilegibilidade e devolução do dinheiro gasto aos cofres públicos, com ampla divulgação destas punições.

    10. Ações de patrocínio só poderão ser desenvolvidas por empresas públicas que enfrentam concorrentes da iniciativa privada. Desta forma, por exemplo, a Eletrosul, a Itaipu, a Eletrobrás e outras empresas estariam impedidas de patrocinar. Podem patrocinar ações esportivas, culturais, ambientais, educacionais, por exemplo, o Banco do Brasil, a Caixa, os Correios e a Petrobrás.

    .

    JJ

  3. CHC

    JJ. e Jango, obrigado pelos comentários e a publicação no seu presitigioso blog (JJ).
    JJ não não há diferença entre publicidade e propaganda, o dispositivo constitucional é solar e hialino !
    Abraço

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