8:34A honra da casa

por Ivan Schmidt

Superadas as etapas preliminares da discussão do tema – os naturais prós e contras – o PT curitibano decidiu mediante votação por 300 delegados escolhidos para esse fim, que apoiará a candidatura de Gustavo Fruet (PDT) já no primeiro turno das eleições municipais de outubro. Diga-se a favor do partido que a prática da discussão (inexistente na maioria dos demais) é inteiramente salutar e democrática, demonstrando acima de tudo a preocupação de permitir a manifestação das várias tendências que interagem na formação do bolo partidário.

No âmago petista, aliás, dificilmente alguém saberá ao certo a quantidade de tendências que se abrigam sob a bandeira vermelha que enquadra a estrela, posto que todos exaltem e levem à exaustão o debate interno, sobretudo, quando a tarefa é ungir um candidato em condições de encarar os desafios da eleição.

Primeiro as tendências se enfrentam numa discussão ideológica que dá gosto de ver, cada uma tentando emplacar sua práxis, mas depois se entendem e marcham unidas para a eleição, o objetivo final. Resta agora ao PT escolher (e bem) o candidato a vice na chapa de Fruet, organizar uma campanha inteligente e capaz de impedir que se desmanche no ar a sólida ideia de mudança na administração municipal. Creio que o PT, mesmo sem ocupar o primeiro lugar na chapa, nunca esteve tão perto da prefeitura como está agora.

Não quero ser desmancha prazeres num momento como esse, mas não custa lembrar o que ocorreu em São Paulo, no processo que culminou com a indicação do ex-ministro Fernando Haddad para liderar a chapa do PT como candidato a prefeito da maior cidade do País. Jamais se testemunhou nas tratativas internas da referida agremiação, apego tão extremado ao paradigma democrático da ampla e irrestrita discussão, ouvidos todos os setores interessados e devidamente consideradas mesmo as opiniões mais estapafúrdias.

Uma dessas sandices foi defender a indicação da senadora Marta Suplicy, que já cumpriu aos trancos e barrancos um mandato na prefeitura paulistana e, só por esse motivo supunha ter credenciais suficientes para reclamar a preferência. Contudo, ficou muito difícil para ela seguir  pleiteando a candidatura depois que as pesquisas de intenção de voto dos paulistanos a colocaram, disparada, em primeiro lugar. Imaginemos a falta de noção de um pretendente a administrador da babélica São Paulo, que já na fase de pré-campanha conta com a bagatela do apoio da maioria dos eleitores. Nem pensar.

Na democracia interna do PT, pelo menos em São Paulo, talvez pela proximidade com certo domicílio localizado em São Bernardo do Campo, o papo é outro. Não houve jeito de se deixar impressionar pelo favoritismo antecipado de Marta. Pois, lá por aquelas bandas as tendências não apitam. Ao contrário, curvam-se à decisão do supremo artífice das decisões partidárias, que acabou impondo o ex-ministro da Educação como candidato a prefeito.

Voltemos ao PT local. Militantes históricos, dentre eles Dr. Rosinha e Tadeu Veneri, invocando o longo caminho percorrido reivindicaram a candidatura, na verdade, com reconhecidos méritos pessoais. É correto dizer que o debate teve boa repercussão e envolveu — como sói acontecer — as diferentes tendências com espaço no partido. É apenas um palpite, entretanto, bastante provável, mas parece que os postulantes da candidatura própria não levaram na devida conta o poder de fogo dos ministros Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Paulo Bernardo (Comunicações), líderes incontestes do partido no Paraná, que não podem ser taxados de antidemocráticos porque estimularam e participaram do debate interno. Também não é preciso lembrar que a logística eleitoral de 2012 remete a 2014, ou seja, à disputa pelo Palácio Iguaçu, o próximo grande evento assinalado com letras garrafais na agenda da ministra-chefe da Casa Civil.

Linhas acima foram citadas as inúmeras tendências que, à semelhança da construção duma casa – areia, cimento, ferro, vidro, madeira e outros materiais – sustentaram a edificação de um agrupamento político-partidário, que a princípio reuniu trabalhadores e intelectuais (poucos foram os que não bateram em retirada) e, imediatamente, uma massa informe de servidores públicos com agudo faro para o aparelhamento do Estado, versão tupiniquim da nova classe tão bem descrita pelo teórico iugoslavo Milovan Djilas.

Digam o que quiserem sobre o PT, porém, uma coisa é líquida e certa: o partido governa a República Federativa do Brasil pelo terceiro período consecutivo (o quarto é somente uma questão de tempo), primazia única depois da redemocratização. Só é lamentável constatar  que o PT virou irmão siamês dos partidos que já exerceram a função, surrupiando a mesma colcha de retalhos que acobertara, em ocasiões recentes, apólogos sem farda do ciclo de governos militares, nostálgicos golpistas travestidos de chefes de poder ou ministros de Estado, aproveitadores, bajuladores e uma falange não pequena de espertos convencidos da inexistência do mal, em se tratando de confundir o público com o privado. Tudo pela governabilidade (alguém sabe o que é isso?) e pela honra da casa.

Compartilhe

4 ideias sobre “A honra da casa

  1. Marcelo Araújo

    Não conheço o autor, mas, da leitura desse artigo, fica óbvio que o constrangimento é evidente. Deve ser de alguém que apoia o neo-petista Gustavo Fruet, certo?

  2. michel deolindo

    Apoia e está com vergonha de assumir a posição! É impossível fazer omeletes sem quebrar os ovos!

  3. Ivan Schmidt

    Já escrevi inúmeros artigos (e não somente aqui) reconhecendo as posições políticas de Gustavo Fruet, opinando tratar-se de excelente candidato a prefeito de Curitiba. Não tenho constrangimento e nem vergonha de afirmar isso. A linha seguida no artigo acima, se propôs a mostrar a precariedade da argumentação dos que desejariam vedar a aproximação de Gustavo com o PT, que nem por isso faz dele um neo-petista. Alguém chamaria de neo-petistas Paulo Maluf, Fernando Collor, José Sarney, Renan Calheiros ou mesmo Luciano Ducci, pelo fato de pertencerem aos partidos da aliança de sustentação do governo Dilma? Do grupo de pré-candidatos à prefeitura de Curitiba, Gustavo está anos luz à frente dos demais, com o devido respeito que todos merecem. Está servida a omelete…

  4. Parreiras Rodrigues

    E o petê, reconheço muito contrariado, mas conformado, fazer o quê, não está nem ai para a Oposição que nem existe. Digo no ringue nacional. A ciumeira e o personalismo de Aécio Neves, Serra, Kassab e de FHC, fragilizam nosso lado.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.