9:26O tempo da verdade

por Célio Heitor Guimarães

Rubem Alves, o meu filósofo favorito (que está com livro novo na praça: “Palavras para desatar nós”, Papirus Editora), confessa que se deu conta de que estava velho em um vagão lotado do metrô de São Paulo. Em pé, apoiado no balaústre, ele se dedicava a uma das coisas que mais lhe dá prazer: observar o rosto das pessoas, pois está convencido de que o rosto das pessoas “revelam mundos”. E isto costuma comovê-lo, povoa a sua imaginação e, não raras vezes, rende bons assuntos para seus escritos.

Naquela tarde paulistana, os olhos do poeta, ao passearem pelo ambiente, defrontaram-se, de repente, com os olhos de uma jovem assentada. “Ela me olhava com um rosto calmo e não desviou o olhar quando os seus olhos se encontram com os meus”. Rubem confessa, sem nenhum pudor, que foi “um momento de suspensão romântica”. Sorriu para ela, que retribuiu o sorriso. E na cabeça do cronista começou a desenhar-se uma crônica: “Professor da Unicamp se encontra, num vagão de metrô, com uma jovem que seria o amor de sua vida…”.

Naquele momento, a moça levantou-se e ofereceu-lhe o lugar. O gesto dela, delicado e amoroso, perfurou o coração do nosso Rubem Alves. E ele entendeu, então, o sentido do olhar carinhoso e do sorriso da jovem: “eu lembrara-lhe o seu avô… um velhinho tão querido…”. E compreendeu que estava velho. “Foi um momento de revelação” – acentuou.

A maioria das pessoas odeia envelhecer. Mais do que isso: não admite ser chamada de “velha”. Se isso é inevitável, preferem ser chamadas de “idoso” ou “idosa”. Como Rubem, acho isso uma enorme bobagem. “Idoso” – diz ele – “é coisa de fila de banco e de guichês de supermercados”. E, com toda a razão, se recusa a ser definido por bancos e supermercados. Além do que, acha “velho” uma palavra mais poética e literária. E afirma que jamais compraria um livro que se chamasse “O idoso e o mar”, ainda que fosse escrito por Hemingway. Tampouco leria um poema, mesmo assinado por Olavo Bilac, que começasse assim “Veja essas árvores idosas…”. E, para arrematar, imagina a história do casal que completa bodas de ouro. Cabeças brancas, eles se abraçam, se beijam, e ele diz carinhosamente para ela: “Minha idosa querida…”

Pior do que isso só mesmo a tal de “melhor idade”…

Como Rubem Alves e todo mundo, também estou envelhecendo. E isto, para surpresa de muita gente, causa-me uma bruta alegria. Uma sensação de vida vivida, de aprendizado sem preço, de missão quase cumprida, de histórias para contar, de experiência para repartir. Não tivesse envelhecido, não teria bagagem armazenada, não teria a presença e o carinho de netos e sem a coragem necessária para fazer as coisas de faço e dizer as coisas que digo.

É também do meu querido Rubem a descoberta de que há coisas que só se faz ou se diz quando se envelhece. E cita Nietzsche, que ele tanto ama: “Mesmo o mais corajoso entre nós só realmente tem coragem para aquilo que realmente conhece”. E também Albert Camus, leitor de Nietzsche: “Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos”.

Sabe o amável leitor porquê? Porque, como também aprendi com Rubem Alves, 78 anos e uma eterna criança viva dentro dele, que “a velhice é o tempo da verdade da alma”. Por isso, ele acha que a metáfora mais apropriada para a velhice é o crepúsculo: “O crepúsculo é lindo. Faz pensar. No crepúsculo,
tomamos consciência da rapidez do tempo. E isso nos torna mais sábios”.

Talvez por isso eu seja fascinado pelos crepúsculos e não me canse de retratá- los da janela da minha casa.

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