8:52O Millôr sempre foi muitos

por Mario Prata*

A foto é de 99 na Bienal do Livro do Rio de Janeiro. Me lembro bem porque foi a última vez que fui, pois eles não pagavam cachê para escritores. Nem avião. Acho que não pagam até hoje. A Bienal de Brasília, que começa daqui a uns dias, tá pagando. E um dinheirinho bem honesto. Mas não era nada disso que eu queria falar. Quis recordar a data e lembrei disso.

O que interessa é o seguinte. Naquele tempo eu estava na editora Objetiva, dos meus queridos Bob e Isa, e recebi dias antes o crachá com o meu nome. Por um mal-entendido qualquer, quando cheguei ao hotel tinha outro crachá, também com o meu nome, mandado pelos organizadores da Bienal.

Mas não era nada disso que eu queria falar. O que interessa é o seguinte: eu fui com os dois crachás, idênticos. Tinha lá um lugar reservado aos escritores, para onde fui levado assim que cheguei. O uísque era de graça. Naquele momento, o outro único palestrante presente era o Carlos Alberto Parreira (aquele mesmo, capitão do Exército e técnico de seleção), que também iria palestrar sobre não sei bem o quê.

Aí apareceu a minha parceira de mesa, a Cora Rónai, procurando alguém da organização, porque o Millôr tava lá fora, sem crachá, e, sem crachá numa bienal, por mais millôres que você seja, tem uns lugares aos quais você não tem acesso. Por exemplo, o bar onde estávamos eu, o Parreira e a Cora. Dei um dos meus crachás, ela desceu e logo sobe o Millôr com o meu nome no peito.

Talvez tenha sido um dos momentos de emoção mais forte da minha vida. Uma emoção profissional, meu! O cara era o pai para a minha geração! O mestre! O Millôr era quase 30 anos mais velho do que eu. Cresci lendo o “Pif-Paf”, no “Cruzeiro”. (Só um parêntese: o meu filho Antonio disse que a morte do Millor -tem gente por aí acreditando que ele morreu- pra ele era como perder um avô. Sim, eu era filho do Millôr, portanto.)

Quando começou “O Pasquim”, ele tinha 40 e cacetada, e eu, 23. Ousei mandar um texto para ele. E ele decidiu publicar. E dizia isso por aí, como se falasse de um filho dele. Por coincidência, enquanto falávamos mal de alguém, toca o telefone e era o “neto” dele, Antonio, igualmente escritor.

Sem falar nada para o Antonio, coloquei o Millôr na orelha dele. Falaram uns quinze minutos. Nunca se encontraram: só de orelhas. Mas foi uma bênção. E o cara ali, ao meu lado, com um crachá escrito Mario Prata.

Mas não era bem isso que eu queria falar. Quando foi montada a mesa para a palestra, éramos eu, a Cora e o Dapieve. E o Millôr sentou na primeira fila, exatamente na minha frente, na minha cara. E eu comecei a gaguejar com o cara ali esperando minhas “inteligências”.

E eu disse para o público. É o seguinte, tem um cara aqui na primeira fila me olhando e eu estou ficando incomodado. Ou ele vem aqui pra mesa, ou eu saio correndo. Felizmente ele foi para a mesa. Mais felizmente ainda, sentou-se e falou por duas horas. Acho que por isso que não pagaram a gente, penso agora, 13 anos depois.

Mas não era essa história que eu queria contar.

Foi assim, a verdadeira história: depois da “palestra do Millôr”, fomos cada um para um lado e marcamos de nos encontrarmos às 11h na Nova Fronteira, que tinha um uísque honesto, segundo o Millôr.

Nos encontramos e o Millôr me contou que estava caminhando pela feira quando duas velhinhas olharam para a cara dele, reconheceram (segundo relato dele), depois olharam o crachá com o meu nome e foram em frente.

“Mas eu senti que elas estavam me seguindo. Até que a mais jovem me cutucou: desculpa, mas o senhor não é o Mario Prata, né?”

“Não, não sou, minha senhora. É que…”

Foi cortado pela mais velhinha, que categorizou:

“Eu te falei, não te falei? É o Verissimo!

* Publicado no caderno Ilustríssima da Folha de São Paulo

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Uma ideia sobre “O Millôr sempre foi muitos

  1. Ivan Schmidt

    Também tenho uma passagem interessante com o Millôr Fernandes. Ocorreu nos anos 70 quando Jaime Lerner prefeitava em Curitiba e promoveu um encontro nacional de lazer no parque São Lourenço. Dentre os convidados a discorrer sobre o tema (que à época era um luxo), estava Millôr Fernandes. Eu era repórter da TV Iguaçu (canal 4) e lá fui fazer a matéria… Óbvio que não iria perder a oportunidade de entrevistar também o Millôr. Quando solicitei a gentileza de dizer o que pensava sobre o tal seminário, a resposta foi curta e grossa: “Desculpe, mas eu não dou entrevista à televisão”. Pano lento…

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