7:04Roberto Portugal, um exemplo

por Célio Heitor Guimarães

Com o falecimento de Roberto Bacellar Portugal, no último dia 4, o Paraná perdeu um grande homem e seus amigos, como eu, uma referência. Ele dedicou a maior parte da vida à administração pública, que honrou como poucos, marcando a sua conduta com dignidade, correção e competência. Foi um modelo para os colegas e um mestre para as novas gerações. Por isso e muito mais, deixará muita saudade.

Fui companheiro de jornada de Roberto no Tribunal de Justiça do Estado. E apenas um fato serve para ilustrar o comportamento dele no serviço público ,hoje tão desprezado e tão desonrado: integrávamos a banca examinadora do concurso para o cargo de assessor jurídico do TJ, da qual ele – então subsecretário do Tribunal – era o presidente. Nessa condição, recebeu a visita de inúmeras figuras ilustres, algumas delas portadoras de toga e com acento naquela corte. Chegavam, nada pediam, mas avisavam que o filho, o sobrinho ou um afilhado iria participar do concurso, deixando uma anotação com o nome do candidato, cuja aprovação os faria muito felizes. Roberto, sempre cordial, recebia as papeletas e as depositava na gaveta de sua mesa de trabalho.

Realizada a competição e corrigidas as provas, antes da divulgação do resultado, indaguei a ele:

– E aqueles pedidos que você colocou na sua gaveta?

– Vamos deixá-los lá – respondeu-me, com um sorriso, emendando: Estão muito bem ali.

Esse comportamento levou o então presidente do Tribunal ao desvario, comum a reação digna de comédia pastelão: ao tomar conhecimento do resultado e receber as provas, s. exª. atirou-as no chão e pulou de raiva sobre elas, ante uma assistência atônita.

O que fizemos, Roberto e eu, diante de tão inusitada encenação? Simplesmente, abrimos a porta do gabinete presidencial e fomos embora.

E Roberto, que também já tivera sido convidado para o cargo de secretário do TJ, na gestão que se seguiria, continuou na subsecretaria, posto que o nome do filho do futuro presidente do egrégio era um dos que ficaram esquecidos na gaveta da escrivaninha dele.

Roberto Portugal partiu de repente, longe de casa, nos altiplanos de Bogotá ,na Colômbia, onde fora comemorar os aniversários da mulher Eunice e da filha Dinorah. Sua morte apanhou de surpresa parentes e amigos. E ele próprio. Mas acredito que foi feliz. Porque com a certeza do dever cumprido. E a obra terminada. A vida deu-lhe a companheira que encontrou, os filhos que desejou e os netos que tanto amou. Viu-os nascer, crescer e tomar caminho. Profissionalmente, foi vitorioso por onde passou. Marcou presença na advocacia e na Corregedoria Geral de Justiça e dirigiu, por longo tempo, as secretarias dos tribunais de Alçada e de Justiça do Estado. Deu-lhes feição  eseriedade, corrigiu-lhes os defeitos e traçou-lhes novos horizontes. Fez tudo o que devia ser feito. Era um homem realizado.

Disse o poeta sagrado que “para todas as coisas há o seu tempo, debaixo do sol; há um tempo para viver e um tempo para morrer”.

Mas o que é a vida? Segundo Rubem Alves, o meu filósofo favorito, a vida é uma sonata ou um poema enorme, uma explosão de gestos e sentidos espalhados pelo espaço. E observa o mestre: “Mas, como tudo o que é humano, a vida também é cansaço que anseia pelo sono… Cada poema se inclina para a sua última palavra, cada canção se prolonga na direção do seu silêncio”.

Roberto Portugal completou a sonata dele.

Célio Heitor Guimarães

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5 ideias sobre “Roberto Portugal, um exemplo

  1. Dallagassa

    Eu diria: “Um homem de respeito”.
    Muito oportuna a homenagem ao nosso querido doutor Roberto.

  2. Dilson

    Como sempre, admiráveis as suas considerações sobre pessoa com a qual teve a oportunidade de trabalhar e aprender.

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