10:55Enfim, um título!*

por Cristovão Tezza

Pois como o futebol é a terra prometida do eterno retorno, o Atlético volta a levantar uma taça depois do desastre do ano passado, com um time muito próximo do que caiu para a Série B, e, no entanto, completamente diferente. Tudo bem: por enquanto é apenas um meio título, campeão do primeiro turno; e os pessimistas dirão que o Atlético dependeu do Cianorte, que amargou um inesperado empate em Arapongas, com um a mais em campo, e não das próprias pernas – são as ironias da velha caixinha de surpresas. Mas, seguindo a teoria do caos, que desorganiza tudo para dar certo ao final, foi justíssimo. A equipe do Atlético, remontada de forma quase inacreditável pelo novo técnico Juan Carrasco, renasceu das cinzas, só jogou para ganhar, reaprendeu a fazer gols, aprendeu a se defender e em quase todos os jogos brilhou em campo, leve, solta e feliz. E está revelando novas estrelas, como o goleiro Rodolfo, que é uma fera. Vamos torcer para que ele cresça sempre e mais adiante não desapareça em algum contrato de cartolas do Casa­­quistão, como tem sido a norma do nosso futebol. Sim, repetindo o óbvio, dá para dizer que ainda não é uma equipe pronta para enfrentar a barra dura e longa do brasileirão, mas poucas vezes começou o ano de forma tão promissora como agora. Tudo somado e subtraído, é um time que está dando gosto de ver jogar. É bater na madeira e continuar torcendo.

Só não foi uma festa completa não pela derrota acidental contra o Arapongas – isso é parte do jogo e de sua graça, e remédio eficaz contra a soberba –, mas pelo triste espetáculo da torcida única contra o Coritiba, um exemplo de negação total do que é o esporte e a beleza do futebol. Com a desculpa esfarrapada da segurança, em que o estado se vê refém de bandidos, assisti a um jogo estranho, uma experiência de hora do sol da penitenciária, em que um lado não pode gritar; só tem polícia. É um clima soturno – os jogadores sem torcida não contam nem com quem cumprimentar na arquibancada; não há uma única bandeirinha diferente a tremular. Nem aquelas partidas sem torcida a que os times às vezes são condenados pela Justiça Desportiva, que parecem transformar o campo num ginásio de futebol de salão, com a gritaria dos dois técnicos reverberando em nada, nem essas soam tão tristes, porque pelo menos são igualitárias. Futebol de torcida única é um evento sinistro que não deve ser repetido (ainda que o Coritiba tenha todo o direito de exigir o mesmo no returno – que se encerre ali esta experiência). O mais desconcertante são os momentos em que o juiz erra a favor do time dono da casa (o que é raríssimo acontecer com o Atlético, pelo menos aos meus olhos de torcedor), e ouve-se aquele vazio absurdo, dez segundos de injustiça e silêncio, educando-nos para o erro – instante que lembra, simbolicamente, o silêncio das ditaduras, do partido único, do fim do esporte.

*Publicado no jornal Gazeta do Povo

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