10:24Uma grife de prestígio

por Ivan Schmidt

O diário madrilenho El País, um dos jornais mais importantes da atualidade, publicou em sua edição de terça-feira (21), reportagem do correspondente em Buenos Aires,
Francisco Peregil, discorrendo sobre processos que correm na justiça paraguaia contra o ex-ditador Alfredo Stroessner e familiares próximos, herdeiros duma fortuna avaliada em US$ 5 bilhões. Os processos foram abertos pelo advogado Mario Benitez Acuña em nome de vinte cidadãos que se julgam vítimas de perseguição e violências físicas sofridas durante o longo período de exceção no país vizinho.

O general Stroessner, como se sabe, morreu aos 93 anos de idade em agosto de 2006 em Brasília, onde estava exilado. Com o apoio do Partido Colorado, ele governara
o Paraguai durante 35 anos até 1989. Um dos traços marcantes de sua personalidade política foi a abertura da fronteira paraguaia para dezenas de figuras relevantes do
Terceiro Reich. Mesmo não sendo uma ditadura sanguinária, durante o governo de Stroessner calcula-se o desaparecimento puro e simples de cerca de 400 pessoas.
Mesmo assim, jamais o general sofreu qualquer constrangimento por parte do judiciário.

Segundo Peregil, a imprensa paraguaia noticiou há 12 meses o falecimento do filho mais velho do general, o coronel-aviador Gustavo Stroessner Mora, vítima de câncer,
que conseguira anular todas as acusações de enriquecimento ilícito. Uma incógnita ainda não resolvida pelos jornais e nem pela história recente do país é explicar de que
forma pai e filho conseguiram acumular fortuna tão prodigiosa. E tampouco quem são os sortudos com o direito de desfrutá-la.

O advogado das vítimas, Benitez Acuña, estima que a quantia acumulada em grande parte depositada em contas secretas em bancos suíços pode chegar a US$ 5 bilhões (3,7 bilhões de euros), contando-se também imóveis urbanos e rurais e muitas empresas registradas em nome da família. Acuña trabalha para que os herdeiros de Stroessner reconheçam o direito das vítimas em receber indenizações correspondentes às perdas e danos que sofreram.

O repórter do El País escreveu que as sombras e os grandes segredos da ditadura paraguaia foram em parte dissipados desde o dia que Edgard Ruiz Diaz, jornalista
do ABC, diário editado em Assunção, conseguiu permissão para examinar os arquivos secretos sobre a ditadura. Isso aconteceu há 20 anos e desde então o repórter começou a gravar suas leituras. Não tardou a descobrir indícios da abertura de várias contas na Suíça. Entrevistado por Francisco Peregil declarou que caberia
à comunidade internacional investigar a existência dessas contas no estrangeiro. O repórter investigativo gastou a metade da vida tentando desenrolar a teia empresarial da família Stroessner e tem esperança de que as vítimas consigam receber compensação econômica. Disse ele que Gustavo Stroessner livrou-se do processo por enriquecimento ilícito devido a prescrição do mesmo. O coronel esteve fora do país por mais de 20 anos e ao retornar nada mais havia contra ele.

Para o jornalista, entretanto, o que emperra os processos contra os descendentes do ditador é o medo ainda dominante no país. Um neto do caudilho de opereta morto aos
93 anos, também chamado Alfredo, é senador pelo Partido Colorado e gestor da maior parte do patrimônio herdado, além de ter poder e influência suficientes para retardar a ação da justiça.

A batalha jurídica teve início em 2004 quando Geraldo José Osta Sarubbi contratou o advogado Mario Acuña para obter compensação financeira pela perseguição e repressão sofridas por seu pai, o capitão Osta Mendoza. Desde então mais vítimas (ou parentes) tomaram a decisão de engrossar o processo engavetado quando Stroessner morreu. Anos depois Acuña conseguiu vinculá-lo ao do primogênito Gustavo e o processo começou novamente a andar. Contudo, agora em fevereiro outro neto do ditador, Emanuel Manzur Stroessner, viajou do Brasil ao Paraguai com o objetivo de mais uma vez suspender o processo, o que conseguiu. Pelo visto, ainda hoje a grife Stroessner continua com muito prestígio no Paraguai, apesar da promessa de apoio do presidente Fernando Lugo às vítimas.

O advogado delas afirma que o processo foi paralisado por meio de expedientes claramente inconstitucionais, “de forma imprevista e arbitrária”. O caso será levado agora à Corte Suprema, a mais elevada instância judicial do Paraguai, na qual está depositada a última esperança dos que sentiram na carne a mão pesada do regime
autoritário.

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3 ideias sobre “Uma grife de prestígio

  1. José Maria Correia

    Perfeito texto e um único reparo, a ditadura de Stroessner foi sim sanguinária e muito basta ler ou ter ouvido os relatos dos oposicionistas torturados na Pileta , tambores de gasolina cheio de excrementos tos humanos onde eram mergulhados amarrados nús de cabeça para baixo até desmaiarem, muitos foram assassinados desta forma .

  2. A Verdade

    enquanto no brasil, existe uma lei da anistia, claramente inconstitucional, que nos retarda até hoje!!! no paraguai, pelo menos, eles lutam pelos seus direitos… aqui, preferem mamar nas tetas da viúva e fingir que nada aconteceu!!! de fato, nossos vizinhos são MUITO mais evoluídos do que o povinho zé bunda do lado de cá da fronteira… e ainda temos orgulho de sermos a 6ª economia do mundo… aff…

  3. Ivan Schmidt

    José Maria Correia:
    Grato por sua observação. Na verdade, pensava fazer uma comparação com as demais ditaduras da América do Sul, incluindo a brasileira, que eliminaram fisicamente milhares de pessoas. Se no Paraguai a ditadura tivesse eliminado um só da forma que você descreve, já seria indubitavelmente sanguinária. Fico honrado pela leitura.

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