6:44Reféns da incompetência e da ilegalidade

por Célio Heitor Guimarães

Um fato pessoal, mas que poderá ser de interesse de todos aqueles que se enquadram no título acima: no início do ano passado, fui autuado por um diligente agente da Diretran, aquele antigo órgão de fiscalização do trânsito da Urbs, por haver, como motorista – segundo ele – “parado na área de cruzamento das vias Visconde de Nácar e Cruz Machado”, nesta Capital. E, assim, cometido infração de natureza média, passível da aplicação de multa no valor de R$ 85,13 e da perda de quatro pontos na carteira.

Apresentei a chamada “defesa”, alegando o que todo motorista que trafega por esta Vila de N.S. da Luz dos Pinhais sabe de cor: o cruzamento da Visconde de Nácar com a Cruz Machado, fermentado pelos cruzamentos da mesma Visconde com a Saldanha Marinho, com a Fernando Moreira e a Carlos de
Carvalho, é um dos piores gargalos do trânsito curitibano.

Destaquei a intensidade do tráfego na região em determinados horários e a impossibilidade de previsão, durante o fluxo contínuo de veículos, do momento em que o mesmo será interrompido. Sobretudo porque, como também é de conhecimento geral, não existe sincronismo entre os semáforos e o
congestionamento de veículos no local é uma constante, sem que se vislumbre jamais a presença de um diligente agente público para colocar ordem na confusão – a não ser, é claro, oculto, à espreita, para lavrar autos de infração contra os incautos.

Em assim sendo, aduzi que, por mais cuidado que tenha o motorista, sempre corre o risco de ser surpreendido, como pode ter acontecido comigo, com o fechamento de um dos sinais e a interrupção abrupta do fluxo de carros, e com uma parada intempestiva sobre a faixa de cruzamento das vias, ainda que por poucos instantes, sem condições de progredir, recuar, derivar para os lados ou sair com o veículo debaixo do braço.

A “defesa” – que, como se sabe, na velha Diretran não era sequer lida – foi indeferida, claro, “conforme fundamentação escrita no processo”.

Inconformado, pedi fotocópia de inteiro teor do processo. E aí constatei que o dito “processo” compunha-se apenas da capa, do extrato do processo de defesa da autuação, da defesa propriamente dita, acompanhada das fotocópias da CNH do condutor do veículo e do auto de infração, e da Análise de Defesa da Autuação. Esta, padronizada, sintética e burocrática, limitava-se a expressar
que “O auto de infração está em conformidade com os requisitos exigidos pelo art. 280 do Código de Trânsito Brasileiro…”, e que “A materialidade da infração foi comprovada e reduzida a termo no competente auto de infração”, (…) que “goza de legitimidade e presunção de veracidade”.

Quer dizer: apenas um relatório e uma conclusão – repito – sintética, burocrática e padronizada de um burocrata subalterno. Nenhuma decisão superior e sequer alguma referência aos argumentos da defesa apresentada.

Fui obrigado a recorrer à tal Jari, reiterando os termos da defesa e acrescentando ser princípio elementar de direito que o ato administrativo, como manifestação de vontade da administração pública, deve ostentar, para sua validade, alguns requisitos que, por fundamentais, apresentam-se indispensáveis. Entre eles, os princípios da legalidade e da motivação.

Debalde: o resultado na Jari foi idêntico. Isto é, o recurso foi “improvido”, “conforme fundamentação escrita no processo”.

Restar-me-ia a possibilidade de apelar ao Conselho Estadual de Trânsito, o Cetran. Se o fizesse, iria acrescentar um novo argumento/pergunta às minhas considerações: pode continuar vigorando um ato de infração lavrado por agente incompetente, de um órgão destituído de capacidade legal para fiscalizar o trânsito e punir eventuais infratores do CTB? Valer-me-ia, para tanto, da decisão unânime do Órgão Espacial do Tribunal de Justiça do Paraná, datada de 16.09.11, que reconheceu expressamente que “a
Urbanização de Curitiba S/A (Urbs), empresa de economia mista, cujo sócio majoritário é a prefeitura da Capital, não pode exercer o papel de polícia na fiscalização do trânsito”. Em decorrência, o TJ/PR declarou a nulidade do auto de infração e ordenou o ressarcimento do valor da multa.

Diria ainda que a decisão seguiu na esteira de outra anterior, do Superior Tribunal de Justiça, de Brasília, que, pelo mesmo motivo, tirou da BHtrans a responsabilidade pela fiscalização do trânsito em Belo Horizonte e criou jurisprudência nesse sentido.

Pois é, poderia ter oferecido recurso – cujo prazo vence nesta quinta-feira 16 – ao Cetran. Mas não o fiz. Por quê? Porque para fazê-lo deveria recolher, preliminarmente, o valor da multa. Mas qual o valor a recolher, como fazê-lo e em favor de quem? Da Diretran, órgão que foi extinto e cujos atos deveriam ter
perdido a validade? Ou da Secretaria Municipal de Trânsito, que, na época da autuação, não existia e nada tem a ver com a minha autuação?

Não recorri e vou aguardar os acontecimentos. Quero ver o que farão os atuais burocratas da novíssima Secretaria Municipal de Trânsito – Setran, do doutor Marcelo José Araújo.

Marcelo é uma referência em direito de trânsito. Foi o fundador da Comissão de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná, é um mestre na matéria. Só não sei, sinceramente, se foi uma boa idéia ele aceitar uma secretaria derivada de uma estrutura administrativa contaminada pela incompetência e pelos desmandos de burocratas arrogantes e despreparados, que tanto mal causaram à coletividade curitibana.

Compartilhe

15 ideias sobre “Reféns da incompetência e da ilegalidade

  1. Frik

    Já me pegaram sem cinto na Silva Jardim ( distráido e perto de casa, com o trânsito praticamente parado – mas não consta foto – não precisa, a palavra do agente é bastante )

    Já autuaram meu carro às 9 e 5 minutos – não é tolerância zero, só tolerância cinco minutos – o agente estava à vista ainda quando apareci um minuto depois, mas não adianta conversar, é claro) – ‘Roma Locuta Causa Finita’)

    Então vivemos uma cruel anti-utopia, comparável aos piores pesadelos (Só falta … cobrar pelo ar respirado – TUAR, Taxa Única Sobre O Ar Respirado – federal) ops… vira esta boca prá lá – prá que dar ideias ?? !! 🙄

  2. Emerson Leme

    Meu Deus!, Mas que cara de pau. O cidadão confessa que cometeu uma infração e quer pôr a culpa no sistema, no gargalo de trânsito, no agente que cumpriu com seu trabalho. É muita cara de pau mesmo. Todo infrator é assim, a culpa nunca é dele, é sempre do sistema, do gargalo, do agente. Se todo motorista que trafega por esta Vila de N.S. da Luz dos Pinhais sabe de cor o cruzamento, então aí é que não há desculpa para cometer a infração. Se sabe de cor, por que não foi competente ao volante para não parar na área de cruzamento? Já pensou se todo infrator que parar nesta área de cruzamento for perdoado? A rua vai ficar a vida inteira com infratores na área de cruzamento. A multa existe justamente para isso, para o cidadão entender que naquele local, naquele pior gargalo de trânsito tem que ter atenção e responsabilidade. Não dá para trafegar ali pensando na morte da bezerra, ou no que será que eu vou escrever hoje no blog do Zé Beto. Tem que prestar atenção, se não vai ser mesmo surpreendido. E se for “surpreendido” e cometer a infração, a função do agente é mesmo multar, se ele não o fizesse estaria prevaricando. Mas como ele fez seu trabalho, virou o incompetente.
    Parabéns “à estrutura administrativa contaminada pela incompetência e pelos desmandos de burocratas arrogantes e despreparados, que tanto mal causaram à coletividade curitibana”, a esta coletividade dos INFRATORES, que sempre acham uma desculpa esfarrapada para justificar sua infração, não é senhor Célio Infrator? E antes de escrever uma nova ladainha para não admitir seu erro, não perca tempo. Use o tempo para pagar a multa pela infração que cometeu.

  3. catraca

    Célio, fui autuado de forma idêntica, no mesmo local.

    Na hora em que recebi a notificação, pensei em agir da mesma forma que você. Não o fiz.

    Na maioria das vezes, para se exercer a cidadania é preciso estômago.

  4. jeremias, o bom

    É piada pronta. Chamem o Macaco Simão!

    Criticam a impunidade para os outros mas querem a impunidade para si.

    Com um povo como esse, como podem ser diferentes os políticos?

  5. Marcelo Araújo

    O Emerson resumiu bem. O Brasil está de ponta-cabeça, mesmo. O sujeito comete uma infração e banca o indignado. Mas, em se tratando de infrações de trânsito, é sempre assim: o “doutor” acha que todas as leis deveriam ter um dispositivo na linha do hímen complacente. Ou, em português claro, que as leis sejam severas para todos… os outros! Mas não para ele. Que piada! hahahahaha

    Pra constar: o senhor que o infrator cita na confissão de culpa é apenas homônimo.

  6. Alex

    Heitor, ninguém é “pego de surpresa” quando se aguarda civilizadamente fora da caixa amarela o trânsito fluir na outra quadra. O senhor quis dar uma de esperto duas vezes: quando colocou o carro na caixa amarela sem esperar o trânsito fluir e quando escreveu esta singela carta pro ZB tentando colocar todo mundo contra o sistema.
    Pague a multa e, melhor, pare de dar uma de espertinho. O trânsito agradece.

  7. Célio Heitor Guimarães

    Fiquei comovido com as manifestações. Só não vou respondê-las por não estar à altura de tanta inteligência concentrada. Prefiro entregar-me às autoridades, como meliante confesso – e, ainda por cima, “cara-de-pau” -, capaz de por em risco a segurança do belíssimo e disciplinado trânsito curitibano. Reviva-se a ilegal Diretran e os gênios que viviam ali engarrafados!
    P.S. – Ao Marcelo Araújo, que espero não tenha um José no nome: ainda estou rindo da vossa piada. Como você é engraçado, cara! Já pensou tentar a televisão?

  8. Peter Zero

    Sr. Célio, seus argumentos podem ser razoáveis, mas a prudência pede que o motorista esteja atento à velocidade que trafega e às distâncias do veículo que vai à frente, bem como das sinalizações na via de rolamento , visando não bloquear os cruzamentos ou parar sobre a faixa de pedestres. O artigo 182 do código de trânsito não deixa dúvidas quanto a isso. Sinto muito.

  9. joãozinho

    Também já dei uma de engraçadinho e fiz cagada no trânsito. Também fique indignado.
    Também não fugi das responsabilidades e obrigações.
    Parabéns ao agente que me viu e me autuou.
    Abaixo os ratos infratores. Viva a SETRAN.

  10. AMARAHAL

    Parabéns CHG
    Pô parece que o pessoal da SETRAN – EX DIRETRAN deve estar unido nas críticas acima e estão defendendo seus novos empregos.
    Cadê o concurso público para admissão dos agentes de trânsito?
    Se não forem concursados não podem exercer o “Poder de Polícia” !
    Estão KHNDO com a Constituição……….

  11. Zangado

    A máquina da Diretran era para multar não era para ter bom senso, algumas vezes imprescindível, como no caso relatado. O agente de transito não estava ali para orientar o trânsito, ajudar organizar o tráfego em horas de congestionamento. Porisso a renitencia da sociedade, porque não via no agente de trânsito seu parceiro no cumprimento da lei, mas seu antagonista. O processo educativo, de orientação, de presença da autoridade no local para ajudar a sociedade premida pela incompetência da administração em melhorar o fluxo do trânsito em alguns locais (hot points) não estava nos planos da Diretran – era acessório descartável. A maquina Detran/Diretran era tocada por comissionados e contratados exclusivamente com o própósito de arrecadar – o trânsito era caixa do Estado e do Município. Inclusive com desvio de verbas, nunca impugnadas pelo tribunal de contas e ministério público, inobstante denúncias públicas. As defesas e recursos eram sempre repelidas segundo “o princípio da legitimidade e legalidade dos atos administrativos”, isto é, qualquer alegação, por mais fundada que fosse, nunca era apurada. O Detran, como autarquia estadual, era composto de advogados comissionados, assim como a composição da JARI e do próprio Cetran – isto é, por advogados sem independência técnica e sem compromisso com o serviço público. Nisso violavam – não sei se ainda não continuam violando – a Constituição e as leis que regem a advocacia pública, onde as atividades de representação judicial, consultoria e assossoramento jurídico do órgãos públicos devem ser exercidos por advogados de carreira, não por comissionados ou contratados. Explica-se porque o convênio manifestamente ilegal com a Urbs durou tanto tempo, embora há muito se sabia e qualquer primeironista de Direito soubesse da ilegitimidade ab origine da Urbs para fiscalizar o trânsito. Muito da rapina propiciada pela maquina de multas é devida a essa improbidade administrativa – comissionados e contratados exercendo atividades jurídicas de advogados públicos de carreira, únicos a analisarem a legalidade de processos administrativos de multa bem como avalizarem convênios a serem celebrados. Tribunal de Contas e Ministério Público que acossam as Municiplidades que usam comissionados em atividades jurídicas fizeram e fazem olhos de marcador quando se trata do Estado. Então tudo desanda. Nosso Estado de Direito Democrático vira esse antro de ilegalidades. Até quando ? Até quando começarem a responsabilizar os gestores públicos relapsos e improbos.

  12. ACarlos

    Todo este blá blá blá não resolveu nada. O que me irrita neste processo todo é que eu preciso pagar a multa da qual discordo para continuar discordando. Este artigo da lei é ótimo para quem é advogado, porque pode continuar discutindo quase ad eaternum. ACArlos

  13. A Verdade

    povo burro é isso aí!!! Chupem!!!! quem mandou ter carro????? agora aguentem!!!! eu só ando de busão e de magrela, e não tenho que pagar prestação, ipva, licenciamento, dpvat, multas… posso viajar com bastante dinheiro, fazer compra nos states, enquanto vcs pagam seu luxo hahahahaha…

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.