14:40Coreto

de Newton Sampaio

      Era um coreto. Redondo, pequeno. Erguido numa pracinha sem nome glorioso. Na pracinha em que, aos domingos e feriados, as mulatas costumavam brilhar exuberantemente. Sobretudo e aqueles trechos tao quando a banda da polícia chega para executar suas valsinhas enlanguescentes e aqueles trechos tão bonitos de operetas velhíssimas. Há, até, uma valsa em si menor cuja terceira parte consegue nutrir o pessoal de romantismo para todo o resto do mês. Nesse momento, ficam os olhares menos furtivos, as palavras adquirem intenções mais perigosas, e os fins de noivado parecem infinitamente mais doloridos.
      Era um coreto pequeno e redondo. Que sequer possuía bom teto. Porque a chuva atravessa aquela fenda antiga, e está caindo logo em cima do segundo banco. Nesse mesmo lugar que o clarinetista semanalmente ocupa, para a exibição (aliás comentadíssima) do seu grande talento suburbano.
     Por cuasa da chuva, a praça permanece abandonada, sem cabrochas namoradeiras nem trigueiros galãs invencíveis. E o coreto está úmido, sem luz, silencioso. Silencioso, sem personalidade.
     Porque a personalidade dos coretos das pracinhas existe em função das valsas em si menor. Dessas valsas e de quaisquer trechos de operetas velhíssimas…
     Nos postes solitários, a chuva, que é fininha e impertinente, escorre mansamente e põe, nas bordas das lâmpadas, refrações instantâneas. Ao mesmo tempo, substitui a banda da polícia, executando, na cobertura do coreto, certa música esquisitíssima. A cobertura é de zinco e a água faz, sobre ela, um chiado monótono, desafinado, sem fim, capaz de adormecer todos os homens inquietos da vizinhança.
     Então ele chega. Devagar, devagarinho. De mãos enterradas nos bolsos. Com os cabelos empastados na grande cabeça. Com os olhos brilhando em terríveis brilhos ignorados.
     Ele chega, ladeia os postes, pisa as poças da pracinha adormecida, sobe ao coreto, senta-se no segundo banco, violando o privilégio do clarinetista. Continua de mãos nos bolsos, deixa que a água chegue pela fenda do teto de zinco, e encharque ainda mais seus cabelos, e caminhe mansamente em seu rosto cheio de sombras.
     Então, ele fica sendo, na noite quieta do bairro inútil, o homem mais triste, mais miúdo, mais abandonado do mundo.

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Uma ideia sobre “Coreto

  1. Célio Heitor Guimarães

    Bonito, Newton. Conheci alguns coretos assim. Pena que não existam mais. Só no interior das Minas Gerais.

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