por Célio Heitor Guimarães
Acabo de ler “Mano, a noite está velha” (Planeta Literário, 2011), obra póstuma, autobiográfica, do nosso Wilson Bueno, que tão cedo e tão estupidamente nos deixou. Com certeza, ele está por inteiro naquelas páginas sofridas. Um talento como poucos, aprisionado em um corpo atormentado, refém de uma “vida
cachorra”.
“A vida é triste porque somos inevitavelmente íntimos de nós mesmos e não há quem se suporte quando se olha por dentro – sincero, honesto consigo mesmo, veraz”.
Na orelha do livro, Ubiratan Brasil, editor do Caderno 2 de O Estado de S.Paulo, relembra que “Wilson Bueno era saudado como um dos grandes reinventores da literatura brasileira por conta de sua prosa experimentalista, em que a própria linguagem é, muitas vezes, o tema do enredo”. Tem razão, embora eu acredite que isso tivesse pouca importância para ele. Wilson queria mesmo era expressar-se, pôr para fora aquilo que asfixiava a sua alma. Era um poeta, solitário, recluso em tormentos pessoais e familiares, com os quais pretendeu fazer, nesses derradeiros escritos, um acerto de contas.
“Mentindo a mim mesmo, alinhavo frases, longos períodos, parágrafos sujos ante o medo e a ignorância de que escrever é para os gênios e não para um poeta em tom menor feito este…”
Recluso no “Palacete dos Tico-Ticos” – sobrado que ficava pelos lados da Vila Tingui e não no bairro “new-kitsch do Champagnat”, antigo Bigorrilho, como colocou no livro –, depois da morte da mãe restou a Wilson a literatura. Lia e escrevia com compulsão, ainda que isso não lhe acalmasse os nervos nem
atenuasse os dias: “Preciso escrever ao menos para não deixar que passe pela água do tempo a nossa lenda desimportante…”
A morte se faz presente em cada página de “Mano, a noite está velha”, como uma premonição.
“Cato meus restos pela sala. É assim como se eu fosse um boneco de pano do qual se retirou todo o enchimento… Há três dias não me olho no espelho, há três dias não tomo banho, não faço a barba nem troco de roupa. Devo estar horrível. Fumo, compulsivamente fumo um cigarro atrás do outro e o inevitável ventilador do teto, com seu ruído rascante, torturado, transtorna ainda mais o janeiro espedaçado… Fumo, Mano, a tragadas demoradas e fundas, até o último esforço dos pulmões, o por certo pulmão cavernoso dos fumantesobsessivos. Feito quem suspirasse o derradeiro suspiro, a tragada chega a aquecer docemente traqueia e brônquios, na tentativa sempre vã de apaziguar a alma. Mato-me, claro. Aplicadamente vou me matando aos poucos, ou de vez, já não sei…”.
Não foi o cigarro que matou o escritor. Nem a bebida. Foi a solidão, as ausências, essa vida bandalha e o desamor. Que pena, Wilson! Você está fazendo falta por aqui.
Muito bem lembrado.
Justa homenagem ao talento de um ser humano complexo, dividido e assombrado por seus multiplos fantasmas.
Gostei !!