19:48O presépio*

por Célio Heitor Guimarães

O educador, escritor e meu filósofo favorito Rubem Alves, que teve educação religiosa protestante, confessa que, quando menino, lá nas Minas Gerais, tinha uma única inveja dos católicos: o presépio, armado no Natal. A cabaninha coberta de sapé, Maria, José, os pastores, ovelhas, vacas, burros, misturados com reis, anjos e estrelas, numa mansa fraternidade, contemplando uma criancinha, mexiam com o pequeno Rubem. Também lhe comovia a alegria dos católicos mais humildes ao transformarem pobres salas de visitas em lugares sagrados.

Acho que todos nós, católicos ou não, sempre fomos fascinados pelo presépio de Natal. Se não tanto pela cena, ao menos pela singeleza da representação. Rubem Alves diz sentir uma tranquila beleza triste diante dela. Que faz acordar uma ausência na alma dele, a lembrança de algo que teve e perdeu. A essa
ausência, ele chama de “saudade”. Mas, com precisão poética, faz questão de advertir: “Eu não tenho saudade. É a saudade que me tem”. E, como Drummond, Rubem quer aconchegar a saudade nos seus braços. “Porque saudade é um estar em mim” – justifica, rogando que, assim, não o consolem.

Ah, o meu querido Rubem! De quantas belezas você é capaz!

Pouco importa se o presépio encerra uma verdade ou não. Se aconteceu efetivamente ou é mero símbolo criado pela teologia católica passa a ser irrelevante. O que vale é que, com ele, as crianças do mundo todo são transportadas a um outro universo, que não sabem bem o que é, mas que as encanta e lhes faz muito bem. Esqueça-se, por favor, da correria dos shopping centers e da volúpia comercial infelizmente também presente.

Rubem Alves lembra um texto de Octávio Paz, que tem como um de seus favoritos e que aconselha ler devagar, “como quem rumina”:

“Todos os dias atravessamos a mesma rua ou o mesmo jardim; todas as tardes nossos olhos batem no mesmo muro avermelhado feito de tijolos e tempo urbano. De repente, num dia qualquer, a rua dá para um outro mundo, o jardim acaba de nascer, o muro fatigado se cobre de signos. Nunca os tínhamos visto e agora ficamos espantados por eles serem assim: tanto e tão esmagadoramente reais. Não, isso que estamos vendo pela primeira vez, já havíamos visto antes. Em algum lugar, onde nunca estivemos, já estava o muro, a rua, o jardim. E à surpresa segue-se a nostalgia. Parece que recordamos e quereríamos voltar para lá, para esse lugar onde as coisas são sempre assim, banhadas por uma luz antiquíssima e ao mesmo tempo acabada de nascer. Nós também somos de lá. Um sopro nos golpeia a fronte. Estamos
encantados… Adivinhamos que somos de um outro mundo”.

É preciso dizer mais? O presépio é capaz de fazer isso com Rubem Alves. E, com certeza, faz com todos nós. Mexe com a criança que habita o nosso interior. Por isso, não tem necessidade de explicações. “Na manjedoura, dorme uma criança” – sublinha Rubem –, “e não existe nada mais comovente do
que uma criança adormecida. Quem contempla uma criança adormecida, fica manso”. Até porque – conclui –, “uma criança adormecida não pede festas; pede silêncio e tranquilidade”.

Grato, mestre Rubem. Paz, muita paz, e vida longa!

Os mesmos votos desejo ao nosso Zé Beto e família e aos resignados amigos que acompanham estas mal traçadas linhas. Que Papai Noel chegue com o saco cheio. Mas de alegria, esperança e muita solidariedade e fraternidade para distribuir aos homens.

* Este texto foi enviado ontem, dia de Natal, mas só entrou hoje, por motivos técnicos. O “presente” do grande Célio Heitor Guimarães, no entanto, merece ser publicado em qualquer dia do ano. (ZB)

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