11:49A bomba de Pepe furou tudo

A bomba de Pepe furou tudo. Trespassou corações naquela noite chuvosa no Maracanã. Quantos quilos pesava o “capotão”? Na sala da casa do dentista de uma vila na Zona Leste de São Paulo, a telinha em preto e branco, transmissão da Tupi, com Walter Abrão na narração e Mauro Moraes nos comentários. O Dr. Milton era o mais santista dos baianos. Torcia tão fanaticamente quanto arrancava dentes com o boticão temido. O único a ter televisão nas redondezas. Um menino tímido, também santista como o pai, que estava ali ao lado retorcendo o bigode naquela final de Mundial, viu e sentiu toda aquela carga de emoção, ele que nunca tinha ido a um estádio ver o time de Pelé. E o Rei não estava naquele jogo, daí o nervosismo maior. Mas na bomba de Pepe, do meio da rua, furando tudo, e também a timidez, ele viu do dono da casa pegar o despertador que estava na mesinha de centro da sala marcando o tempo do jogo. E, espantado, viu o doutor jogá-lo para o alto, para o teto, onde o relógio explodiu. Hoje, já velho, aquele que era menino pensou nisso e, depois de mais uma final do seu Santos no Mundial, imaginou que o tempo parou naquele instante, quando Pepe furou tudo.

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2 ideias sobre “A bomba de Pepe furou tudo

  1. Maneco Carrão

    POBRE BRASIL!

    Se a ficha ainda não caíra para alguém, agora até o mais fanático dos patrioteiros é obrigado a reconhecer: deixamos de ser os reis do futebol.

    O melhor time que o Brasil formou em muitos anos foi presa facílima para o Barcelona, que novamente manteve a posse de bola por mais de 70% do tempo, fez o que quis e quando quis, goleou por 4×0 como quem tira o doce de uma criança e perdeu outras chances claríssimas de gol, inclusive mandando duas bolas nas traves do atônito Rafael.

    Vamos ver se, uma vez na vida, tiramos as lições corretas da (acachapante) derrota, ao invés de nos consolarmos puerilmente com chavões tipo “faltou garra” e “o Neymar pipocou”.

    Não é hora de queimarmos as poucas esperanças que temos de dar a volta por cima.

    Se dependesse da opinião de torcedores frustrados, o Gerson canhotinha de ouro nunca mais vestiria a camisa da Seleção depois de desperdiçar um pênalti em 1964, tornando-se o bode expiatório da derrota diante da Argentina por 0x3 em pleno Pacaembu. Ainda bem que o tínhamos regendo a orquestra brasileira em 1970!

    O certo é que, afora os grandes craques com que então contávamos, possuíamos em 1958 e 1962 um esquema de jogo menos convencional, com Zagallo recuando para ajudar o meio de campo e depois avançando como ponta-esquerda clássico, misto de 4-3-3 com 4-2-4.

    Em 1970 fomos além, com o quadrado mágico de Gerson, Tostão, Pelé e Rivelino, quatro jogadores em rotação, podendo ocupar e aproveitar qualquer espaço que surgisse.

    Mas, a partir daí empacamos.

    Não assimilamos o futebol total que começou a se desenhar desde a laranja mecânica de 1974. Tornamo-nos defensivistas, pateticamente cautelosos, acreditando sempre que, segurando tudo lá atrás, nossos talentos decidiriam as partidas com suas estocadas.

    Ainda ganhamos duas Copas do Mundo –sem, contudo, deslumbrarmos o mundo.

    Em 1994, pela primeira vez, a taça nos veio sem uma vitória na final: depois de 120 minutos de sonolento 0x0, superamos a Itália na disputa em pênaltis, mais apropriada para peladas domingueiras.

    Superioridade real se evidenciava quando havia a disputa de jogo extra. A loteria dos pênaltis pode premiar o menos ruim (1994) ou propiciar uma enorme injustiça (2006).

    Em 2002 foi a única vez em que a nova escola brasileira funcionou a contento –mas, num Mundial de entressafra, no qual nenhuma das grandes forças estava inspirada.

    Quando o estilo Barcelona se impôs, o futebol brasileiro despencou de vez.

    Faltam-nos zagueiros habilidosos, capazes de retomar a bola e saírem jogando.

    São anacrônicos e ridículos os nossos meio-campistas recuados, que só sabem cumprir razoavelmente a função defensiva.

    E carecemos desesperadamente de jogadores cerebrais no meio de campo, que ditem o ritmo da equipe e municiem os atacantes de forma a receberem a bola com apenas um ou dois zagueiros os marcando, não uma tropa.

    O superestimado Muricy Ramalho não decifrou o enigma da esfinge: nem conseguiu evitar as jogadas agudas do Barcelona, nem conseguiu fazer com que seus atacantes levassem real perigo (só ameaçaram em lances esporádicos, e mais por erros dos catalães).

    Teve o Brasileirão inteiro para preparar o Santos, mas seu time chegou despreparado à partida mais importante desde 1963.

    Então, temos de repensar muitas coisas e, nas categorias de base, fazer um trabalho direcionado para a gestação dos maestros que deixamos de produzir.

    Duas semanas depois da morte do grande doutor da bola e da democracia, tivemos um atestado eloquente de como nos fazem falta, hoje, os Sócrates.

    http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/

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