6:46Aprendi tudo errado

por Célio Heitor Guimarães

Estive pensando seriamente em processar os meus professores da Faculdade de Direito da vetusta UFPR. Mas, como acredito que, com exceção do insigne prof. Égas, todos já tenham passado para a outra margem do rio, resta-me apenas amaldiçoá-los. Ensinaram-me tudo errado.

Estive também na administração pública. Por acaso, na secretaria do egrégio Tribunal de Justiça, onde, por 35 anos, procurei proceder sempre com a mais absoluta correção, eficiência e probidade. Nada demais. Era apenas a minha obrigação como servidor público. Passei 15 anos dirigindo o departamento de patrimônio do TJ, encarregado de zelar pelo acervo e manutenção dos bens do Judiciário, incluindo (então) a aquisição, controle e distribuição de material e equipamento, da construção e reparo dos edifícios forenses em todo o Estado, e da realização de licitações públicas. Jamais levei para casa um lápis
nem preciso me dizer hoje lelé da cuca para escapar do xadrez. Isto é, para ser absolutamente honesto, acho que um dia andei escrevendo uns escritos particulares com uma caneta bic pertencente ao estoque público. Mas foi só.

Devolvi dezenas de cestas de Natal e outros mimos, ofertados gentilmente por fornecedores como prática usual, e até fui admoestado por isso por um ilustre desembargador que presidia o egrégio e ficava com as suas cestinhas e os outros mimos mais.

Depois, durante 20 anos, como advogado militante, colhi os ensinamentos de outros eminentes cultores do Direito, que deixo de nominar aqui para não comprometê-los.

Não obstante isso tudo, de repente, conclui que nada sei de Direito, de administração pública e, muito menos, de justiça. E isso me deixa desapontado. Mais que isto: profundamente irritado.

Lembra o leitor do Zé Beto da denúncia que aqui fiz sobre uma das maiores injustiças em curso na administração pública estadual, desencadeada na área intestina da secretaria do TJ/PR (“Justiça é isso?”, 14.09)? Pois ela continua em marcha e sendo vitaminada pelos preclaros artífices e condutores. Além de a “sindicância” (é assim que indica a Portaria nº 928/2001, do nobre secretário do TJ), haver sido determinada com gana de processo administrativo e com explícito pré-julgamento dos “indiciados”, embora o parágrafo segundo do artigo 207 da Lei Estadual nº 16.024/08, no qual se fundamenta o ato,
expresse que “a sindicância é o procedimento disciplinar que antecede o processo administrativo disciplinar e serve para a apuração da extensão dos fatos apontados como irregulares e da extensão da responsabilidade de cada autor”… Pois além dessa barbaridade, a “peça” inicial fez questão não apenas de enumerar os “delitos” que teriam sido “eventualmente” cometidos e as penas correspondentes, como relacionou, com nome, sobrenome e cargos, os “indiciados” no tal processo de “sindicância”… Isto é, apesar da prática ser ainda “eventual”, condenou todos, antes da própria instrução, do relatório da comissão processante e de qualquer oportunidade de defesa aos acusados – o que, a essa altura, tornou-se inócua e impossível – desrespeitando, de forma absurda e lastimável, os mais comezinhos princípios constitucionais vigentes.

Mas a coisa foi além: isso tudo já foi anotado nas fichas de assentamentos funcionais dos servidores!!!…

É isso aí, minha senhora. Ainda não se comprovara a culpa dos servidores nem mesmo se eles tiveram participação no fato tido como irregular ou levaram vantagem dele; não se ouvira os “indiciados” e as possíveis testemunhas; nem mesmo se iniciara a instrução do processo… Mas já se procedeu às (in)devidas anotações no currículo funcional dos servidores. Ou seja: de repente, sem razão, sem prova e sem julgamento, cidadãos de longos anos de bons serviços prestados à administração pública e conduta funcional ilibada tornaram-se portadores de “fichas sujas”…

Ah, meu egrégio!… O que estão fazendo com você?!

Aprendi na escola, na prática funcional e nos códigos que a punição só pode ocorrer depois de sentença transitada em julgado e decorrente de julgamento isento e responsável, em procedimento regular, no qual seja concedido aos envolvidos participação no contraditório e direito à ampla defesa. Antes disso, com base nos princípios da legalidade e da presunção de inocência, nada poderia manchar a ficha funcional do servidor – a não ser por abuso de autoridade e arbitrariedade, incompatíveis com o Estado Democrático de Direito. Pois é, não poderia. Agora, pode.

E o excelso Conselho Nacional de Justiça, que andou bisbilhotando por aqui no mês passado, o que teria dito disso?… Ou o fato lhe foi ocultado?

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2 ideias sobre “Aprendi tudo errado

  1. Jose Moro

    Infelizmente o ato de indiciar e condenar pessoas, sem direito a defesa, tem sido um ato normal, realizado por Juizes de todas as instancias…As “peças” processuais são abertos, os “indiciados” (normalmente inocentes ou laranjas) vem seus “crimes” sendo citados, porem tudo não passa de suposição, a defesa tenta falar, porem a decisão ja esta tomada muito antes de tudo. São condenados sem provas, sem direito a defesa, as vezes com penas abusivas, enquanto isso os verdadeiros culpados são protegidos pelos proprios magistrados! Sem falar em provas obtidas por meio de chantagem e outras ilegalidades. Estas ilegalidades tem acontecido em todos as esferas da Justiça e, mesmo existindo bons juizes, com certeza existem pessimos exemplos por aí. Que o diga o sr presidente do TJ, e o Sr Sergio(da midia) Moro, entre tantos outros que ja realizaram tais atos! VERGONHOSO!!

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