8:41Os dois times do Magrão

Sócrates pertencia a dois times. O primeiro, dos grandes craques da história do futebol brasileiro, ou seja, mundial. O segundo, o dos dependentes – e foi neste que ele se matou aos 57 anos. Sócrates foi sempre surpreendente, como o toque mágico do seu calcanhar, que ele desenvolveu porque era alto, magro e não tinha jogo de cintura. Mas que toque… Tive a honra de ver o Magrão jogando com a camisa do Botafogo, na sua Ribeirão Preto. Na época também experimentei o chope do Pinguim, talvez o mais famoso do Brasil, e hoje imagino quantos este jovem tomou ao longo da vida, quantos o levaram à falência dos órgãos, à debilidade que uma infecção alimentar o levou embora, neste dia de final de Campeonato Brasileiro onde o Corinthians, o Timão onde ele brilhou, tem tudo para levar o título. Sócrates Brasileiro tinha inteligência acima da média e isso o fez negar até o fim, mesmo depois de dois internamentos em UTI, a dependência do álcool. Paradoxo? Não, a negação da doença é tanto maior quanto mais inteligente for o doente. Sócrates foi artífice da chamada Democracia Corinthiana. Balançou o coreto num ambiente onde quem pensa diferente pena, como Afonsinho, por coincidência também formado em medicina. Só que o primeiro atleta a conseguir passe livre exerceu a profissão até pouco tempo, quando se aposentou. Sócrates não, mesmo porque, talvez, seria uma temeridade. Sócrates vai ficar na nossa lembrança como um jogador excepcional, integrante de um meio-campo que jamais será esquecido (Falcão, Toninho Cerezo, Zico e ele, na seleção brasileira de 1982, comandada por Telê Santana), com ideias políticas emboloradas, mas defendidas com paixão (ele disse recentemente que gostaria de ter nascido em Cuba e tem um filho chamado Fidel), e também como prova do quanto devastadora e aniquiladora é esta doença que não tem cura, mas controle. Entrevistei-o poucas vezes nos vestiários da vida, depois dos jogos. Era sério e suas respostas destoavam do lugar-comum da maioria dos jogadores. Hoje, neste dia triste, penso: será que ele sofria a dor da existência humana e não conseguia nem ao menos dar o devido valor ao que nos presenteava nos campos da bola? Um dos grandes companheiros de Sócrates no Corinthians tem a mesma doença e está conseguindo, só por hoje, o milagre da sobrevivência. Casagrande, comentarista da Rede Globo, quase se matou com cocaína e heroína, se internou e hoje deve estar chorando a morte do amigo que não conseguiu retomar o controle sobre a própria vida. Dependência é a doença, não importa o tipo de droga – é importante sempre este esclarecimento. Nosso time perdeu mais um, infelizmente. Quem sabe sirva de alerta e salve vidas. O time de futebol, essa arte maravilhosa, esse nunca vai perder o talento do grande jogador que nos encantou para sempre.

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3 ideias sobre “Os dois times do Magrão

  1. Emerson Paranhos

    Didi, Garrincha e todo o time lá do céu ganhou reforço considerável. Os clássicos lá ficaram ainda mais brilhantes.

  2. Jango

    O Doutor que para a maioria dos brasileiros já não era de um time porque alçara-se a mestre na arte do grande futebol, da seleção em que só entram os melhores. Ele que tirou tantas jogadas de gol com seu calcanha fulminante foi pego na calcanhada da manguaça cruel. Brincadeira de mau gosto, maldita !

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