9:01O Sherlock de Manhattan

 

Nick Holmes em ação e o primeiro gibi lançado no Brasil

por Célio Heitor Guimarães

Outro dia, folheando uma dessas revistas da Abril que forram as revistarias da cidade, reencontrei-me  com duas figuras que marcaram presença na minha vida: o primeiro, herói de histórias em quadrinhos, personagem refinado, nascido da prancheta e do talento de Alex Raymond; o segundo, jornalista carioca, aplicado e talentoso, que fez história na imprensa nacional.

Comecemos pelo segundo: Sérgio Augusto teve a audácia de levar os gibis aos jornais. Foi o primeiro crítico de quadrinhos do país, no Jornal do Brasil dos anos 60 do século passado. Era crítico de cinema em A Tribuna da Imprensa, mas o seu amor pelos quadrinhos levou-o ao JB, onde passou a tratar os
heróis de papel como, mais que simples distração, coisa séria. Assinava um comentário por semana, abrindo o caminho para outros teóricos, como Álvaro de Moya, Rui Castro, Moacyr Cirne e Paulo Ramos. Depois, Sérgio participou da turma do Pasquim, andou pelo Correio da Manhã e pela Folha de S. Paulo, antes de virar escritor (“Botafogo – Entre o Céu e o Inferno”, “Cancioneiro Jobim”, “Este Mundo é um Pandeiro – A Chanchada de Getúlio a JK” e “Lado B”). Hoje, está no Estadão e na revista Bravo!. E faz uma incursão pelos velhos tempos, focalizando o detetive Nick Holmes, criado em 1946 por Raymond, para a revista Alfa.

Nick Holmes, que se chamava na verdade Rip Kirby, foi um dos meus personagens favoritos. Não apenas pela arte magistral de Alex Raymond (que antes já nos dera Flash Gordon, Agente Secreto X-9 e Jim das Selvas), mas pela narrativa bem estruturada, pelo clima noir e pelo enquadramento cinematográfico. “Um herói moderno e radicalmente urbano”, como assinala Sérgio Augusto, que usava “mais os neurônios que os bíceps”, embora não lhe faltasse talento nem destreza para usar os punhos.

Quando Raymond (Alexander Gillespie Raymond) alistou-se na Marinha e embarcou para enfrentar os japoneses, o King Features Sindicate entregou Flash Gordon para o assistente do artista, Austin Briggs. Na volta, só lhe restou criar um novo herói, um alter ego: Remington “Rip” Kirby, também ex-fuzileiro
naval reintegrado à vida civil como detetive particular. Tinha uma vida refinada em Manhattan, usava óculos,fumava cachimbo, ouvia música erudita, circulava entre belas mulheres e dirigia uma requintada Mercedes SL300. Dispunha, inclusive, de um mordomo, o ex-presidiário Cecil Desmond (que aqui virou
Duarte). Ah, sim, e tinha uma namorada oficial, a modelo Honey Dorian. Os enredos eram inicialmente de autoria de Ward Greene, editor da King, e depois de Fred Dickenson.

No Brasil, Rip Kirby foi batizado de Nick Holmes, uma mistura de Nick Carter e Sherlock Holmes, outros investigadores policiais que existiam na época. Foi lançado em 1947, no Globo Juvenil, às terças-feiras e sábados. Depois, passou a ser publicado em tiras diárias no jornal O Globo, apareceu no Novo Globo
Juvenil Mensal e, enfim, ganhou revista própria da Rio-Gráfica Editora (que viria a ser a atual Editora Globo), no final da década de 1950.

Em setembro de 1956, ao experimentar a nova Porche de seu vizinho (Stan Drake, de Juliet Jones), Alex Raymond sofreu um acidente fatal. Tinha 46 anos Rip Kirby passou então às mãos de John Prentice, que conseguiu manter o charme e a popularidade do personagem durante 43 anos, assinando também os argumentos, quando da aposentadoria de Dickenson, até o seu falecimento, em 1999. A tira foi encerrada nesse mesmo ano, em 26.06.99. Com ela, Prentice recebeu do National Cartoonist Society o prêmio de melhor tira de história em quadrinhos dos anos de 1966, 1967 e 1986.

Fica aqui a sugestão para a Kolaco Editorial (ou para a Devir ou então para a Mythos: reeditar toda a saga de Nick Holmes, de Raymond e Prentice, em álbuns especiais de luxo. Os loucos por gibis (de boa qualidade) ficariam agradecidos.

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