6:53E a maldição continua

por Célio Heitor Guimarães

De vez em quando, volto ao assunto, em defesa dos desamparados: a maldição dos precatórios. Quem tem (ou já teve) a desgraça de ser credor da administração pública sabe do que falo. Para os que não sabem, explico uma vez mais: o denominado precatório requisitório é uma das práticas mais perversas da administração pública. Oficialmente, é a forma utilizada pela Fazenda Pública, estadual, municipal e federal, para quitar os seus débitos com os particulares, em virtude de decisão judicial. Na realidade, porém, é a maneira legal utilizada pela administração pública para procrastinar ao extremo o pagamento de suas dívidas, com prejuízos inestimáveis para os cidadãos credores. E tudo se torna pior ainda quando a autoridade pública toma decisões desastradas e o assunto cai nas mãos de burocratas incompetentes e
arrogantes.

Recapitulando os fatos: no apagar das luzes de 2009, o preclaro governo Lula, pseudo defensor dos pobres e oprimidos, deu à luz a Emenda Constitucional 62/2009. Ela ofereceu nova redação ao artigo 100 da Constituição Federal, criou os denominados “precatórios preferenciais”, privilegiando os velhinhos e doentes com o pagamento de uma mísera parcela líquida de quarenta mil pilas, e entregou a tarefa de quitação das dívidas ao Poder Judiciário, espargindo a confusão. Pior não poderia ter sido.

O PJ, que não peca pela celeridade, embasbacou-se ainda por cima. Não sabia como proceder, marcou reuniões, criou comissões, firmou convênios e acabou por constituir uma coordenadoria especializada para tratar da matéria.

Resultado: os credores do Estado que até então, bem ou mal, vinham recebendo seus créditos mensalmente, segundo listagens preparadas pela Fazenda estadual, a despeito de um atraso que chegava a dez anos, foram abandonados no porto sem nenhum navio à vista. Não obstante todos os meses seja transferido ao Judiciário pelo Executivo a bagatela de R$ 26 mi.

Quase dois anos depois, foram preparadas e pagas apenas oito listagens de “preferenciais” – uma nona está paralisada no setor “especializado” há quase seis meses, e só.

Minto: foram quitados, no decorrer do período, alguns precatórios comuns, não alimentares, por deferência dos gênios que compõem a coordenadoria especializada do TJ, que concluíram serem os grandes credores e as empreiteiras também filhos de Deus. Ainda que, para tanto, necessário fosse fazer vistas do art. 1º da própria EC 62, que reafirma a obrigatoriedade de pagamento dos precatórios exclusivamente na ordem cronológica de apresentação e a prevalência dos débitos de natureza alimentícia “sobre todos os demais créditos”.

Há ainda a necessidade de um novo acordo (ou coisa que o valha) entre os poderes Judiciário e Executivo para a solução de 50% da remessa de valores, que seriam destinados a uma espécie de leilão de créditos, mas que, se bom senso houvesse, poderiam destinar-se ao pagamento dos precatórios comuns,
emperrado no ano de 1996.

Só que tal medida exige ação e isso, como se sabe, não combina com as partes envolvidas. Afinal, faz só cerca de oito meses que se estuda o assunto.

Desgraçadamente, a administração do egrégio Tribunal de Justiça tem se mostrado despreparada para conduzir a questão. E nem o fato de, hoje, parte da assessoria presidencial também usar toga tem ajudado. Ao contrário, só procrastina as soluções. Magistrados, assessores, diretores e funcionários se
tornaram cultores da burocracia e da inaptidão administrativa. Lamentável.

Enquanto isso, o dinheiro vai sendo armazenado em caixa sob a responsabilidade do Judiciário e os credores vão morrendo (esta semana, soube-se do falecimento de dois deles), sem poder usufruir em vida o total do que lhes é devido por decisão judicial transitada em julgado há mais de uma década.

O surpreendente é que, na Praça N. S. de Salete, todos continuem dormindo tranquilamente o sono dos justos. E mais surpreendente e também lastimável é que a seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil não tenha ainda tomado as medidas cabíveis.

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4 ideias sobre “E a maldição continua

  1. ricardo crovador

    Revoltante, Célio. A solução, como sempre é ser simples. Acabar de vez com esses tais “precatórios” ou seja lá como chamam ou chamarem. Por Lei, inapelavelmente, sem conversa mole.

    Se o Estado (munípio, estado, união, judiciário, MP) deve ao cidadão, tem que emitir imediatamente um crédito via bancária direto para a conta. Na hora, sem papo. Eletronicamente. Automaticamente, no dia da decisão, independente de A, B, C ou Z.

    Se o órgão público não tem dinheiro em caixa, que empreste, peça crédito, se vire, entre no vermelho no banco. Qualquer outra coisa é sacanagem, é dar o calote, é não querer que nada funcione. É criar dificuldades para vender facilidades. É alimentar a malfadada “indústria dos precatórios” e a corrupção em todos os níveis.

    E a OAB, que você chama às falas no final do texto, está muito feliz, gorda, pesada, rechonchuda e excessivamente estufada com o dinheiro das taxas que cobra (inclusive do tal absurdo “exame da ordem”) para pensar em algo que não seja gastar.

  2. ricardo crovador

    Só para complementar.
    Esqueci de dizer que, se a indenização for resultado de uma cagada do governante, o Estado deverá tomar os bens do administrador público responsável e sua equipe.
    Mas isso a posteriori, DEPOIS DO PAGAMENTO, para RESSARCIR os prejuízos aos cofres públicos e nunca para tentar arrumar dinheiro para pagar os cidadãos.

  3. Célio Heitor Guimarães

    Preocupação de virginiano: onde se lê “deve”, na terceira linha do primeiro parágrafo, leia-se “teve”. Grato.

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