10:58Felicidade, cerveja e mandioca

por Ivan Lessa* 

Em Moçambique está sendo lançada comercialmente a cerveja de mandioca, em garrafa casco escuro com rótulo e chapinha.

A receita não é nova. Há gerações que ela é fermentada em casa e a mistura não é segredo para ninguém na ex-colônia portuguesa ora, estranhamente, parte da Commonwealth.

Ainda não tem nome ou slogan a nova birita. Aliás, lá vai a sugestão: “Birita, das cervejas a favorita”.

O novo produto é feito com 70% de mandioca (ou cassava, como se diz na Commonwealth) e 30% de cevada.

A Birita (pronto, já pegou) tem de ser preparada segundo moldes inusitados: 40 mil toneladas de mandioca pura por ano mais 75% de água. Tudo de longo transporte difícil para as fábricas e tem que ser rapidamente industrializado devido à perecibilidade da cassava.

Não sai barato aBirita. Mesmo quando não cobram o casco no bar ou armazém.

Apesar de tudo, os moçambicanos aprovaram a mistura e, depois de sua introdução no mercado, sorriem mais e subiram alguns lugares no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da ONU.

O dinheiro não compra a felicidade, diz o povo de cabeça baixa e passando mal enquanto confere nos bolsos se ainda tem alguns cobres para mais umas e outras. Sem perceber – povo é meio distraído, ainda mais meio tocado – que está sendo pesquisado por entidades poderosas.

Assim como se registrado, em todas horas de sua vida, por um sistema de circuito fechado de televisão. Para isso é que servem cientistas, sociólogos e acadêmicos de todas as laias, pertencentes ou não à ONU. Servem para saber o que nós andamos fazendo.

Meter o bedelho em nossas idiossincrasias, gostos e desgostos. A felicidade pode e deve ser estudada, segundo a entidade, que não quer os palestinos representados na organização.

Não que vá melhorar coisa alguma, mas, ao menos, raciocinam eles, fazendo jus a seus altos salários e mordomias, ficamos – ficamos mesmo? – sabendo a quantas anda todo mundo.

Nesta semana foi divulgada a lista com os 187 países mais “felizes”, digamos assim, exagerando um bocado. O rol foi preparado de acordo com o IDH e leva em conta a qualidade de vida, o desenvolvimento e o índice econômico.

O Brasil não pegou medalha de bronze. Não pegou nem mesmo chapinha de cerveja de mandioca moçambicana. Chegou em 84º lugar.

Dos países latino-americanos, foi apenas o 20º colocado, perdendo para Argentina e Chile. Seu “índice de pobreza multidimensional” (termo empregado pelo IDH) causou espanto em nossas hostes. “Como é mesmo?” se perguntaram, eu inclusive. “Pobreza multidimensional? Que bicho é esse?”

Não creio se tratar de dar aos destituídos um tratamento em três dimensões como essa besteirada que ronda cinema e TV. Pobre tem uma única dimensão: essa mesmo, ser pobre. Passar por privações, por pouca instrução, por falta de saúde, por baixo padrão de vida. Além do mais, perdendo mulher para estivadores parrudos.

Os 5 primeiros colocados no ranking ONU-IDH são, pela ordem, Noruega, Austrália, Holanda, Estados Unidos e Nova Zelândia. A eles, nossos parabéns.

Resta-nos o consolo de não pegarmos a lanterninha nesse campeonato. Ficamos, como já foi apontado acima, lá pela metade, ou um pouco mais.

Para nosso consolo, ainda valem as palavras, agora ligeiramente modificadas, do poema de Gonçalves Dias: nossos bosques têm mais flores, nossas vidas mais amores, nossos multibilionários mais espaço nas listas da revista Forbes.

Birinaites não adiantariam nada. Moçambique, juntamente com Burundi, Chade, Níger e República do Congo chegaram em último lugar.

O remédio, moçambicanos, é pedir mais uma cerveja de mandioca e pedir para espetar na conta. Ou então esperar que o Eike Batista, num de seus muitos gestos magnânimos, pague.

*Colunista da BBC Brasil

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