5:59Um dia de purgatório

por Célio Heitor Guimarães

Até para prantear os mortos o cidadão desta Curitiba tão planejada e mal resolvida tem de cumprir penitência. O dia de ontem, dedicado aos Finados, pelo menos, foi de grande padecimento para os visitantes do Cemitério Parque Iguaçu.

Começa que o pobre pecador a bordo de um veículo automotor é obrigado a enfrentar uma autêntica via-crúcis para chegar ao tal campo santo. Depois de um pára-arranca desumano e irritante, vislumbra-se o purgatório: no portão do cemitério, que antes era de saída mas agora é de entrada, o segurança indica ao recém chegado aonde ele deve ir. “À direita, por favor”. Mas os meus mortos estão lá em cima à esquerda, na ala antiga, setores V e VI… “Não importa, lá não tem mais lugar. O senhor deve seguir à direita”. Mas eu tenho um problema físico que não me permite andar muito. “Lamento. Em frente”.

E lá vai o idiota barroca acima, depois barroca abaixo – aos solavancos e comendo pó, com os buquês de flores pulando no banco de trás –, para onde não quer ir. Se era para depositar flores e rezar a quilômetros de distância, ele não teria saído de casa, rezaria em uma igreja qualquer ou iria ao Municipal.
Mas segue em frente – que fazer?… – e como em frente nada tem para fazer, pega a rota de saída, para nova tentativa de entrada.

No portão de entrada, que agora é de saída, dá de cara com os bravos agentes da Diretran – aquele órgão que não se sabe para que serve (servia para multar os incautos motoristas, mas como foi proibido disso, perdeu a sua função, posto que não tem a menor idéia do que seja orientar o trânsito). Pois os bravos agentes da Diretran, barrando o tráfego à esquerda da R. Nicolau José Gravina, obrigam todos os veículos a seguirem à direita. Vão dar na Manoel Ribas. Tudo muito prático e eficiente. Ali, juntam-se aos veículos da turma alegre do galeto, do radicce e de muito vinho. Quer dizer: o pobre idiota, que só queria deixar um ramo de flores no jazigo do pai, da mãe, do esposo ou da esposa, passa boa parte da tarde engarrafado na Av. Manoel Ribas.

Só depois de muita paciência, de algumas pílulas de frisium e de muitos palavrões, chega-se novamente à entrada no Parque Iguaçu, aquela que já foi saída, em meio ao bosque do Barigui.

Aconteceu comigo. Na segunda tentativa, nem esperei qualquer orientação do porteiro. Despejei sobre ele, desde logo, alguns desaforos e acelerei à esquerda. Ainda ouvi do infeliz que a culpa não era dele, que apenas cumpria ordens da administração do cemitério e que era a ela que eu deveria reclamar.

Respondi-lhe que, não obstante, ele ali representava a administração e, por isso, estava apto para ouvir o meu protesto, mas que eu também protestaria, sim, junto à administração.

Protestei, é claro. Disse à atendente de plantão ter sido um absurdo o modo como se tratou ali os vivos naquele dia dos mortos. Reclamei da falta de organização, da falta de atenção, da falta de bom senso. E arrematei, na qualidade de condômino e futuro residente, que está mais do que na hora de se deixar de espalhar por ali, gananciosamente, novos jazigos e se cuidar, urgentemente, de novos acessos, de novas saídas e de novos pátios de estacionamento. Caso contrário, eu pelo menos, não porei mais os pés lá. Nem morto.

A atendente, pasma e sem resposta, pediu-me que formulasse as queixas por escrito. Não atendi. Prefiro fazê-las publicamente. Talvez assim sejam levadas em consideração.

Quanto aos agentes da Diretran, às 18h em ponto, recolheram as suas tralhas e deram no pé. Afinal, têm horário de funcionário público.

Compartilhe

4 ideias sobre “Um dia de purgatório

  1. Ivan Schmidt

    Bravo Célio Heitor: você acaba de dar a maior contribuição para que se desmistifique de uma vez por todas a balela de que Curitiba é a melhor cidade da galáxia para se viver, fazer negócios, ficar rico e outras baboseiras da mídia oficial (ou sustentada por verbas públicas)! Ficou meridianamente claro em seu depoimento que Curitiba NÃO É BOA NEM PARA MORRER! Pano rápido…

  2. Célio Heitor Guimarães

    Quem deve responder é o Grande ZB. Mas atrevo-me a dizer que não, coronel. É apenas um porto seguro para a indignação contra as desgraças deste mundo.

  3. Coronel Perseu Jacutingassa

    Faz todo o sentido Sr. Célio…
    Eu mesmo me espanto com a minha ranhetisse de vez em quando.
    Obrigado ao Zé Beto por abrir esta porta para os indignados…

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.